Política de utilização de Cookies em Revista Saúda Este website utiliza cookies que asseguram funcionalidades para uma melhor navegação.
Ao continuar a navegar, está a concordar com a utilização de cookies e com os novos termos e condições de privacidade.
Aceitar
9 março 2020
Texto de Rita Leça Texto de Rita Leça Fotografia de Ricardo Castelo Fotografia de Ricardo Castelo

Do mar à montanha, da montanha ao monte

​​​​Nas margens do rio Paiva descobrimos uma região que há 500 milhões de anos estava debaixo de água.

Tags
Para quem visita Arouca, entre o Porto e Aveiro, é difícil imaginar que, em tempos, poderá ter estado submersa. «Há cerca de 500 milhões de anos, Arouca terá estado debaixo de água e perto do Polo Sul», conta-nos a geóloga Daniela Rocha, de olhos bem abertos, sabendo que, com estas palavras, nos deixa boquiabertos. Prova disso são os fósseis de animais marinhos encontrados na região, «alguns com mais de 30 centímetros de comprimento, algo raro para a ciência», sublinha.


A Cascata das Aguieiras é uma das mais impressionantes quedas de água da região

O tempo é capaz de mudar muito do mundo onde vivemos. Hoje, Arouca respira entre montanhas, vales e impressionantes quedas de água, a fazer-nos lembrar que o passado, apesar de longínquo, deixa sempre a sua marca. Uma das mais imponentes é a Cascata das Aguieiras. Desde o topo, na vizinha Alvarenga, a ribeira desce alegre os cerca de 160 metros até ao rio Paiva, aproveitando uma fractura natural na escarpa de granito que perpassa até chegar ao destino. «É o melhor caminho, de certeza. A Natureza escolhe sempre o caminho mais fácil», nota Daniela Rocha. Aqui, pode-se fazer canyoning e rafting.


A nutricionista Ana Helena Pinto conhece de cor os segredos de Arouca

Estamos nos famosos Passadiços do Paiva – um percurso de oito quilómetros que atrai milhares de pessoas todos os anos. «No Verão, duas filas enormes cruzam-se aqui. Uma para entrar, outra para sair», assinala Ana Helena Pinto, nutricionista e anfitriã da visita. 

Vale a pena descobrir os geosítios Vau, Gola do Salto e Falha da Espiunca. Na Garganta do Paiva, o rio aperta-se para passar por baixo da ponte de Alvarenga, tentando ultrapassar as rochas de granito, mais resistentes do que o xisto que as antecede, e o "estrangula".

«Podemos percorrer os passadiços em cada estação do ano e apreciar as mudanças do leito do rio, dos sons e das cores da vegetação», sublinha Ana Helena Pinto.

«Este património estava quase inacessível. Desde a inauguração, em 2015, os Passadiços do Paiva são um dos maiores motivos para sermos visitados», nota Daniela Rocha.

Mas não o único. Ao redor da vila percebe-se que Arouca tem terra fértil desde sempre. Há terrenos de cultivo e casas de gado. Ao longe, três ou quatro vacas. Ouve-se ovelhas e cabras.

Na avenida principal do centro da vila, o mosteiro, «o coração de Arouca», como Ana Helena Pinto o designa, é o reflexo da importância da vida religiosa e cultural na região – hoje manifestada, também, nos doces conventuais, cuja receita é, ainda, um segredo bem guardado.


D. Mafalda, neta de D. Afonso Henriques, é a padroeira do Mosteiro de Arouca, um dos mais importantes do país

Fundado há mais de mil anos, sempre teve grande influência. Foi um mosteiro de clausura feminino, gerido por D. Mafalda, neta de D. Afonso Henriques. «Ligado à nobreza, tinha muito poder. Por exemplo, era a abadessa que escolhia quem ocupava os cargos importantes da região, que dava as varas de poder​», sublinha o historiador Afonso Veiga. «Ao mesmo tempo, empregava e alimentava muitas famílias», acrescenta.

