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31 março 2022
Texto de Sónia Balasteiro Texto de Sónia Balasteiro Fotografia de Miguel Ribeiro Fernandes Fotografia de Miguel Ribeiro Fernandes Vídeo de João Lopes Vídeo de João Lopes

«Devíamos ser preparados para ser velhos»

​​​Entrevista a Rui Veloso.​​​

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​O seu primeiro instrumento foi a harmónica. Como se dá o encontro com a música?
Como tudo. Havia lá em casa, o meu pai tinha uma e comecei a tocar naturalmente. Peguei nela e toquei. Ainda não sabia música, era muito miúdo. Tinha seis anos ou coisa assim. Durante uns anos, não liguei muito àquilo. Depois, quando comecei a ouvir os blues, comprei uma harmónica de blues, uma Marine Band, diferente da inicial. Foi como a guitarra. Também havia lá a viola, essa [aponta para a guitarra pousada no sofá do seu estúdio, na Tapada de Vale de Lobos, Sintra], e peguei nela. Ali aprendi a tocar, aos pouquinhos.

Tinha 15 anos, não era?
Sim, por aí. Aos 15 comecei a pegar, mas ainda ando a aprender. Isto é uma aprendizagem contínua, que fica mais lenta a partir de uma certa altura. Agora já não evoluo muita coisa. Só se trabalhar muitas horas por dia, como na altura, e não é o caso [risos].

Passava muito tempo na cave dos seus pais [em Lordelo do Ouro, Porto]?
Era o dia inteiro. Dez horas, à vontade, todos os dias. Era um vício. A partir do momento em que comecei a descobrir coisas, era constante. Havia sempre uma necessidade de descobrir mais num instrumento, na voz, depois na composição. Quando descobri que fazia umas canções, aí então havia uma necessidade de libertar cá de dentro coisas, e fui fazendo. Ainda hoje faço, ainda hoje faço [dedilha]. Pego numa guitarra e, se estiver um tempo à volta dela, faço uma música, mesmo sem letra. No piano, eventualmente, a mesma coisa. Se estiver um bocado a explorar, mais tarde ou mais cedo acaba por sair uma canção. Hoje já fiz uma. Estava a experimentar uma guitarra que me chegou aí para uma amiga e saiu uma coisa.

Esse é o seu dia a dia?
Não, não estou para isso todos os dias. Neste caso, experimentar a guitarra levou-me para um certo sítio e saiu uma coisa. Elas saem, elas saem.


Rui Veloso vive, cria, toca e descobre novos sons no seu estúdio, em Sintra

A música continua a ser uma necessidade.
Sei lá se é um vício, não sei. Sei que sou meio feito de música. A outra metade é o resto. Mas a música é claramente um elemento que vive comigo 24 horas por dia, é terrível.

Terrível?
Eu, às vezes, gostava de ser como as outras pessoas, não ter isso sempre na minha vida, 24 horas. Uma pessoa está constantemente a ouvir sons, a tentar destrinçar sons disto e daquilo. Para mim, tudo são sons. O ranger duma porta é uma nota musical. São coisas estranhas [risos].

Daí fazer parte da paisagem emocional, musical, de todos nós.
Isso não sou eu! Há uma grande diferença entre mim e a música que vocês ouvem. São completamente diferentes! Aquilo era eu, fui eu a fazer, mas eu não sou aquela pessoa que vocês ouvem.

Em que momento a sua música deixa de ser do Rui e se torna nossa?
Só quando decido mostrá-la. A música é minha, como autor. Tenho o gozo de viver o momento de a fazer, mais ninguém vê isso. É uma atividade muito solitária. Esse é o gozo, digamos, supremo: uma pessoa, do nada, ver aparecer uma coisa que não existia antes. Depois há o processo de fazer os arranjos, e gravar e tal. E isso já é meio caminho para a música deixar de ser minha e passar a ser das pessoas. Aí já tem vida própria.


2022 é o grande ano dos palcos. Rui Veloso passa a maior parte do tempo a ensaiar com o seu trio

Trabalhou muitos anos com Carlos Tê, esteve e participa noutros projetos. É menos solitário criar assim?
Não. Era solitário na mesma porque ele dava-me as letras e eu depois fazia as músicas em casa, sozinho. É sempre aquele momento de isolamento, de concentração, de puxar pelo fio a ver se do outro lado está alguma coisa.

E está sempre?
Não está sempre, mas tenho relativa facilidade em fazer canções, não mais. Tenho qualquer coisa cá dentro que faz os acordes virem uns atrás dos outros e tal, e a melodia aparecer depois também.

Em que está a trabalhar agora?
Nada de especial, estou a fazer ensaios. Tenho um trio. Temos muitos concertos, felizmente, até ao fim do ano. Ainda estão a surgir. Estou bastante ocupado. E vou compondo. Tenho aí coisas em vista.

Há novidades para breve?
Para já, só ideias, nada de concreto. Vou tendo bastante trabalho com os concertos. Depois tenho aulas de voz, fisioterapia, treinos. E tenho outras coisas, musicalmente falando, mas ainda estão em embrião. Talvez um dia destes se oiça uma coisa nova, quem sabe.


O músico ainda compõe com a sua primeira guitarra

Em 2022, celebra 65 anos de idade e quatro décadas de carreira. Como é que se mantém em forma?
Não faço grande coisa. Vou comendo e bebendo, respirando. Claro, faço um bocadinho de exercício. Não muito, porque pode fazer mal [risos]. Nada de especial.

Assusta-o a passagem do tempo?
Quer dizer, nós não fomos avisados. Ninguém está avisado, nem há nenhum curso para explicar que um gajo ir para velho não é uma coisa muito interessante. Devia haver cursos, como com as grávidas para serem mães. Devíamos ter sido preparados para ser velhos, porque é uma grande chatice uma pessoa saber que não vai conseguir fazer uma série de coisas.

A música ajuda?
A mim ajuda, nisso sou um privilegiado. Muitos não fazem nada, só veem passar o tempo. Eu tenho a guitarra, o piano e pronto. Música e livros, a melhor coisa. E viajar, enquanto se pode. Viajar é ótimo. Vou sempre que posso. Há dois anos que não o faço, mas este ano vou para Moçambique, passear, passear, passear, aproveitar. Também vou a França. Em Moçambique, vão ser mesmo férias. De resto, viagens curtas em Portugal, ao Alentejo, Douro, Minho. Aproveitar a gastronomia portuguesa, enquanto esta praga de chefs não chega a esses sítios. Já está a chegar.

«Viajar é ótimo, vou sempre que posso. Este ano vou para Moçambiuqe passear, passear, passear, aproveitar!»

A pandemia tem sido dura para todos. Como é que a passou?
Penso que a maioria das pessoas ficou em est​ado de pré-loucura. Eu tenho a música, e agora temos as séries e os livros. E tenho este espaço aqui, estou no campo. Não estou propriamente no stresse da cidade, de ter de ir para filas para isto e para aquilo. Passei relativamente bem. Ainda por cima​​, vivo sozinho. Ninguém me chateia, estou ótimo. Na pandemia, as pessoas dentro de casa sempre, 24 horas, deve ter dado para o torto em muitos sítios. Eu não tive problema nenhum. No stress [risos].

 

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