No final do último ano, passei uma tarde inteira na urgência do Hospital de São José. Um familiar muito querido adoeceu subitamente, esteve horas a fazer exames e eu, que o acompanhava, estive horas numa sala de espera, sentado num banco, a ver imensos utentes com máscaras e a ouvir tosses nos mais variados tons: cavernosos, sibilantes, arrepiantes…
Havia espancados, atropelados, inebriados e arrastados por polícias, mas a gripe era a rainha, deitando abaixo gente de todas as idades e feitios que, para queimar tempo, trocava histórias entre si:
- «Eu não me vacinei. Trabalho a dias de manhã, não posso perder tanto tempo no centro de saúde para me vacinar».
- «Tomo conta de dois netos, nem me passou pela cabeça levá-los para o centro de saúde. Agora tenho esta gripe de todo o tamanho e a minha filha foi obrigada a desinquietar os sogros, tão velhos e doentes».
Pus-me a pensar nisto, nesta cena de filme catástrofe e em como poderia ser outra a história se os sistemas de saúde estivessem mais de acordo com a vida das pessoas e soubessem optimizar recursos, alguns tão simples como uma vacina.
A gripe é um caso “engraçado”. Entre nós, os grupos de risco (seniores, grávidas, trabalhadores de saúde…) têm vacina grátis nos centros de saúde e o resto da população pode vacinar-se na farmácia, pagando, como eu, cerca de dois euros. Acontece que eu já sou sénior, mas tenho lá tempo para perder num centro de saúde? E como eu, muitas outras pessoas. A diferença é que boa parte não vai depois à farmácia. Não se vacina, ponto.
A situação é absurda. Mas por que motivo não posso eu, que pertenço a um grupo de risco, vacinar-me comodamente, de modo gratuito, na farmácia? O que é que impede o Estado de o protocolar? Por que tenho de ir perder tempo para centros de saúde? Por que tenho de fazer médicos e enfermeiros perder tempo comigo quando poderiam estar dedicados ao tratamento de doentes?
Será preconceito? É que não faz grande sentido, já que, de acordo com a legislação actual, às farmácias é autorizado, desde 2008, administrar todas as vacinas fora do Plano Nacional de Vacinação, pelo que falta de experiência ou inabilidade técnica não são argumentos.
Mais: muitos outros países autorizam a administração de vacinas por farmacêuticos. É o caso dos EUA, Canadá, Nova Zelândia, Reino Unido, Irlanda. Neste último, dá-se aos doentes a opção de poderem vacinar-se contra a gripe no centro médico ou na farmácia. E com óptimos resultados: o número de vacinados cresceu exponencialmente, reduziu-se a mortalidade. Em suma, optimizaram-se todos os recursos disponíveis, houve menos doença e menos gastos em saúde, ganhou-se horas de trabalho tão necessárias para criar riqueza.
Cá, continuamos a assistir a serviços de urgência entupidos, centros de saúde à pinha, serviços hospitalares em alvoroço. E eu continuo sem perceber o que significa, na prática, o doente ser o motor do sistema de saúde.