Valeu muito a pena». É desta forma que, dez meses depois de ser operada, Ana Patrício qualifica o tempo de angústia que antecedeu a cirurgia à coluna vertebral que corrigiu a sua escoliose grave e colocou um ponto final a 13 anos muito difíceis, tanto ao nível físico como psicológico.
Os sintomas deste desvio na coluna geralmente começam no início da adolescência e Ana — ou Anita, como é conhecida ― foi diagnosticada aos 12 anos, numa consulta de pediatria. Quando lhe disseram que tinha escoliose, desvalorizou. «“OK, escoliose, é só uma curvatura na coluna”. Mal sabia eu o que viria depois e os desafios que me surgiriam», desabafa sobre esta deformação que afeta 2 a 3% da população mundial, tem causa desconhecida e se desenvolve durante o crescimento.
Com uma radiografia a revelar uma curva já pronunciada, o ortopedista prescreveu-lhe o uso de um colete ortopédico para controlar a progressão do desvio. Cobria-a da anca ao peito e usou-o durante seis anos. «É um colete de plástico muito rígido, o som ao batermos nele é como se fosse madeira», recorda. A adolescência vivida dentro do colete não foi fácil: tinha indicação para o utilizar 23 horas por dia e só o podia tirar uma hora, para a higiene. «Usava-o na escola, para dormir, em todo o lado, e causava-me desconforto e dores: sentia o corpo a ser forçado a ir para uma posição que não era a “normal”», explica. No verão era ainda pior, porque lhe provocava muito calor e irritava-lhe a pele, somando-se ao aperto constante.

Ana Patrício sentiu o impacto da escoliose, tanto ao nível físico como psicológico, mas escolheu não desistir. Hoje, vive mais intensamente do que nunca
Se no início estava «numa fase de negação» e tentava tirá-lo sempre que podia, acabou por aceitar a necessidade de o usar. Isso não impediu que, à medida que a adolescência avançava, a frustração aumentasse na mesma proporção em que a autoestima diminuía. Numa altura em que as amigas começavam a usar roupa justa e a dar mais atenção à imagem, Anita refugiava-se em peças largas, quer para disfarçar o colete, quer porque este a obrigava a vestir tamanhos acima do normal. «Já era muito magrinha, mas usava calças e blusas L ou XL. "Boiava" dentro da roupa».
A sua natureza acabou por a proteger do isolamento. «Sempre fui sociável, toda a gente na minha turma sabia que eu usava o colete, respeitavam-me e ajudavam-me se precisasse», diz. No entanto, evitava sair da “bolha protetora” da família e dos amigos. Quando era obrigada a fazê-lo, ficava preocupada e alerta, receosa de que alguém lhe tocasse nas costas e descobrisse o colete. «Foi uma fase muito complicada, psicologicamente afetou-me muito. “Porquê a mim?”», perguntava. «No meu dia a dia andava constantemente stressada, estava farta e não queria falar sobre o assunto».
Aos 18 anos largou o colete, com sucesso. O grau de curvatura da sua coluna tinha-se estabilizado nos 30 graus, o que resultava numa curva visível nas costas, mas também numa assimetria na cintura. «De um lado da barriga tinha uma cintura muito cavada e do outro lado não tinha curva nenhuma, era completamente direita», lembra. Com o tempo, porém, apercebeu-se de que alguma coisa não estava bem. «Sentia-me mais torta e tinha mais dor. Parecia que algo não batia certo e que estava a piorar». Uma nova radiografia confirmou as desconfianças: a curva estava a aumentar outra vez.

Apesar dos receios, Ana Patrício considera que a cirurgia lhe devolveu a qualidade de vida que tanto desejava
Nessa altura as dores intensificaram-se. Passou a sentir desconforto em toda a coluna e na cervical. «Chegava a ter crises em que não conseguia mover a cabeça de um lado para o outro. E não era normal, porque sempre tive dores, só que estas eram diferentes». Com a pandemia de COVID-19, as consultas atrasaram-se. Dois anos de espera significaram também dois anos de agravamento da escoliose. Aos 24 anos, o desvio da coluna de Anita tinha aumentado 20 graus. Quando consultou um médico ouviu que, se ainda não tinha estabilizado, a escoliose já não iria estabilizar: «No próximo ano volta com mais dez graus, depois mais dez e a sua qualidade de vida só vai piorar». Na opinião do ortopedista, era preciso operar de imediato.
A decisão de avançar para a cirurgia impôs-se, mas não foi tomada de ânimo leve. Não havia outra forma de travar a progressão da curvatura, que já lhe comprimia o pulmão e dificultava a respiração. O facto de Anita ser enfermeira aumentou a angústia pré-operatória. «Saber demais às vezes não ajuda», comenta, «e eu sabia exatamente o que podia correr mal». Andava tão nervosa que chorava por tudo e por nada, mas nunca pensou em recuar. Quando foi operada, em janeiro último, já com 25 anos, a sua escoliose tinha atingido os 56 graus, impossibilitando a correção completa da coluna.
A recuperação foi lenta e cheia de frustrações. «De repente, uma pessoa independente passa a precisar de ajuda para tudo», desabafa. Aos poucos foi recuperando a autonomia, iniciou fisioterapia e pilates, e voltou a conduzir. A operação significou uma baixa médica de dez meses, e precisará de cerca de um ano para recuperar totalmente. O saldo, porém, não podia ser mais positivo: «Valeu muito a pena. A minha qualidade de vida melhorou imenso».

A fisioterapia e o pilates foram essenciais para a recuperação de Ana
Anita defende que se deve dar mais importância à escoliose, tema pouco falado e muitas vezes reduzido a uma questão estética. «Há duas em cada 100 pessoas que a têm, e a maior parte nem sequer sabe», refere. «Os pais devem estar atentos aos sinais de alerta», como ombros, caixa torácica e cintura desalinhados, bem como assimetrias visíveis: por exemplo, uma omoplata parecer maior do que a outra ou, quando se dobra para a frente, um lado das costas ficar mais saliente.
Uma das primeiras coisas que fez depois da cirurgia foi cortar o longo cabelo que usava para se proteger de olhares alheios. Um gesto simbólico, porque a escoliose «não é só uma curva, pode ser muito mais do que isso: é uma condição que normalmente desencadeia outros problemas». Ao contrário dos casos leves, outros, como o seu, pioram e, além das dores, causam sérias dificuldades de saúde. No caso de Ana, a curvatura para o lado direito já comprimia o pulmão, «e se for para o lado esquerdo pode interferir com o coração». Há também a questão da saúde mental. «Eu consegui ir lidando, mais ou menos, mas há quem não consiga e acabe em depressão». Por isso, insiste, «a escoliose não é mesmo apenas uma curva».