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20 junho 2016
Texto de Sónia Balasteiro Texto de Sónia Balasteiro Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

Naide Gomes: «Ser mãe é alta competição»

​​​​​​Um dia, na escola, saltou para a frente um metro e meio. O professor de Educação Física abriu a boca de espanto. Pulou de medalha em medalha e tornou-se a maior saltadora em comprimento portuguesa de sempre. Mas só depois de forçada a abandonar a competição alcançou a medalha olímpica. A carreira de Naide Gomes dava um romance. Para já, deu esta entrevista.

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Revista Saúda - Com a maternidade, tem tempo para fazer desporto?
Naide Gomes - Sim, sempre que o meu filho me permite. Três, quatro vezes por semana. Faço um pouco de tudo: crossfit, manutenção… E o Mateus também me ajuda a ficar em forma (risos).
 
RS - Tem outros cuidados consigo? 
NG - Sempre tive cuidado com a alimentação. Não é por já não competir que deixei de o ter. Obviamente que se, de vez em quando, me apetecer fugir um pouco à regra, faço-o. Tento ter cuidado também porque estou a amamentar o Mateus.

RS - Como vê as farmácias? 
NG - Enquanto atleta, tiveram muita importância. Sofri muitas lesões, pelo que o apoio dos farmacêuticos foi fundamental. Foram muitos os anti-inflamatórios, as pomadas, os suplementos… E agora, com o Mateus, também. Na zona onde moro, há duas farmácias onde costumo ir regularmente e onde ele já é conhecido, porque vou lá buscar todo o tipo de coisas de bebés. Lá, sinto-me em casa!

RS - Foi difícil deixar a competição? 
NG - Foi muito difícil. Ainda é, não o nego. É muito difícil vir à pista e ver os outros atletas a treinar e eu, como fisioterapeuta, ficar apenas a observar. Mas tudo tem o seu tempo. A etapa em que estou neste momento é a de ser mãe e cuidar do meu filhote. E vou fazendo desporto, embora não competitivo. É claro que tenho saudades daquela adrenalina, dos objectivos, de ir treinar todos os dias com o pensamento numa medalha… Mas tomei decisões das quais não me arrependo.

RS - Cuidar do Mateus também é um desafio?
NG - É alta competição (risos)! Ele não pára quieto. Gatinha, faz-nos suar. É filho de atleta, tinha de ser assim! Agora, faz ioga. Começou com apenas um mês e tem-lhe feito muito bem, porque o espevita mais ainda, ele é muito atlético. Fará o desporto que quiser, não vou obrigá-lo a fazer atletismo.
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RS - No seu caso, como escolheu o atletismo?
NG - Acho que o atletismo me escolheu a mim. Nasci em São Tomé e Príncipe, cheguei a Portugal com 11 anos. Nas aulas de Educação Física, destacava-me. Houve uma ocasião em que o professor fez um torneio de salto em altura e eu ganhei com 1,50m, sem nunca ter treinado. Ele ficou a olhar para mim e perguntou: «Quem é que te ensinou isso?». Respondi que em São Tomé e Príncipe estava habituada a saltar para as árvores, sobre o rio... Convidou-me para o desporto escolar, ingressei e nunca mais parei. Tomei-lhe o gosto. Desde os 12, 13 anos… Até aos Jogos Olímpicos… Falhei o apuramento em 2008. Aquele dia era um dia não, em que não devia ter saído de casa.

RS - Como se gerem essas frustrações em alta competição?
NG - Não é fácil. Temos de saber dar a volta, seguir em frente. O desporto é feito disso mesmo, de bons e maus momentos. E é preciso ultrapassar esses maus momentos e continuar. No ano seguinte voltei a ganhar medalhas.

RS - Há alguma medalha que tenha tido um sabor mais especial? 
NG - Acho que foram todas importantes, mas a primeira talvez se destaque porque me orientou. Mostrou-me que tinha capacidades, que podia chegar mais longe. E a partir daí trabalhei com mais afinco, porque queria chegar mais longe. Em 11 anos, ganhei 11 medalhas seguidas. Foi muito bom. E tenho o Mateus, a minha medalha olímpica.

RS - O que define um campeão? 
NG - Temos de ser muito humildes. A minha educação permitiu-me isso. Porque um dia podemos estar lá em cima e de repente estar cá em baixo. Acho que a humildade, acima de tudo, e a paixão, a entrega, tornam um atleta campeão.
 
RS - Mas é preciso saber lidar com os momentos menos bons, como as lesões…
NG - Sim, as lesões foram o meu maior adversário. Ao longo da minha carreira tive muitas. Nos Jogos Olímpicos, em Pequim, estava lesionada. Em todas as épocas tive lesões. Acho que podia ter chegado muito mais longe se não tivesse tido tantas.
 
RS - Está a trabalhar como fisioterapeuta. 
NG - Essa escolha está ligada às suas lesões? Sim. Passei muito tempo com os fisioterapeutas. Eles explicavam-me em que é que consistiam as lesões, porque sempre fui muito curiosa. Acabei o curso em 2014 e comecei a trabalhar no ano passado. 
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RS - A Naide atleta era diferente da Naide do dia-a-dia?
NG - Quando entrava em competição, eu não era amiga de ninguém. Entrava com postura “de poucos amigos”, com a cara fechada, a indicar “vou matar alguém”, ganhar a prova. Mas assim que saía da competição era diferente. Fora de competição era amiga, rio, dou beijinhos.

RS - Era uma forma de lidar com a pressão?
NG - Era uma forma de concentração. Isolava o mundo exterior e era só eu, a pista e o meu objectivo. Acho que a maior adversária que tive fui eu mesma. A Naide era a atleta que eu tinha de vencer.

RS - Na fisioterapia, quer estar ligada à competição?
NG - Sim. Quero estar ligada a atletas de alta competição, como eu fui acompanhada quando competia. Gostaria muito de ajudar os outros atletas a melhorar a sua performance. O Sporting vai inaugurar uma clínica no estádio e eu vou fazer parte dos quadros da Sporting Olympics.

RS - E agora, quais os projectos mais próximos?
NG - Cuidar do Mateus, o que é um grande desafio. Ele é o principal neste momento. E vou-me casar em Julho, acho que é outra etapa.
 
RS - Quais são os seus sonhos para ele?
NG - Que tenha muita saúde e que cresça feliz, como acho que é, e que consiga alcançar os sonhos que mais tarde ele terá. Quero educá-lo da melhor forma possível, como fui educada. Não com muitos mimos nem dema​siados bens materiais. Quando ele me pedir alguma coisa, vou dizer-lhe: «A mamã gostava muito de ter um helicóptero ou um Ferrari, mas não pode. Tu tens de fazer por isso.». Esse é um dos valores que quero lhe passar: é preciso lutar. 
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