Política de utilização de Cookies em Revista Saúda Este website utiliza cookies que asseguram funcionalidades para uma melhor navegação.
Ao continuar a navegar, está a concordar com a utilização de cookies e com os novos termos e condições de privacidade.
Aceitar
29 dezembro 2022
Texto de Irina Fernandes Texto de Irina Fernandes Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro Vídeo de João Lopes Vídeo de João Lopes

Coração Valente

​​​​​​​Aos dois meses de vida, Dinis Coelho sobreviveu a um problema numa artéria coronária. Aos 18 anos, é um exemplo de vitalidade.​

Tags

A bola rola veloz, a cada movimento de pé. Dinis, rapaz de corpo esguio e trato delicado, move-se, em quadra, com perícia de jogador profissional.


Mãe e filho sabem que, devido à condição de saúde de Dinis, não haverá atleta nem estrela de futsal na família, mas, nem por isso, se demitem de sonhar e viver.«Quem, como nós, passa pela luta da vida o que mais deseja é uma vida normal. Tudo o que se quer é viver hoje. Amanhã logo se vê».

O olhar felino de mãe fê-la perceber, logo aos primeiros dias, que Dinis «não estava bem», a cada hora que passava revelava-se «um bebé diferente dos outros». Dormia e comia mal.«Eu precisava que ele não chorasse, e sabem porquê? Porque se chorasse já não conseguia comer. Corriam-lhe tiras de suor pelo rosto, de tão cansado que ficava», conta a empresária de 48 anos.


Dinis conta com o amor e apoio incondicional da mãe, Maria João Coelho

Uma ida ao centro de saúde, para cumprir o plano de vacinação, confirmou os piores receios da mãe: Dinis, então com dois meses de vida, não estava bem de saúde.

Enfermeira de serviço nesse dia, Fátima Baião observou Dinis, ouviu as inquietações de Maria João e, logo ali, recomendou que o bebé fosse visto por uma médica. «Sou profundamente grata à enfermeira, ela foi a única pessoa que me valorizou», conta a mãe, emocionada.

A 14 de julho de 2004, Dinis deu entrada no Hospital Dona Estefânia, em Lisboa. Seria o primeiro dia de um internamento que acabaria por prolongar-se quase dois meses. «Assim que a médica o auscultou, a sala parou. Em segundos, ouvi-a dar instruções à equipa», recorda Maria João.

Às 1h00 foi transferido para o Hospital de Santa Marta, Lisboa. Um cardiologista pediátrico, «após fazer-lhe um ecocardiograma que parecia não ter fim», confirmou o diagnóstico: Dinis tinha uma artéria coronária anómala. O coração estava «muito dilatado».«Parte do coração entrou em isquemia [fluxo de sangue e de oxigénio inadequado]. Informaram-nos de que o iam operar, mas que corria um grande risco de vida», lembra Maria João, não conseguindo travar as lágrimas.

A cirurgia de correção da coronária acabou por ser um sucesso. Porém, as semanas seguintes foram vividas com altos e baixos. Entre outros episódios clínicos, Dinis fez «uma septicemia gravíssima, tendo os médicos recorrido a alimentação parentérica» [por via endovenosa]. O dia 13 de agosto ficou marcado pela revelação de que havia nascido não um bebé qualquer, mas um lutador inabalável. «Com os próprios braços, como que em busca da sua liberdade, arrancou o fio do ventilador» ao qual estava ligado.

Nunca mais voltaria a usá-lo, «assim o terá designado Nossa Senhora de Fátima. A minha mãe era uma pessoa de muita fé e eu também sou... Nessa altura, ela mobilizou todas as pessoas da nossa aldeia [Enxara dos Cavaleiros, no município de Mafra], a rezar o terço. Todos os dias ela pedia a Nossa Senhora de Fátima para que o neto melhorasse».

As súplicas de pais, família e vizinhos foram ouvidas. Aos 18 anos, Dinis Coelho irradia vida, energia e alegria. De menino a jovem, cresceu sem percalços de saúde. Filho amado, foi sempre incentivado a voar. Sem limites.«Nunca ninguém me disse que não podia fazer o que quer que fosse por causa do meu problema de saúde», afiança Dinis.

Apenas a cicatriz, que traz ao peito, evoca a Dinis a luta travada no passado. «Nunca senti medo de que algo me acontecesse, para mim é um problema ultrapassado, que não voltará».

Já Maria João confidencia que o medo de que algo de grave pudesse repetir-se «esteve sempre lá». Nem ela nem o marido Mário, de 49 anos, permitiram que esse sentimento transparecesse e atemorizasse, o filho.

Dos primeiros passos de bebé às primeiras voltas de carro, agora com as mãos no volante ― tirou recentemente a carta de condução ― Dinis foi incentivado a arriscar e a levar a vida em frente. «O mais importante, para nós, não é que ele consiga correr cem metros, mas sim que foi capaz de correr cinquenta. Há certas coisas em que ele se cansa um pouco mais, mas nunca foi impedido de fazer nada», atesta a mãe.

Dinis é imparável no dia a dia. A frequentar o curso superior de Engenharia Química, em Lisboa, o jovem desdobra-se durante a semana em viagens de autocarro entre a capital e a aldeia onde vive. Às terças-feiras, pelas 20h30, exibe-se em quadra no pavilhão desportivo do Milharado, e às quintas-feiras num outro, na Venda do Pinheiro. É um jogador de futsal exemplar, assegura o treinador Miguel Cardoso, de 20 anos. «Ele é uma máquina dentro da quadra! Orgulha qualquer treinador. E, para todos aqueles que conhecem a sua história de vida, é um exemplo», elogia.


A frequentar o curso de engenharia química, Dinis concilia os estudos com a prática de futsal

Jogar futsal é algo de que gosta muito, conta, pois a prática deste desporto ajuda-o «a descontrair e a esquecer quando algo não corre tão bem».Desde pequeno, experimentou várias modalidades, entre outras, basquetebol, equitação e natação. «O meu marido e eu sempre o incentivámos. O importante é experimentar».

Dinis não nasceu num dia qualquer. Deu-se a conhecer a 13 de maio de 2004, num hospital de Lisboa. «Esse é o Dia de Nossa Senhora de Fátima», lembra Maria João. A progenitora acredita que a história de Dinis foi «um milagre».«A Nossa Senhora protegeu-nos, e tivemos muita sorte na equipa médica, que foi fantástica».

 


Desde que foi operado, Dinis faz medicação diária. Cumpre, agora, uma consulta anual de cardiologia. Aprendeu a ouvir e a respeitar o corpo, ou não fosse ele rapaz das ciências.«Nunca estiquei a corda, precisamente para não a partir».

Menino-homem com sede de mundo, sabe como ninguém que, na dança da vida, nada mais importa do que... o bater do coração.

Notícias relacionadas