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10 agosto 2020
Texto de Irina Fernandes Texto de Irina Fernandes Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

«Imagino-me a vencer»

​​​​​​​​​​​​​Telma Monteiro adora o desafio constante e a adrenalina das competições.
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É a segunda judoca mais medalhada a nível mundial. O que faz de si uma campeã?
Ser inconformada, querer sempre mais. 

Qual a sua maior força: o corpo ou a mente? 
A mente. Sou uma atleta forte, rápida e explosiva, mas psicologicamente estou noutro patamar. 

Qual?
Já ganhei a adversárias que eram técnica e fisicamente mais fortes do que eu. Do ponto de vista psicológico, se eu não for a melhor… estou muito perto disso. Psicologicamente tenho uma força diferente das outras.

Em que se distingue? 
Sou uma pessoa resiliente, muito pragmática quando existe algum problema. Numa situação mais difícil, sou muito rápida a reestruturar o meu pensamento. 

E a dar a volta por cima? 
Sim. Não sou de lamentações, procuro as soluções.

Herdou de alguém o optimismo e a vontade de vencer? 
Da minha mãe. É uma pessoa muito positiva. Perante dificuldades ou problemas, ela diz sempre que tudo se há-de resolver. Sempre fui uma pessoa muito positiva. É algo natural em mim.

O judo exige equilíbrio físico e mental. Faz meditação, ioga? 
Para nós, atletas de alta competição, meditar é uma ferramenta que adquirimos naturalmente. Passa por visualizar o combate e tudo o que precisamos de fazer para ser bem-sucedidos. É importante visualizar o sucesso, para se chegar lá. A mente alcança o que vemos e imaginamos. A meditação e a visualização imagética são estratégias que uso para atingir os meus objectivos. 

Quer isso dizer que antes da luta no tatâmi imagina o sucesso? 
Sempre. Imaginar-me a ganhar é uma rotina inconsciente. 

E em que pensa?
Imagino-me a vencer o combate. Por exemplo, quando estou a treinar imagino que aquilo não é só um treino, mas sim uma final olímpica. E costumo dizer em voz alta e várias vezes: «Ganhei os Jogos Olímpicos!». 

Iniciou-se na modalidade aos 14 anos. Porquê o judo? 
Inicialmente, foi por incentivo da minha irmã. Na altura, eu jogava futebol e estava cansada de só treinar, não competia. Por outro lado, via a minha irmã e as amigas, que praticavam judo, a viajar enquanto eu ficava sempre em casa. Vi no judo uma oportunidade para viajar. Essa foi a minha primeira motivação.

Mas depois… 
Rapidamente comecei a gostar, por ser uma modalidade individual na qual tudo pode mudar num só segundo. O desafio constante e a adrenalina são muito atractivos para mim. 



Depois de uma competição, o que faz para renovar energias? 
Estou com a minha família e amigos. Se estiver muito cansada, passo o dia em casa sem fazer nada. Sou capaz de ficar o dia todo a ver televisão, séries ou vou passear um bocado. 

Gosta do dolce far niente? 
Gosto de ter um ou outro dia em que não faço nada. Mas sou uma pessoa que está habituada a ter sempre alguma coisa para fazer. Não gosto de ficar sem fazer nada, isso stressa-me.

Há quem goste de ouvir música para relaxar… 
Eu limpo a casa, gosto. [risos] Quando limpo a casa, descontraio. Gosto de limpar a casa e ouvir música. 

Enquanto atleta, que cuidados tem para manter a boa forma física? 
Treino de segunda a sexta-feira, e às vezes ao sábado. O domingo é para descansar, que também precisamos. Faço musculação três a quatro vezes por semana e treino a componente cárdio duas vezes. Temos de ter resistência, aguentar os diferentes níveis de intensidade do combate.

Como são os treinos?
Todos os dias de manhã temos um treino físico, que pode ser musculação ou corrida, e à tarde tenho o treino de judo, que também é exigente. Treinamos sempre no máximo. Eu tenho de ter todos os movimentos automatizados. Por exemplo, onde devo agarrar ou como posso impedir a minha adversária de me agarrar. 

Tem cuidado com a alimentação? 
Tento ter algum cuidado, mas não sou a pessoa mais… Já tive de perder muito peso, mas agora não. Mentiria se dissesse que não como bolos ou fritos... Tenho uma alimentação equilibrada para uma atleta. 

Quem é a Telma Monteiro fora do tatâmi? 
Sou uma pessoa tão simples…

Quais são os maiores prazeres?
 Estar com a minha família, ter tempo para eles, rir, comer bem. Queria ter mais tempo para viajar. Não tenho ainda, mas hei-de ter. 

Que países sonha visitar? 
Gostava de ir à Nova Zelândia, à Indonésia e ao Tibete. Ah, e adoro tirar fotografias!

Tem 34 anos. Como lida com a idade? 
O corpo tem um prazo para a alta competição, mas isso não me preocupa. Tenho vivido a modalidade de forma tão intensa que não tenho arrependimentos. Naturalmente, vai chegar o fim da minha carreira. Temos de estar sempre preparados. 

E está? 
Quando chegar o momento, logo saberei.

Quer realizar algum sonho, quando isso acontecer? 
Sempre pensei em ter uma escola de judo. Não o desejo porque ganhei muitas medalhas, mas porque acredito no judo enquanto ferramenta útil para desenvolver o lado humano de cada pessoa.



Como é ser-se praticante mulher num universo desportivo dominado por homens? 
Acho que as mulheres têm sempre menos destaque. Sinto que, de um modo geral, há menos reconhecimento. Parece que foi mais difícil quando é um homem a ganhar ou a alcançar algo e isso não é verdade. Na cabeça deles, a mulher ganhou, mas eles poderiam ganhar-lhe.

Nesse campo, continua a fazer história… 
Sim. Neste momento, sou a segunda atleta mais medalhada de sempre a nível mundial, entre homens e mulheres. Em termos de medalhas ninguém tem o meu palmarés. E sou mulher. Quebrei esse estigma.

Teve de abdicar de muito? 
Talvez pudesse ter ido de férias mais vezes no Verão, mas, por outro lado, nunca fui nem sou pessoa de sair à noite… Não lamento nada. Ser atleta de alta competição tem sido muito gratificante.

Como lida com as derrotas? 
Nunca vou aceitar perder. Acredito que é preciso continuar a aprender, a perceber o que fiz bem ou o que há a melhorar. Se me conformar com o sentimento da derrota, não faz sentido competir.

Está feliz com a sua carreira? 
Vou ter sempre um sentimento misto: sou muito feliz com o que fiz, tenho consciência de que o que fiz foi histórico, mas vou pensar no que poderia ter feito melhor.

O que lhe falta conquistar? 
Tenho medalhas em todas as competições do mundo. Não posso dizer que falta alguma coisa, mas posso sempre querer mais.

Gostou desta conversa ou está capaz de nos fazer um ippon? [gesto técnico em que o oponente fica com as costas no tatâmi] 
Gostei, sim [risos].

 

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