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14 outubro 2019
Texto de Maria Jorge Costa Texto de Maria Jorge Costa Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

«A situação é dramática»

​​​​​​Presidente do Conselho Científico do ISBE alerta para a urgência de um quadro transparente, com base científica, para as decisões políticas em Saúde. 

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REVISTA FARMÁCIA PORTUGUESA: Acredita no Serviço Nacional de Saúde (SNS)?
ANTÓNIO VAZ CARNEIRO: Como é possível não acreditar? Claro que sim.

O SNS faz 40 anos. Acredita que pode continuar nos mesmo moldes, ou tem de evoluir para um caminho diferente? 
Tem, tem. Em primeiro lugar, o SNS é um caso de sucesso espectacular. É preciso que as pessoas percebam isso. A qualidade intrínseca do sistema não é equivalente às experiências individuais que possamos ter. A grande maioria das pessoas tem experiências muito positivas. Só ouvimos falar nas negativas, é normal. Se formos objectivos e olharmos para as métricas de avaliação objectiva de um serviço de saúde, então o nosso comporta-se muito bem. Na maioria dos indicadores, estamos acima da média da União Europeia, e as pessoas não têm essa noção. Nalguns indicadores estamos pior, mas clinicamente não têm tanto significado como isso. Quando olho para os gráficos dos 36 países da OCDE, verifico que Portugal está sempre ao pé da média. Em alguns indicadores está bastante melhor, noutros ligeiramente pior, mas nunca está muito mal. O que é notável, porque na relação entre o PIB e a despesa em Saúde somos quem menos gasta em Saúde. Qual é a mensagem aqui?  Fazemos muito com muito pouco.


«Fico sempre perturbado quando defendem aumento de investimento sem critério»

Não faz falta uma injecção de dinheiro para melhorar o SNS, seja em infra-estruturas ou em recursos humanos? 
Sim, desde que saibamos exactamente para que é o dinheiro. Fico sempre um pouco perturbado quando as pessoas defendem o aumento de investimento sem critério. Existe a ideia de que quanto mais dinheiro se meter no SNS melhor são os resultados. Os estudos que temos contradizem cruelmente esta hipótese.  Numa fase inicial dos cuidados, quanto mais investimento fizer, melhor é a qualidade. Mas chego a um ponto, variável, em que metendo mais dinheiro já não retiro qualquer vantagem qualitativa. E, o que é ainda mais interessante, se continuar agressivamente a injectar dinheiro, os resultados pioram. Por isso, quando me falam em meter mais dinheiro, pergunto sempre em que ponto da curva estão. Se for na curva ascendente, eu direi que é uma boa ideia. Se já for na curva horizontal eu diria: parem, vamos pensar duas vezes.

Mais dinheiro pode significar pior Saúde? 
Na ponta do superinvestimento em Saúde, os resultados são maus: os doentes não gostam, os médicos não gostam, o sistema não gosta. Os hospitais de ponta americanos fazem coisas raras para doentes específicos. A maior parte das pessoas não quer ser submetida àquela agressividade terapêutica. Ela existe, porque na América a Saúde é um negócio.

Em Portugal, nos 40 anos do SNS, tem-se discutido muito o modelo, mais público ou mais privado… 
Neste momento, olhando para a situação em Portugal, a razão porque deve haver um sistema misto é porque o SNS não poderia responder àquilo a que os privados respondem neste momento. Eu não tenho estados de alma. A grande questão para mim é a qualidade.


«Os estudos demonstram que doentes e profissionais estão mais satisfeitos nos hospitais privados. Falta é medir a qualidade dos actos clínicos de públicos e privados»

E sobre isso, o que nos dizem os estudos? 
Há algum tempo que não olho para isso, mas tanto quanto eu me lembro, se fosse comparar um hospital como o Hospital de Santa Maria [HSM] com o Hospital da Luz, que está a um quilómetro em linha recta, o que é que eu iria obter? Em primeiro lugar, os doentes do hospital privado estão mais satisfeitos, habitualmente. Estamos a falar em médias. O hotel é melhor, a maneira como eles são tratados é melhor, a experiência, sendo uma experiência dolorosa, é menos dolorosa. Quem já esteve internado sabe que é uma experiência profundamente dolorosa. Pequenos pormenores fazem toda a diferença. Um hospital que cheira bem é um hospital que faz toda a diferença para os doentes. Em segundo lugar, os profissionais estão consistentemente bem mais satisfeitos no sistema privado do que no sistema público. Todos os profissionais: médicos, enfermeiros, farmacêuticos, não interessa. Os estudos assim o demonstram. Estão mais consistentemente satisfeitos. Quando comparo os custos, o privado é consistentemente muito mais barato que o público. Sabemos porquê, sabemos como é a estrutura de custos de um hospital público. Sabemos isso, tudo bem. Mas se formos objectivos não podemos escamotear essa realidade. Aquilo que me falta é uma comparação directa da qualidade. O que acontece em doentes semelhantes, tratados em dois sítios diferentes? Eu gostava de ver a diferença. 

