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26 junho 2024
Texto de Carina Machado Texto de Carina Machado Fotografia de Ricardo Castelo Fotografia de Ricardo Castelo

Farmácias prontas para avançar

​​​​A intervenção das farmácias em situações clínicas ligeiras tem como objetivo facilitar a jornada das pessoas pelo sistema de saúde.​

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«​O principal fator diferenciador das farmácias é a qualidade e a segurança do aconselhamento em saúde e do serviço que as equipas prestam às pessoas». A afirmação é de Joana Esteves, da Farmácia Avenida, em Repeses, Viseu. Expressa-se, de modo não displicente, recorrendo às formas plurais dos nomes. É que as farmácias, pequenas e médias unidades prestadoras de cuidados e serviços de saúde e bem-estar, e as respetivas equipas técnicas, não são vistas pela população apenas na sua condição singular. São percecionadas também, e sobretudo, como uma rede.

Por esta rede nacional, capilar, passa em média, diariamente, meio milhão de pessoas. «Uma boa parte à procura de respostas para a sua condição, antes mesmo de consultar o médico ou ir às urgências hospitalares», tal como acontece, de resto, na Farmácia Avenida. Ali, «a comunidade está muito sensibilizada para esta boa prática». Afinal, para quê sobrecarregar serviços, já de si muito pressionados, com condições ligeiras?


Muitas farmácias já disponibilizam testes que permitem fazer um primeiro diagnóstico diferencial às infeções urinárias, com toda a segurança​

Contudo, lamenta Joana, o sistema de saúde não está organizado de modo a facilitar a vida às pessoas. Veja-se o caso das infeções urinárias, situações simples e de elevada frequência nas farmácias. «As pessoas chegam-nos com queixas e há testes – os quais também realizamos aqui – que permitem um primeiro diagnóstico diferencial, com toda a segurança. Se houvesse protocolos robustos e vias de referenciação direta, a farmácia poderia atuar desde logo, fosse na dispensa de um antibiótico ou no encaminhamento para outros níveis de cuidados. As pessoas teriam uma jornada menos penosa, e poderíamos retirar carga dos serviços de saúde, como os serviços de urgência».

Ao nível internacional, a integração das farmácias na prestação de cuidados estruturados à população tem tido bons resultados, como o comprova a evidência publicada em países como o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia. Mas o exemplo mais expressivo chega do Reino Unido, onde o Serviço Nacional de Saúde (NHS), corroborado pelo primeiro-ministro, lançou o programa Pharmacy First. O objetivo passa por melhorar o acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde, ultrapressionados e com tempos de resposta fora da razoabilidade clínica, recorrendo à intervenção dos farmacêuticos comunitários. Identificou-se sete patologias comuns, e foi protocolado o atendimento à população, que pode resultar na resolução com recurso a uma lista de dispensa terapêutica ou, nos casos que o farmacêutico avalie de maior gravidade, em referenciação para consulta médica. É estimado que o serviço, formalmente lançado no início deste ano, venha a permitir a poupança anual de até dez milhões de consultas de medicina geral e familiar, a partir dos resultados extrapolados da experiência realizada entre 2021 e 2022 na Escócia.

Em Portugal, quando foi conhecida a alínea inscrita no Orçamento do Estado para 2024, mencionando a intervenção farmacêutica em afeções menores, a partir de ensaios-piloto coordenados entre a Ordem dos Farmacêuticos e a Ordem dos Médicos, já a Associação Nacional das Farmácias tinha em marcha um plano de capacitação e suporte às farmácias para uma intervenção estruturada neste âmbito. O programa em curso, denominado Abordagem nas Situações Clínicas Ligeiras, procura dar corpo a uma das matrizes da visão defendida para o setor, que propõe um modelo de farmácia mais clínico, mais integrado com outros níveis de cuidados e multidisciplinar.


«Todos os dias as farmácias são confrontadas com problemas de saúde sem caráter de gravidade e com sintomas facilmente reconhecíveis», explica Diana Amaral, da Direção da ANF

«Todos os dias as farmácias são confrontadas com problemas de saúde sem caráter de gravidade e com sintomas facilmente reconhecíveis. Insónias, tosse, febre, acne, dermatite atópica, infeções urinárias não complicadas… Todas estas condições são geridas com elevadíssima frequência pelas diferentes equipas em todo o país», explica Diana Amaral, da Direção da ANF. O propósito foi criar mecanismos que permitam introduzir alguma homogeneidade nas respostas, e este programa, de capacitação e suporte, com vários projetos que concorrem para o mesmo fim, pretende «garantir que as farmácias, além de prestarem um serviço de excelência, estão prontas para o desenvolvimento de intervenções protocola- das nas situações clínicas ligeiras», acrescenta.

Joana Esteves faz parte do grupo de 4.617 farmacêuticos comunitários que, até março, estavam envolvidos no projeto de capacitação. Entre novembro e fevereiro, lançaram-se as bases da oferta formativa em 11 situações clínicas ligeiras já identificadas, com a realização de 102 sessões presenciais em todo o país, incluindo as ilhas. Seguiu-se uma sessão remota, a disponibilização de sessões assíncronas, e continuam a decorrer os cursos em e-learning. «Estamos também a trabalhar numa iniciativa inédita, que pretende recolher dados para caracterização das situações clínicas ligeiras geridas nas farmácias, de modo a gerar evidência sobre o impacto da nossa intervenção profissional», adianta Diana Amaral.

A diretora da ANF faz notar que o excessivo recurso às urgências em Portugal é uma realidade conhecida, tal como o são – sublinha – a enorme pressão que existe sobre os serviços, a má utilização dos recursos públicos e o aumento da despesa. «As farmácias estão a preparar-se para corresponder aos desafios que lhes sejam co​locados nesta área, como, aliás, é seu apanágio. A partir daqui, será fundamental que se desenvolvam, acordem e contratualizem protocolos de intervenção que permitam à rede desenvolver atividades que respondam de forma mais efetiva às necessidades das populações».
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