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4 maio 2018
Texto de Sandra Costa Texto de Sandra Costa Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

Doce mel, doce Pinhel

​Uma visita ao que de melhor as Beiras têm para oferecer: paisagens, gastronomia, hospitalidade. ​
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​Quem conhece as Beiras guarda na memória os campos brancos de giestas, na Primavera, e o frio cortante, no Inverno. Os amplos espaços bravios salpicados de granito, pedras enormes que por vezes dão forma às casas. As mesas fartas e a genuína hospitalidade beirã, aquilo que a farmacêutica Ana Sofia Lopes mais aprecia na terra onde nasceu, Pinhel.

 
A visita começa em Cidadelhe, a que José Saramago chamou 'calcanhar do mundo', no livro “Viagem a Portugal”. A aldeia é a entrada sul do Vale do Côa e faz parte do Património Mundial classificado pela UNESCO, graças ao conjunto de gravuras e pinturas rupestres encontradas no Vale do Côa. Além dos vestígios paleolíticos, conserva sinais da ocupação pré-romana e ainda são visíveis as ruínas do Castelo dos Mouros.

 
Cidadelhe enquadra-se numa paisagem natural mantida em estado quase puro. No céu sobrevoam abutres, que nidificam nos penhascos circundantes, junto ao rio. Nos campos em redor passeiam-se garranos selvagens.

 

 
Cidadelhe enquadra-se numa paisagem natural mantida em estado quase puro

 
À medida que descemos do 'povo de cima' para o 'povo de baixo', a zona mais antiga da aldeia, sucedem-se pequenas casas de granito, a condizer com os muros que ladeiam a estrada. Gatos dormitam nos telhados, observados por cães atentos. O cacarejar das galinhas e os chocalhos das ovelhas são interrompidos pelo som amplificado do sino da Igreja Matriz, «mandada construir por um cidadão de grandes posses, após 1640, talvez como forma de agradecimento pela restauração da independência de Portugal», explica Ricardo Capelo, historiador do município de Pinhel.

 
Actualmente vivem de forma permanente em Cidadelhe 25 pessoas. Há 30 anos que não nasce ali uma criança. Os poucos habitantes idosos com quem nos cruzamos cumprimentam e metem conversa. «Eles sabem que o presente e o futuro de Cidadelhe passam muito pelo turismo, aproveitando o reconhecimento como Património Mundial», diz o historiador.

 
O turismo está a crescer na região, complementando as actividades económicas tradicionais, como a agricultura, a extracção de granito ou o artesanato. «Pinhel tem recebido muito turismo, graças também aos eventos que cá se realizam, e já começa a ter uma certa notoriedade», confirma Ana Sofia Lopes. A proprietária e directora-técnica da Farmácia Santos exemplifica com alguns projectos de turismo rural, caso da Quinta das Pias, decorada com mais de cem pias e mós de moinhos e do empreendimento Encostas do Côa, localizado numa aldeia próxima e que tem como ex-líbris uma casa na árvore, a seis metros de altura.

 

 
A Quinta de Pias está decorada com mais de cem pias e mós de moinhos

 
A família que gere o Encostas do Côa é ainda proprietária de um negócio de apicultura. O mel é um dos produtos típicos de Pinhel, a par do vinho, das amêndoas e do azeite. José Fernandes, um dos donos, conduz o velho jipe pelos caminhos enlameados para mostrar uma das produções apícolas que a família tem na região. É um negócio com 80 anos que nasceu quando o sogro, então menino de seis ou sete anos, «encontrou um enxame e conseguiu construir um cortiço e tirar de lá os primeiros favos de mel». Hoje a produção anual supera as 20 toneladas, comercializada com a marca Mel do Abel, em honra do sogro.

 
A visita prossegue na zona histórica de Pinhel, cuja praça principal exibe um pelourinho de gaiola do século XVI. Pinhel sempre teve um importante papel na defesa do território nacional, pela sua localização estratégica, numa zona elevada ladeada pelo rio Côa. Até ao final do século XIII, o rio marcava a fronteira com Espanha. As terras de Ribacôa, incluindo Figueira, Sabugal, Almeida, até Vilar Formoso, só foram integradas em Portugal em 1297, quando D. Dinis assinou o Tratado de Alcanizes com o rei de Leão e Castela. Como diz Ana Sofia Lopes, «Pinhel era a praça forte mais avançada do reino de Portugal. Do castelo ainda restam duas torres, parte da muralha e algumas das portas».

 

 
Centro histórico de Pinhel, com o pelourinho de gaiola do século XVI em destaque

 
A torre de menagem apresenta um curioso pormenor: num dos lados destaca-se uma esplêndida janela manuelina, decorada por um elefante e um leão, símbolos dos Descobrimentos. Do outro lado, virado para Espanha, na altura Leão e Castela, a torre é enfeitada por duas gárgulas em forma de rabo, um símbolo muito ofensivo na Idade Média.

 
No moderno Museu Municipal, localizado na Casa da Cultura, percorremos a história da região, das raízes paleolíticas aos nossos dias. O espaço surpreende pela linguagem museológica inovadora, uma proposta da Depa Architects, cujo arquitecto Mário Rui Sobral é natural de Pinhel. O mesmo atelier assinou a reabilitação da antiga casa onde funciona o bar-restaurante Entre Portas. A modernidade do espaço, em simbiose com as paredes de pedra e vigas de madeira originais, funciona como um espelho da gastronomia que oferece: um novo olhar sobre a tradição beirã.

 
 

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