Onde obtemos melhor qualidade clínica? 
Não lhe sei responder a essa pergunta, não tenho estudos comparativos.

Qual é a sua intuição?
Eu preferia não lha dar, mas a minha intuição diz-me que provavelmente não há muitas diferenças. Gostaria de ter dados objectivos sobre qualidade, para poder recomendar aos meus concidadãos, quando têm um determinado problema, irem para este hospital, aquele ou aqueloutro. Estou convencido que há certas coisas que se fazem melhor aqui [HSM, onde decorreu a entrevista], mas também há coisas que se fazem melhor no hospital privado do que aqui. Os hospitais privados têm hoje um nível de risco de base muito elevado, deixaram de ser aquela coisa da casa de saúde, que nós em tempo conhecíamos. Os doentes que  lá estão são doentes a sério. Portanto, eu simpatizo com a oferta variada de serviços.

Defende um sistema misto? 
Neste momento, a iniciativa privada faz um trabalho que mais ninguém consegue fazer. É impensável que de repente se fechasse toda a actividade privada. Isso era um descalabro total. Nesse sentido, agrada-me que haja um sistema misto. Mas gostaria muito de ter dados sobre a qualidade.

Estudar isso é um bom desafio para o novo Instituto de Saúde Baseada na Evidência (ISBE). 
Não. É um desafio para as pessoas que são responsáveis, quer do hospital público, quer do hospital privado, nos darem acesso aos dados. A dúvida aqui é saber se eles vão fazer isso ou não. 

Será assim tão difícil? 
Nós mostraremos a metodologia, mas têm de confiar em nós. Porque se não confiarem, mais uma vez lá estarão a interpretar tudo politicamente, quando não é! Nós temos áreas de excelência nos serviços públicos, fantásticas, Nós temos esses dados... Mas não quer dizer que tenha alguma ideia pré-concebida. Não tenho estados de alma. Os serviços que prestarem melhores cuidados são aqueles que eu defenderei.



E as farmácias, acha que podem prestar serviços de prevenção e promoção da saúde e bem-estar? 
Eu não “acho” nada, há "N" estudos que indicam isso. E são estudos bem feitos. É interessante, porque as farmácias estão a viver uma nova era. Até há vinte anos, eram um lugar onde se ia comprar medicamentos. Depois, assumiram um papel clínico, de prevenção e promoção de estilos de vida. E agora estamos a atingir outro nível, a meu ver muito mais interessante, com a disponibilização de terapêuticas muito sofisticadas a nível da farmácia: para o VIH-sida e a seguir serão os medicamentos oncológicos. Isso vai transformar a face das farmácias. As farmácias nunca mais serão as mesmas. Aquelas que estiverem disponíveis para adquirir o “know how” necessário para dispensar esses medicamentos e a seguir clinicamente esses doentes, terão de elevar o seu nível profissional, de conhecimento e especialização. Vão deixar de ser farmácias clássicas.

Como vê essa evolução, designadamente nos territórios do Interior, onde muitas vezes as farmácias são o único serviço de saúde? 
Vejo isso com muito bons olhos. As farmácias souberam organizar-se muito bem e têm uma rede única no país. Não há nada que se possa comparar às farmácias. Houve uma altura em que se pretendeu comparar as farmácias com os cuidados primários. Erro colossal. São completamente diferentes, quer em complexidade, quer no funcionamento. A rede de farmácias pode, e já está a fazê-lo, mas deve ser cada vez mais responsabilizada pela cobertura clínica nos locais onde não há mais nada. Eu não tenho grande necessidade de uma farmácia a fazer isso na Avenida de Roma, em Lisboa, porque num raio de dois quilómetros tenho cinco ou seis hospitais. Coisa diferente é eu ter uma farmácia performativa, com pessoas altamente competentes, em Penamacor.

Sempre que há um novo serviço, os farmacêuticos fazem formação, como aconteceu na dispensa de anti-retrovirais e de produtos de ostomia… 
As farmácias estão a fazer um esforço de sofisticação e diferenciação do seu trabalho, que acompanho com muito interesse. No CEMBE [Centro de Estudos de Medicina Baseados na Evidência], temos feito alguns estudos sobre o impacto económico disso e os resultados são muito interessantes. Demonstram consistentemente que os doentes ficam muito satisfitos, os profissionais também e a adesão à terapêutica sobe.

