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8 agosto 2018
Texto de Mário Beja Santos Texto de Mário Beja Santos

Fazer abem olhando a quem (precisa)

​​​​Associação Dignitude desenvolveu projecto que pretende combater a exclusão no acesso ao medicamento.​​​

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​Quando falamos do medicamento, associamo-lo a saúde, a terapêutica, a um bem de consumo seguro, dotado de eficácia para contrariar o sofrimento. É um precioso meio para que a nossa vida tenha mais qualidade. Fica, porém, na sombra uma outra dimensão: a de que é uma ferramenta básica das políticas sociais. 

Nunca, como hoje, se falou tanto no acesso ao medicamento, sendo os seus significados múltiplos: prescrição em tempo útil; uma boa cobertura farmacêutica, para que o doente não ande a calcorrear quilómetros e a fazer despesas suplementares; poder aquisitivo, para que a terapêutica não comprometa as despesas elementares em habitação, comida ou educação dos dependentes. 

Ora, a ascensão das desigualdades sociais e as condições degradantes em que vive uma parte significativa da população exigem, cada vez mais, uma articulação entre as políticas de saúde e as da solidariedade social.

Fundou-se há poucos anos uma associação, de nome Dignitude, destinada a pôr de pé programas de impacto na vida dos mais carenciados. O primeiro programa que lançou destina-se àqueles que não possuem dinheiro para levar à risca a terapêutica que o médico prescreveu e sem a qual a sua vida fica seriamente afectada ou, nalguns casos, mesmo em perigo. Estima-se que sejam um em cada dez os portugueses que não têm acesso à medicação prescrita.

Este programa, em curso desde 2016, nasceu da observação directa da miséria em que vivem doentes. Chama-se Abem: Rede Solidária do Medicamento, e é uma verdadeira originalidade no enlace entre a saúde e as políticas sociais. 

O Abem preza, em todas as situações, por que o doente em carência seja tratado em pé de igualdade com os demais. Afinal, é a seres humanos como quaisquer outros que se dedica, não a “coitadinhos”. 

Fez-se uma experiência-piloto que arrancou em 2016 e terminou no ano passado, e o que se sabe é que o Abem alcançou os seus objectivos: testou-se e provou-se a benevolência e eficiência do modelo. 

Mas que modelo é este que está a ser praticado? A pessoa em carência é identificada por entidades referenciadoras (por exemplo, uma misericórdia, a Cáritas, uma junta de freguesia, uma associação de doentes…). Ser referenciada ao programa significa que a entidade avaliou as condições de vida da pessoa e lhe conferiu apoio durante um determinado período. É, no fundo, como se fizesse um contrato temporal para o uso de terapêuticas e posteriormente a sua reavaliação.

Conferido o apoio, a pessoa torna-se beneficiária do programa, recebendo da entidade referenciadora um cartão, tipo multibanco, com o qual entra na farmácia como qualquer outro cidadão, sem precisar de dizer em voz alta ou baixa que vive em dificuldades. Mostra a receita, a farmácia dispensa os medicamentos com o respectivo aconselhamento, sem que haja lugar depois a qualquer pagamento, e pronto. 

A originalidade do programa passa também pelo seu financiamento. Estão envolvidos todos os elos promotores da cadeia, assim como doadores, que englobam todos os agentes da sociedade, até ao mais simples cidadão, como eu e cada um de nós. 

Todo o dinheiro angariado, seja em donativos espontâneos, seja através da participação numa das campanhas organizadas pelo programa (de que é exemplo a campanha “Dê Troco a Quem Precisa” ou a consignação do IRS), é para comprar medicamentos, dentro do princípio orientador de que o doente crónico ou de longa duração que não dispõe comprovadamente de recursos fará na íntegra o seu tratamento. 

E o programa Abem está a resultar: caminha para uma cobertura nacional, mais de 2.500 famílias estão já a receber apoio e foram já dispensados perto de 88 mil medicamentos. Mais: a recente avaliação de impacto revela que por cada euro investido no programa, o Abem gera um retorno social de oito euros.

Os portugueses têm investido a sério na chamada ajuda humanitária e em momentos cruciais, como Timor ou Pedrógão Grande, primam pela generosidade. Mas este olhar sobre os carenciados doentes é uma postura inovadora, a diferentes títulos: junta a dimensão da saúde com a da solidariedade social; assume-se como compromisso ético entre quem fabrica medicamentos, quem os dispensa e quem os utiliza; envolveram-se municípios e as instituições de solidariedade social. É uma representatividade impressionante, uma dádiva feita com uma enorme transparência e numa grande irmandade solidária.

Da notoriedade do programa falam os números. E do seu sucesso só se pode desejar os melhores votos. Vivemos num mundo de lamentáveis desigualdades, é melhor não as iludir, é mais eficaz apoiar quem precisa num vastíssimo contrato social em que assenta o programa Abem. Faço votos para que todos os leitores queiram saber mais sobre esta emocionante inovação social e a acarinhem como ela merece.​
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