Hoje, parte do mosteiro prepara-se para se transformar num hotel. Prestes a sofrer remodelações está igualmente o Museu de Arte Sacra, um dos melhores da Península Ibérica. Os espaços mais notáveis são a igreja, o coro das freiras, os claustros, o cadeiral e a cozinha. Era nesta última que, à porta fechada, se confecionava a famosa doçaria.

Outra das riquezas de Arouca é a geologia: 41 pontos de interesse geológico (geossítios), ao longo dos 28 quilómetros quadrados que marcam o concelho, integram o património da UNESCO.


O Miradouro do Detrelo da Malhada, suspenso em grande altitude, permite contemplar a impressionante Natureza que marca a região

Basta subir à Serra da Freita, passar o parque eólico e chegar ao Miradouro do Detrelo da Malhada para ver a imensidão da Natureza. Neste miradouro suspenso é possível contemplar a Serra de Montemuro (onde a Pedra Posta assinala o ponto mais alto do concelho, a 1.222 metros de altitude), o Gerês, o Marão e, quando o céu está limpo, o Porto, Gaia e Aveiro. «A vegetação é rasteira, na maioria carqueja e urze que, na Primavera, ficam amarela e cor-de-rosa. Ao fundo, a Cascata Frecha da Mizarela e o Miradouro de S. Pedro Velho são locais imperdíveis», indica a geóloga Alexandra Paz.

A poucos quilómetros de distância, a subir, fica o miradouro 360º do Radar Meteorológico. É um dos três que existem no país (além de Lisboa e Loulé) e serve de apoio ao sector da aeronáutica.

Do céu para o interior da terra, Arouca foi também um dos bastidores sombrios da II Guerra Mundial. «Deixaram o cultivo das terras e foram para as minas de volfrâmio. Muitos, de picareta em punho, ficaram ricos», conta-nos Daniela Rocha. As duas maiores concessões estavam nas mãos dos ingleses (Regoufe) e dos alemães (Rio Frades). A região desenvolveu-se com a construção de estradas e implementação dos primeiros telefones, por exemplo. Mas foi sol de pouca dura e, hoje, Arouca vira-se para outra riqueza: as tradições, a agricultura, o gado, a gastronomia, a cultura, a diversidade geológica e o turismo de Natureza.

O Arouca Geopark, que corresponde a toda a área do concelho, é o grande dinamizador. Presidido pela autarquia, a estratégia é de desenvolvimento territorial em todos os sectores de actividade e integra dezenas de empresas locais. «Nota-se muito a evolução. As parcerias aproximaram as pessoas. Há muitas que não querem sair de Arouca, outras voltaram e há quem crie o seu próprio negócio», resume Alexandra Paz, acostumada ao vaivém dos colegas de escola, à procura de uma vida melhor.

O lema é: “Produzir local, consumir local”, como se lê à entrada do Arouca Agrícola, o mercado com os produtos da região, a maioria de pequenos produtores. «Os produtos são locais, sazonais e alguns biológicos. Facilita o acesso ao que a Natureza cultivada nos dá em cada altura do ano», explica Ana Helena Pinto, também ela envolvida na missão de promover o que de melhor se faz, em especial na alimentação.


Exemplos da doçaria conventual: roscas, pedras parideiras e morcelas doces

«A vitela arouquesa é a grande estrela da nossa gastronomia. Mas, às vezes, os outros produtos servidos nos restaurantes não são locais», diz a nutricionista, para nos contar o que é o GeoFood, cujo objectivo é inverter esta tendência para «não deixar morrer a base agrícola do concelho».

«As hortícolas, os tubérculos, as leguminosas e frutas servidos também nos restaurantes resultam em menus de valor identitário único que queremos cuidar e promover», conclui Ana Helena Pinto. 

 

Notícias relacionadas
Galerias relacionadas