E os resultados em saúde? 
Já fizemos alguns estudos originais, mas precisamos de mais dados, temos de fazer mais estudos. Os dados que temos são muito preliminares, mas sugerem que esta é uma boa ideia. Assim as farmácias, ao aceitar este desafio, sejam capazes de se transformarem para desempenhar esse serviço, que é muito sofisticado.

Concorda com a remuneração de serviços farmacêuticos? 
Desconheço a estrutura de remuneração das farmácias em pormenor, mas parece-me que quem trabalha tem de ser remunerado. Se for um trabalho clínico, tem de ser remunerado. Directa ou indirectamente, como quiserem.


«Procuro inculcar nas pessoas o maior profissionalismo possível. Nós temos um dever para com a sociedade, que financia o nosso trabalho»

Se fosse político e tivesse de definir uma política de Saúde a dez anos para Portugal, por onde começaria? 
Eu não sou político, não conheço a parte íntima da decisão política, mas posso responder-lhe. Em primeiro lugar, com a rapidez com que as coisas estão a evoluir, não preciso de dez anos. Daqui a cinco já vamos estar a pensar de maneira diferente. Segundo ponto, antes de chegar aos pormenores eu gostaria de me sentar à mesa com os meus concidadãos, os profissionais de saúde, os hospitais públicos e privados, as seguradoras e os responsáveis políticos, para fazer uma coisa básica: definir o que é uma intervenção eficaz. Enquanto não definirmos isso, não seremos capazes de seleccionar a inovação que nos aparece.

Para que serviria essa grande reunião? 
Em Medicina, fazemos duas coisas: ou evitamos que os doentes morram ou damos qualidade de vida. Não há mais nada. São esses dois campos em que nós precisamos de nos sentar e definir o que é clinicamente significativo. Não é preciso fazer isto para 3.500 doenças, mas nas 80 ou 100 doenças que representam 85 por cento do dinheiro que se gasta.

Pode dar-nos um exemplo? 
Quando falamos em redução da morte por doença coronária, isso significa o quê? Surge uma nova terapêutica que diminui em três por cento a mortalidade. Chega, não chega? É bom? E o cancro do cólon? Se surgir uma nova terapêutica do cancro do cólon com promessa de diminuir em dois por cento a mortalidade, salva dois em cada 100 doentes.  Considera-se este resultado bom? Custa 50.000 euros. Bom era quatro, cinco, seis por cento? Primeiro, teríamos de decidir em cada uma destas áreas o que consideramos clinicamente significativo.

E como se define isso? 
Hoje em dia, temos dados de evidência científica que nos permitem claramente definir aquilo que se chama a diferença clinicamente significativa. O que é que eu quero dizer quando digo “este medicamente é eficaz”. Por exemplo, numa terapêutica oncológica, uma coisa é um melanoma, outra o cancro pancreático, outra é um linfoma. A expectativa em termos de impacto é diferente, mas se eu não definir antes qual é o mínimo eficaz, antes de aprovar e absorver essa tecnologia, não sou capaz de ter uma ideia do que estou a fazer. O segundo ponto é a qualidade de vida.

Também se mede? 
Temos escalas de qualidade de vida bem calibradas, que devíamos aplicar a doenças que, não matando, moem muito. Isto é fácil? Não. É de um dia para o outro? Não. Necessita de uma quantidade de informação absolutamente astronómica? Necessita. 

E como é que faz isso? 
Há processos. O Reino Unido faz isso, a Noruega faz isso, outros países fazem. Há associações de doentes, há focus groups, há grupos selectivos. Tal como se fazem as coisas, digamos, eleitorais, ou as coisas de consumo de Coca-Colas, pode-se fazer isto.

É preciso vontade política. 
É preciso as pessoas convencerem-se de que a situação é dramática. E é bom pensarmos nisso já e que temos de ouvir os nossos concidadãos. 

Sob pena...? 
Sob pena de arruinarmos o sistema. Neste momento, enquanto estamos a falar, há 3.500 moléculas para o tratamento do cancro a serem estudadas em 10.500 ensaios clínicos. Numa perspectiva altamente conservadora, eu ia sugerir que um por cento vai entrar com um medicamento no SNS. Ou seja, são 35 moléculas que entrariam em 2020! Pura e simplesmente estamos arruinados. Não podemos pagar. Arruinados. Não podemos pagar aquele preço por aqueles medicamentos, pura e simplesmente. Não é uma questão de “se”, é uma questão de "quando". Nós isso já sabemos. Em vez de andarmos à procura do prejuízo, a tentar resolver o problema quando ele nos aparece, a minha proposta é sentarmo-nos todos já e definir em conjunto o que é que temos de fazer.

