Nasceu no Algarve há 36 anos e fez história no bodyboard. Como é a sua relação com o mar?
As minhas primeiras memórias como pessoa são com o mar. Cresci na praia, lembro-me de gatinhar na areia. A relação foi-se alterando à medida que fui crescendo, mas o mar está sempre presente na minha vida.
As primeiras memórias que tem são do mar. A Schenker School Tour é um projeto educativo de sensibilização para a preservação dos oceanos
Onde nasceu exatamente?
Os meus pais são alemães, mas eu nasci aqui, em Vila do Bispo. Eles vieram para o Algarve, há 37 anos, para proporcionar mais natureza aos filhos que tivessem. Sempre passámos muito tempo na praia. Vieram passar férias e apaixonaram-se pelo sítio. Depois compraram uma casa antiga, por reconstruir, numa aldeia, a Pedralva. E as filhas foram nascendo. Eu fui a primeira de quatro, nasci um ano depois de eles virem. Não consigo imaginar-me fora deste sítio. Eu, Vila do Bispo e todo este lugar vivemos em simbiose. E sinto-me muito acarinhada.
Quando começou a experimentar o desporto?
Aqui há uma grande cultura de bodyboard. Quando comecei, já havia campeões, muita gente a praticar e várias gerações de bons bodyboarders. Na minha vida aconteceu aos 13 anos, quando os meus amigos da escola e todos os miúdos fixes o praticavam. Eu queria estar nesse grupo.
Em que momento pensou que esta ia ser a sua vida profissional?
Aos 14. Um ano mais tarde, já estava a competir nos juniores, porque os outros também iam aos campeonatos. Tive algum sucesso muito rapidamente. O momento decisivo foi a altura de escolher entre ir para a universidade ou ficar no desporto. Decidi não estudar. Aí foi mais sério, tinha mesmo de correr bem.
Se tivesse estudado, seria o quê?
Ainda estive inscrita em Design Gráfico, em regime pós-laboral, para poder continuar a fazer bodyboard de dia. Fui a uma aula e pensei: «Não vou acabar isto, portanto nem vou».
Alguma vez se arrependeu dessa decisão?
Quando perco campeonatos, posso questionar as escolhas. Ou quando há dificuldade em arranjar patrocinadores, porque este não é um desporto fácil para se viver dele. Mas diverti-me tanto que nunca me arrependi.
Que sacrifícios fez?
Não são muito relevantes. Não estudar foi, se calhar, o maior. E falhei muitas coisas de família, com amigos. Comecei a ter a visão mais fechada de um atleta que tem um objetivo.
«O mar é o maior professor. Ensina qualidades para a vida: respeito, perseverança, paciência, persistência e muita humildade»
O que é mais atrativo nos desportos de ondas?
É difícil explicar. No mar temos de nos entregar completamente. Estarmos num meio que não controlamos faz-nos sentir pequenos, mas, ao mesmo tempo, poderosos por estar ali. Temos medo, mas vamos. O mar é o maior professor. Ensina qualidades para a vida: respeito, perseverança, paciência, persistência e muita humildade. Se não tivermos estas qualidades dentro de água, o mar vai ensinar-nos, de alguma maneira.
Quando obteve o título de campeã mundial, em 2017, já tinha ganho o campeonato nacional sete vezes consecutivas. Com o Mundial sentiu que atingiu o auge?
2017 foi o meu ano perfeito, em que venci três campeonatos. O Nacional foi o primeiro título. Passado um mês foi o Europeu e depois, para acabar em beleza, o Mundial, que nunca acontecera em Portugal. Foi o primeiro título profissional de bodyboard em Portugal, quer na categoria masculina quer na feminina. Quando aconteceu, percebi: «Meu Deus, acabei de fazer aqui um bocadinho de história». E foi incrível a recompensa de tudo.
Joana a receber o prémio de campeã mundial, em 2017
Como foi receber do Presidente da República a medalha de Oficial da Ordem do Mérito, em 2019?
Não ligo muito a medalhas, mas na cerimónia no Palácio de Belém senti, de repente, como se alguém estivesse a dar o aval a todas as minhas escolhas. Foi muito gratificante.
Como é a sua preparação física?
Sou vegetariana há 26 anos. Não como carne, peixe ou marisco, por questões éticas. Tento comer de forma equilibrada: o máximo de legumes frescos, leguminosas, comida pouco processada. O que não quer dizer que não coma um doce ou beba uma cerveja. Gosto de saborear a vida. Faço Pilates uma a duas vezes por semana sem falta, porque me faz bem e ajuda a evitar e a tratar lesões. É uma preparação muito boa para a minha modalidade. E vou à água sempre que há ondas. É a minha prioridade absoluta.
«Não é necessário comermos proteína animal para sermos saudáveis. Basta termos uma alimentação equilibrada»
Ser vegetariana tem a ver com a proteção dos oceanos?
Foi muito antes de ter qualquer consciência. Deixei de comer carne e peixe quando tinha dez anos. Decidi que gostava tanto de animais que não fazia sentido comê-los. Disse à minha mãe, de um dia para o outro, decisão que aceitou com naturalidade. Para mim foi mais difícil, porque gostava do sabor da carne. Em miúda adorava frango assado e camarões. Mas quando decidi, nunca mais toquei. E também gosto de passar a mensagem de que não é necessário comermos proteína animal para sermos saudáveis. Basta termos uma alimentação equilibrada.
Como é a sua vida durante o ano? Como foi em 2023?
Espero que o calendário das competições saia e só a partir daí faço o meu plano. O circuito mundial ocupa grande parte do tempo. Passo muito tempo a viajar e, por causa disso, tenho amizades em todo o mundo. 2023 começou no Brasil, segui para o Chile, depois fui para as Maldivas. A seguir foi Portugal, África do Sul e a última seria em Marrocos, mas com o terramoto a prova foi cancelada. Para além disto, há ainda os circuitos europeus e nacionais que vou intercalando, conforme consigo encaixar as datas. E tenho todas as obrigações relacionadas com patrocinadores e outros projetos, vídeos, filmagens...
Joana prepara-se para os campeonatos nacional e mundial, «sendo que a prioridade é o Mundial»
Quais são os planos para 2024?
Continuar o que já estou a fazer. Vou fazer o circuito mundial e o nacional, sendo que a prioridade é o Mundial. E quero continuar com a Schenker School Tour, um projeto educativo em parceria com o Oceanário de Lisboa e a Fundação Azul, em que faço uma palestra de uma hora nas escolas. Partilho a minha experiência enquanto atleta e abordo a problemática ambiental. Dedico grande parte do meu tempo à conservação dos oceanos.
Sente que tem resultados com essas palestras?
O projeto tem três ou quatro anos e já vamos em quase 13.000 alunos impactados. Os miúdos estão atentos e conscientes. O que falta? Dar-lhes a sensação de poderem ter também um papel a desempenhar. Vou às escolas mostrar que todas as nossas ações têm consequências.
Tem alguma farmácia especial onde vá?
Há duas farmácias onde vou muito, a de Sagres e a de Vila do Bispo. Nesta última há uma farmacêutica que foi minha colega de turma. Em Sagres também conheço muito bem as pessoas. Gosto de entrar nos sítios, sorrir e saber que a pessoa que me atende já me conhece. É um sentimento de muita familiaridade.