Madalena Gonçalves não esconde o entusiasmo com a perspetiva de receber uma bomba de insulina de última geração. A jovem de 22 anos, diagnosticada com diabetes tipo 1 aos seis, é uma das 15 mil pessoas elegíveis para o programa de acesso universal ao tratamento que o Ministério da Saúde planeia fazer arrancar ainda este ano. Os novos dispositivos permitem controlar de forma mais segura a diabetes, ao disporem de sensores que “leem” em permanência os níveis de glicemia no organismo, ajustando automaticamente a insulina a administrar. «As novas bombas vão fazer toda a diferença no controlo da diabetes, especialmente nas situações inesperadas», conta Madalena, e exemplifica: «Quando eu corro para apanhar o autocarro (uma atividade física inesperada), os valores da glicemia descem, mas a bomba corrige automaticamente e previne uma situação de hipoglicemia». Da mesma forma, previne picos de hiperglicemia provocados por emoções como ansiedade, nervosismo ou adrenalina.
O programa também prevê facilitar o acesso aos novos dispositivos, o que poderá incluir a rede de farmácias a nível nacional. Madalena levanta mensalmente os consumíveis de que necessita para a sua atual bomba nas instalações da APDP ― Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal, em Lisboa. Como vive na margem Sul do Tejo, a deslocação não é um problema, mas esta não é a realidade de muita gente. «Ter acesso à bomba e aos consumíveis numa farmácia seria muito prático, pois nem toda a gente tem facilidade de ir a Lisboa todos os meses», defende.
Madalena usufrui de uma bomba desde os nove anos, depois de três a usar canetas de insulina. A aquisição da bomba, em 2010, custou aos pais quase 5.000 euros, para além de uma mensalidade superior a 100 euros pelos consumíveis, que se prolongou por nove anos. Só em 2019 o tratamento se tornou gratuito, com a integração da jovem no programa para tratamento com bomba de insulina. O programa de acesso aos novos dispositivos automáticos, a implementar até 2026, é mais um passo na melhoria das condições de vida das pessoas com diabetes tipo 1.
Por comparação com as canetas, as bombas de insulina vieram tornar a gestão da diabetes mais fácil, segura e, também importante, mais discreta. «Deixou de ser necessário levantar a camisola no meio do restaurante e espetar uma coisa na barriga, algo que as pessoas podem interpretar como indelicado ou negativo». Madalena nunca se sentiu discriminada na infância por ter diabetes, mas, na adolescência, a doença começou a «pesar como um fardo». «A partir dos 14 anos, comecei a rejeitar a diabetes, estava farta», confessa. Hoje, sabe que foi injusta, em especial com os pais, mas naqueles anos difíceis irritava-a a preocupação insistente da mãe, a obrigação de trocar os cateteres e cumprir os rituais da medição dos valores da glicemia, a curiosidade dos estranhos que queriam saber que máquina era aquela que transportava à cintura.

O programa de acesso às bombas de insulina de última geração, a implementar até 2026, é mais um passo na melhoria das condições de vida das pessoas com diabetes tipo 1
A participação num campo de férias da APDP, aos 17 anos, foi o primeiro passo para aceitar a diabetes. «O ambiente de partilha de experiências fez-me sentir que não estava sozinha», recorda, e progressivamente foi fazendo as pazes com a doença. Foi importante contar com o apoio dos pais, ambos profissionais de saúde, e também com a equipa de pediatria da APDP, os amigos e, mais tarde, o namorado. «A diabetes tornou-se uma companheira de vida, que estará sempre comigo, mas nunca me impediu de fazer absolutamente nada», assume hoje. Aos 18 anos, foi estudar Línguas e Comunicação Intercultural no Algarve. Foram «três anos fantásticos», relembra. Em setembro vai iniciar o mestrado em Comunicação Estratégica, em Lisboa. Adora ler, ver séries, fazer desporto.
Há um ano, tornou-se ativista: quer ajudar quem precisa entre a comunidade diabética e desmistificar os preconceitos relacionados com a doença. Tudo começou com a participação no primeiro programa de liderança em diabetes, criado pela APDP. «Aprendi imenso e senti aquele bichinho de ajudar os outros», conta. Em junho, participou num campo de férias promovido pela IDF – International Diabetes Federation, na Bulgária. Conheceu outras histórias e realidades, e descobriu que a diabetes não muda de país para país, mas as oportunidades no tratamento da doença sim. «Foi uma semana muito produtiva, em que cresci aos níveis pessoal, emocional e intelectual». Do encontro europeu nasceu o projeto de criar um podcast, com vários episódios, em que os jovens partilham as suas experiências com a diabetes. «Queremos ajudar as pessoas a não se sentirem sozinhas e incompreendidas, como eu me senti na adolescência», afirma.

As bombas de insulina vieram tornar a gestão da diabetes mais fácil, segura e discreta
Compreender as dificuldades dos adolescentes em enfrentar a diabetes é meio caminho andado para ajudá-los a ultrapassar situações de negação e evitar comportamentos de risco. «A diabetes não tratada é muito perigosa, mas é possível ter uma vida completamente normal com pequenas atenções: fazer a insulina, ver as glicemias e comer quando precisamos», explica a jovem, que agora já não precisa de esconder a doença. Antes pelo contrário, gosta de explicar que «é uma coisa normal que acontece a muitas pessoas».
Também quer ajudar a desconstruir preconceitos que estão na origem dos «péssimos comentários que as pessoas com diabetes têm de ouvir ao longo da vida»: «tens diabetes porque comeste muitos doces em criança», «tens diabetes porque tens uma alimentação pouco saudável», «se tens diabetes, não podes comer açúcar». Depois da revolta e da pacificação, Madalena sente-se gratificada por poder ajudar os outros. «Sinto que posso fazer a diferença na vida das pessoas e tornar mais leve a sua experiência com a diabetes».