A discussão continua a ser caso a caso. 
Sai um medicamento em Baltimore à sexta-feira e no sábado os doentes estão a pedir o medicamento. A pressão a que estão sujeitos os decisores políticos é desumana. Têm toda a minha simpatia. É preciso perceber o que é hoje em dia ser ministro da Saúde. Ou ser Infarmed e ter uma posição importante de decisão. É uma tarefa extraordinariamente ingrata, porque as pessoas querem tudo para hoje. Não há recursos para dar a toda a gente. Cada vez que compro um medicamento para o cancro eu não compro uma ambulância. As pessoas dizem: «Isso é uma comparação um pouco bruta». Não é, não. Há recursos limitados e temos de fazer escolhas. Nesse sentido é que eu acho que deveríamos, com a nossa metodologia, explicar e tentar convencer as pessoas porque é que fazemos o que fazemos e não outra coisa qualquer. Numa tentativa de que todos pudéssemos ter, digamos, uma base comum para poder discutir as coisas a sério.

E acha que vamos chegar aí? 
Acho que é muito difícil, mas sou muito franco: não acho que haja outra alternativa. Não temos alternativa.


«Tenho pavor da ignorância, mas ainda mais da militância anticientífica»

É um defensor da literacia em saúde há muitos anos. Tem medo da ignorância? 
Tenho pavor da ignorância, mas tenho mais medo de outra coisa: uma atitude moderna anticientífica. Basta pensar no caso das alterações climáticas. Muita gente, a começar pelo presidente dos EUA, quando lhe apresentam as provas diz que não são válidas. Diz: «Eu não quero saber disto para nada, a minha intuição é tão válida como estas provas». Isto é um novo nível, a que eu chamaria de ignorância militante. Na Saúde, também encontramos este espírito. Veja-se os movimentos antivacinas ou a tentativa de introdução no SNS de terapias alternativas e complementares. Estamos a negar o modelo científico. Esta posição anticientífica está muito mais disseminada do que as pessoas pensam.

A que se deve esta tendência? 
A dois factores, na minha perspectiva. Em primeiro lugar, os investigadores e cientistas não falam com as pessoas, não sabem comunicar. Têm descobertas de enorme importância mas não as conseguem explicar. Todos temos o dever ético de falar com as pessoas. É fácil? Não. É mais fácil falar com um colega meu cientista do que com um doente. Mas tenho esse dever, eticamente. O segundo aspecto é uma desconfiança dos peritos. Há vastas camadas em Portugal, como há no mundo inteiro, que entendem que peritos como eu têm interesses ocultos. Pensam que não sou muito sério, que digo as coisas não porque procuro mostrar o que a ciência mostra, mas porque devo ter algum interesse que me está a pagar para isto. Não confiam em pessoas como eu. É uma combinação mortal, que abre portas a situações absolutamente dramáticas. Na minha perspectiva, ainda vai piorar antes de ficar melhor.

Costuma dar o exemplo do fundador da Apple, Steve Jobs, para ilustrar o que acabou de dizer… 
O Steve Jobs teve um cancro pancreático. Mas, se o cancro pancreático normal, o adenocarcinoma, é gravíssimo, aquele não. Era um tumor endócrino.  Era um “tumorzinho” pequenino, que em meia ​hora um cirurgião tirava e não acontecia mais nada. O doente ficaria curado. Ponto final. Durante anos ele recusou a cirurgia, refugiou-se nas terapias alternativas. Não acredito que não houvesse dezenas de médicos a insistir, dizendo-lhe: «Em dez minutos, resolvo o seu problema». Ele perseverou e quando mudou de ideias já era tarde, porque o cancro se tinha espalhado. O que é que ele nos ensina? Não estou a dizer que as pessoas são estúpidas, mas tomam más decisões. Vão contra os seus mais básicos interesses. 

