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6 setembro 2021
Texto de Paulo Martins Texto de Paulo Martins Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

Colecção-19

​​​​​​​​Peças sobre a pandemia já dão para uma exposição.​

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Não foi tiro e queda, mas bem poderia ter sido. Museu de saúde que se preza trata da sua própria imunização, acautelando o impacto de qualquer vírus. Todavia, o Museu da Farmácia adoptou a estratégia contrária, oferecendo abertamente o peito às balas. Dito de outra forma: desde que a pandemia soltou as garras, não parou de receber peças relacionadas com a COVID-19. A mais recente foi a vacina Sputnik V, doada pela Federação Russa através da sua embaixada em Lisboa, na dupla dose em avaliação pela Agência Europeia de Medicamentos.​


​A vacina Sputnik V, doada pela Federação Russa

Tratou-se da concretização de mais uma aposta de «diplomacia cultural», como lhe chama o director do museu. Formulou o pedido há quase um ano, logo a seguir ao momento em que Vladimir Putin puxou dos galões, tornando pública a iniciativa pioneira de aprovar uma vacina contra a doença. Claro que estava em causa uma mistura de descoberta científica com afirmação política no plano internacional, mas essa não era para João Neto a questão mais relevante. «Tínhamos de ter aquela vacina; não podíamos falhar», afirmou na cerimónia de oficialização da entrega. As vacinas recebidas são amostras que ultrapassaram o prazo de validade, mas a importância da oferta muda a circunstância. «Esta é uma peça com prazo», salientou João Neto, ao lado de Vladimir Iaroschevskii, conselheiro cultural da representação diplomática de Moscovo em Lisboa, que fez questão de enaltecer a Sputnik V como «resultado do trabalho dos nossos cientistas e médicos».


Os medicamentos da estação orbital russa Mir também fazem parte do espólio do museu

Não é a primeira vez que o Museu da Farmácia estabelece laços com instituições da Rússia para assegurar o enriquecimento do espólio. Em 2004, já a Guerra Fria passara para os livros de história, conseguiu obter medicamentos da estação orbital Mir e do sector russo da estação espacial internacional, na sequência de insistentes contactos com a Academia de Ciências daquele país. Na altura, João Neto jogou habilmente com rivalidades entre as potências dominantes, uma vez que a norte-americana NASA doara, três anos antes, os kits de farmácia do Space Shuttle Endeavour.

A recolha de peças associadas à pandemia de COVID-19 tornou-se uma estratégia de tal modo assumida que já está nos planos a realização de uma exposição e, até, a abertura de uma nova ala do museu para as acolher. Desde que a doença começou a atormentar o mundo, doaram peças diversas instituições, desde o Instituto Gulbenkian de Ciência à Fundação Champalimaud, passando pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge. Além de particulares, como a jornalista Rosário Salgueiro, que ainda na primeira vaga da pandemia ofereceu gel produzido por um farmacêutico português emigrado em França, onde então exercia funções de correspondente da RTP. Neste domínio, não contam o tamanho das peças nem o seu valor monetário; conta – e muito! – o simbolismo.


Frasco da primeira vacina administrada a um português 


Radiografia do primeiro farmacêutico que contraiu COVID-19

Tanto significado tem o frasquinho da primeira vacina administrada a um português como a radiografia do primeiro farmacêutico que entre nós contraiu a COVID-19, ou o primeiro cartune de Vasco Gargalo sobre o tema. Tão válido é um exemplar do ventilador «made in Portugal» como a máscara confeccionada por uma vizinha do jornalista Bento Rodrigues, que fez questão de a apresentar na SIC. A capa do Diário de Notícias, aludindo ao primeiro caso em Portugal, detectado no Hospital de São João, no Porto, ou a amostra que lhe diz respeito.


Os desenhos de Marli Lopo Vitorino, enfermeira que combate a COVID-19 no Hospital de Santa Maria, em Lisboa

«É um puzzle que vai sendo continuamente alimentado», descreve João Neto, convicto de que o Museu da Farmácia é o único no mundo que começou logo em Março de 2020 a recolher peças de algum modo associadas à COVID-19. Afinal, um museu «não serve para preencher quadros de Excel, mas para transmitir aos visitantes emoções e estórias». Pressente-se que o director também se emocionou com os dois desenhos doados por Marli Lopo Vitorino. Enfermeira no Santa Maria, autora do livro “O outro lado da pandemia: O que se vive para lá dos Cuidados Intensivos”, produziu-os com o objectivo de libertar a tensão acumulada na fase mais complexa da luta travada para debelar a doença. 
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