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3 setembro 2017
Texto de Sónia Balasteiro Texto de Sónia Balasteiro Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

Força de gigante

​​​​​​​​​​​Eduíno já emagreceu 60 quilos.​

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​Esta não é uma história doce. É dura como a vida, por vezes. Inclui desespero, solidão, perigo de morte, o momento de mudar tudo, coragem. É a história de um caminho. E envolve amor.

 
O protagonista é Eduíno Ribeiro. Carolina, a filha de nove anos, também ocupa um papel principal. As lágrimas que a compõem são também da menina, sempre atenta às palavras do pai. Aos momentos doridos por que passou. À coragem que l​​he deu.

 
Com 36 anos e um metro e 80 de altura, corpo musculado, Eduíno pesa 90 quilos. É personal trainer (PT) em dois ginásios de Lisboa e dedica muitas horas semanais ao exercício físico. Mas teve de caminhar – e muito, cerca de 60 quilos – para chegar onde está. Ainda é uma luta diária, dirá ele.
«Aos seis anos, comia demasiado. Tentava encher-me ao máximo»​

 
A obesidade, pode dizer-se, cresceu com Edu, como é carinhosamente tratado pelos amigos.  Nunca percebeu o motivo. Garante ter tido uma infância normal. Mas havia um vazio dentro de si. Tentou preenchê-lo como podia. Mas o vazio, alojado no coração, só aumentava.

 

 

 
Na escola, sentia-se excluído. «Os meus colegas corriam, jogavam à bola e eu era sempre deixado de lado. Pesava demasiado».

 
Aos 15 anos, a balança já marcava 110kg. Não era apenas a exclusão a magoá-lo. Havia o assédio dos outros rapazes. «Juntavam-se em grupos de três, quatro rapazes e davam-me “calduços”». E pontapés. Atiravam-no ao chão só para o verem prostrado, sem conseguir levantar-se por ter um corpo demasiado grande. Nessa altura houve algo no seu coração a quebrar.

 
Aos 16, 17 anos, começou a defender-se. Com medo, mas de si próprio. «Receava magoar os outros porque não tinha muita noção da minha força. Mas tinha muita».

 
No momento em que teve de agredir para se defender, ficou ainda mais destroçado. «Isolei-me, fechei-me muito». O mundo falhou-lhe e ele decidiu afastar-se. Os anos seguintes foram de reclusão e uma profunda depressão. «Os meus colegas saíam para discotecas, passeavam, tinham namoradas. Eu escondia-me da sociedade». E continuava a comer, o vazio a aumentar.

 
Os pais não perceberam o seu imenso sofrimento. «Eles trabalharam toda a vida e era mais um encargo. E eu não queria ser, por isso não mostrei». Eduíno decidira esconder-se do mundo.

 
Terminou o liceu com notas medianas, esforçando-se o mínimo possível, e decidiu entrar no mundo do trabalho. «Queria focar-me noutra coisa, não na minha obesidade». No início funcionou.

 
Enquanto trabalhava como técnico de informática numa pequena empresa, «a depressão ficou esquecida». O problema, porém, mantinha-se: «Atrás do balcão, o meu colega não conseguia deslocar-se à minha volta, não tinha espaço». E era sempre Eduíno a fazer os trabalhos pesados, a carregar os computadores. Poucos anos depois, pesava já ele 130 quilos, conseguiu emagrecer até aos 100. 

 

 

 
Teve a primeira namorada da sua vida tinha 22 anos. A mãe da sua filha ​Carolina. Mas, no íntimo, mantinha-se a frustração, o vazio. E para o alimentar, Eduíno comia. Cada vez mais. «Comecei a aperceber-me do pior: tanto a nível laboral como pessoal já me estava a cansar».

 
Após um ataque de ansiedade, seguido de um início de enfarte, acompanhado do veredicto «se continuar assim vai morrer», decidiu experimentar uma cirurgia nova. A famosa banda gástrica. Tinha 29 anos.

 
Só funcionou no início. «Numa operação qualquer, toda a gente emagrece durante um ou dois meses. E emagreci bastante». Dos 150 para os 130 quilos.

 
Mas o seu coração não estava ainda preparado. Edu ficava cheio, mas apenas fisicamente. «Tinha mentalidade de obeso…» Com a banda gástrica não conseguia comer tanto, mas podia ingerir líquidos. E liquidificava a comida. «Cheguei a derreter chocolate em panelas e a beber pela palhinha».

 
Também vomitava bastante, chegando a ter uma infecção na banda gástrica. «Quase morri por causa disso. Fui ao médico, disse-me que tinha de alargar a banda gástrica, desactivá-la». Tristeza, desorientação.

 
Ao chegar a casa, teve o clique: «A minha filha tinha um ano, olhei para o berço… Não poderia continuar assim, tinha de fazer algo ou não ia ver o crescimento dela. Ia acabar por morrer. Marcou-me muito».

 

 

 
Enquanto conta a experiência, o sofrimento a voltar-lhe ao rosto, as lágrimas rolam pelo rosto de Carolina, sem controlo. Eduíno abraça a filha. Tem muito a agradecer-lhe. Foi por ela que chegou onde chegou.

 
Começou por fazer caminhadas. Primeiro, 500 metros. Depois, um quilómetro, dois, três, quatro... Até àquele dia em que passou sete horas a caminhar, do Lumiar para o Terreiro do Paço, daí para o Parque das Nações, e não lhe doeram as articulações nem se sentiu ofegante. O resto aconteceu por acaso.

 
No caminho para o trabalho, a pé, viu uma piscina municipal. «Fui para a natação. Aí sim, emagreci imenso. Depois da natação, envolvi-me na musculação, a minha paixão». Eduíno acredita no destino. Num ano e meio, a sua vida deu uma volta de 180 graus. Conheceu a sua actual mulher, Sara. «Encontrei uma linda mulher que me incentivou a emagrecer».

 
A alimentação também mudou. «Decidi comer mais vegetais, mais peixe, deixar de comer hidratos de carbono». 

 
A paixão pela musculação levou-o a dedicar-lhe a vida e a tirar um curso de instrutor e depois de personal trainer. Mas não parou por aí. «Tirei vários cursos de Nutrição». Aprendeu a «saber comer».

 
Hoje é um homem diferente, mais seguro. Porém, admite, quer ir mais longe. «Ainda não estou satisfeito com o meu corpo. Nós, se estivermos satisfeitos, vamos estagnar e recuar depois». Tem o mais importante: sente-se saudável.

 
 

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