Porquê? 
A explicação é complexa. Uma das razões resulta de uma evolução da nossa maneira de ser como espécie. Nós somos hominídeos há 90 mil anos e durante 89.820 explicámos o mundo através da magia. Uma trovoada era cólera de Deus, as pneumonias curavam-se com sangria. A Ciência tal como a conhecemos tem uns escassos 300 anos. Nasceu em Inglaterra, no final do séc. XVIII. Nos últimos tempos, teve uma impulsão brutal, como nunca na História da Humanidade sequer se pensou possível. É extraordinário o que conseguimos nos últimos 20 anos. E nós andamos a correr para nos tentar adaptar. Não temos estruturas mentais e neuronais para captar a real existência destas tecnologias. Essas estruturas neuronais impedem-nos, muitas vezes, de compreender a complexidade do mundo que nos rodeia. Por isso, as pessoas acolhem explicações superficiais, que as contentem mais depressa. Digo muitas vezes: «Não ataquem as pessoas pelas suas crenças. Tentem antes convencê-las com argumentações lógicas».

Por que nasce o Instituto de Saúde Baseada na Evidência (ISBE)? 
A prática clínica só é considerada de qualidade se tiver apoio de evidência científica de alta qualidade. Médicos, farmacêuticos, enfermeiros, gestores e administradores hospitalares, políticos e os cidadãos precisam de informação de qualidade para decidir. É esse o objectivo do instituto, fazer investigação sobre diferentes áreas e produzir informação de alta qualidade para os decisores.

Os gestores e os políticos precisam de mais informação? 
É indiscutível. Hoje não é possível defenderem decisões no SNS sem terem por trás evidência de boa qualidade. A decisão deve ser, tanto quanto possível, baseada na melhor evidência científica. 

Dê-nos um exemplo de um estudo que o ISBE possa fazer no futuro. 
Vamos supor que a ministra da Saúde está a pensar fazer duas campanhas, mas só tem dinheiro para uma. Vai ter de escolher entre a cessação tabágica e a vacinação do Vírus do Papiloma Humano (HPV). O que o ISBE pode fazer é olhar para a epidemiologia destas doenças em Portugal. No caso do tabagismo, observamos a carga que provoca em Portugal: quantas doenças causa, mortalidade, taxas de complicações e de internamentos. Depois fazemos uma previsão de custos e o impacto no SNS de uma redução em dez por cento da prevalência de fumadores. Aplicamos o mesmo método na análise do HPV. Analisamos a epidemiologia do vírus em Portugal, a prevalência aos 15 anos, aos 18, 20, 22 anos. Tentamos perceber se a vacina funciona tão bem em Portugal como nos ensaios clínicos feitos no Canadá, na Austrália ou em França. Segue-se um estudo sobre as consequências do cancro do colo do útero – que é um cancro relativamente raro, mas importante – com e sem vacina. Quanto custa o cancro do colo do útero, qual a morbilidade que este cancro tem, o impacto na vida das mulheres. Perante estes dados, fazemos uma projecção para vacinação HPV, também nos rapazes, não só nas raparigas. São os rapazes que transmitem o vírus. Depois vou quantificar isso tudo. Faço um segundo relatório. O ministro ou ministra fica com os dados todos para poder escolher a campanha da cessão tabágica ou a do HPV. E ao fazê-lo estará a tomar uma decisão política baseada na evidência.


«Em vez de ir ao psiquiatra, jogo ténis»



Trabalha muito, mas tem muita energia. Pratica saúde? 
Procuro ser o mais feliz possível, acho que todos procuramos isso, não é? Mesmo as dificuldades que encontro, às vezes graves, nunca me afectam o optimismo. Faço muito desporto. Três vezes por semana à hora do almoço jogo ténis de semicompetição. Ao fim-de-semana passo uma hora e meia dentro do ginásio. Acredito muito no desporto. Há provas excelentes de que o desporto é a melhor coisa que podemos fazer e simultaneamente tira-me a cabeça das preocupações. Costumo dizer que em vez de estar a pagar psiquiatra vou fazer o meu ténis. Nesse sentido sou rigoroso e disciplinado. Outra fonte de felicidade é gostar imenso do que faço. Estou grato por me deixarem fazer o que gosto. Tenho também a vantagem de escolher muito bem os meus colaboradores, são gente do outro mundo, muitíssimo competente e capaz. E tenho a sorte de o sistema me apoiar. Tenho essa felicidade de propor coisas e as pessoas gostarem. Procuro inculcar nas pessoas o maior profissionalismo possível. Nós temos um dever para com a sociedade. Eles financiam o nosso trabalho, nós temos de devolver os benefícios. Essa é a nossa grande preocupação, comunicar com os cidadãos, com os profissionais, dizendo: “nós temos algumas respostas para vocês, podemos ajudar”.

Tem hobbies?
O meu hobby principal é a música. Sou apaixonado por música.  Música clássica, acima de tudo, e jazz. Ouço horas infindas quando posso. 
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