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29 fevereiro 2024
Texto de Telma Rocheta (WL Partners) Texto de Telma Rocheta (WL Partners) Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

Uma vila que se reinventa

​​​​Em Alter do Chão continua viva a tradição da coudelaria que produz o cavalo lusitano de elite.​

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Estar no sítio certo, à hora certa, vale a pena. A cerca de quatro quilómetros de Alter do Chão, na Coudelaria de Alter, por volta das 11 horas da manhã dá-se a imperdível entrada das éguas. É o momento em que um grupo de dezenas de fêmeas Alter Real volta para os estábulos do campo onde pernoitou. Uma formação de dezenas de animais castanhos e esbeltos, e nesta época do ano muitas das éguas vêm com os poltros recém-nascidos a acompanhá-las. Com o seu trote levantam o pó do chão. Os cavalos de raça lusitana, com a variante genética Alter Real, são motivo de orgulho para os alentejanos. Como explica António Pinto, responsável operacional da Coudelaria de Alter, em 1748, o rei D. João V, «invejoso da exuberância na parte cavalar de muitas cortes europeias», criou uma coudelaria. Na zona do Alto Alentejo, na Tapada do Arneiro, começaram a produzir-se os cavalos de alta escola para a picaria real. «E chegou aos dias de hoje, com um património genético importantíssimo. A coudelaria é a mais antiga do mundo a funcionar desde a fundação no mesmo local. Os nossos propósitos hoje são de manutenção de uma base genética muito importante», conta. A visita guiada, a esta propriedade do Estado português, inclui momentos em que se pode apreciar o dia-a-dia nas cavalariças.


Castelo de Alter do Chão, em arquitetura medieval

Nos anos 40, «o pool genético do cavalo Alter Real estava quase extinto», e houve «um trabalho notório do Dr. Ruy de Andrade a partir de 11 éguas e três garanhões». Hoje, a coudelaria tem um efetivo residente de 320 animais usados essencialmente para equitação clássica portuguesa, alta escola e competição.

Em 2020, com a instalação de um hotel em parte dos edifícios, esta instituição ganhou uma nova vida, permitindo aos hóspedes desfrutar dos 800 hectares de uma propriedade exuberante, e aprender a montar. Dentro das instalações há uma exposição de falcoaria, arte de caça em desuso. A 24 de abril próximo, vai realizar-se um leilão de cavalos, com exibições equestres, de entrada gratuita.


Imagem de Alexandre, o Grande, uma das únicas no mundo em mosaico da Roma Antiga

Além da Coudelaria, a pequena vila do distrito de Portalegre pode orgulhar-se de ter uma das únicas três representações de Alexandre, o Grande existentes no mundo, em mosaico da Roma Antiga. O mosaico foi encontrado nas escavações do Núcleo Museológico da Villa Romana, no centro da vila, onde se descobriu um complexo com termas e casas, dando prova da existência da cidade Abelterium. Jorge António, arqueólogo do município, explica que através da consulta de fontes clássicas foi possível perceber que a peça descoberta, em excelente estado de conservação, correspondia a uma imagem do mítico rei da Macedónia. As investigações levaram à conclusão de que a figura que empunha um escudo com uma medusa representa Alexandre, o Grande durante a Batalha de Hidaspes que ocorreu em 326 a.C. «O mosaico mais conhecido que o representa é o da Batalha de Isso na Casa do Fauno, em Pompeia, e o segundo encontra-se no Líbano, no sítio arqueológico de Baalbek», explica o arqueólogo ao serviço do município alentejano há mais de 20 anos. Por isso, a descoberta desta peça no Alentejo, naquela a que se decidiu chamar Casa da Medusa, representa algo de «excecional e único», sublinha.


Jorge António, arqueólogo do município de Alter do Chão

«Já tivemos arqueólogos de todo o mundo a fazer aqui investigação», ressalva o especialista, e o projeto de escavações está para continuar. A autarquia planeia construir um museu. O atual laboratório, que parece um tesouro digno de um Indiana Jones, cheio de caixas com peças classificadas, está incluído no circuito de visitas que se podem marcar no posto de turismo.

Na gastronomia, Alter do Chão destaca-se por usar açafrão bastardo, especialmente no ensopado de borrego com arroz de açafrão. Todos os anos, a Câmara promove a Semana Gastronómica desta especiaria. Mas a figura principal é Francisco António Bojaca da Silva, o mestre Xico. «É uma pessoa excecional, que criou uma plantação de açafrão no jardim do Álamo e que tem uma história de vida fora do comum», conta Joana Mega, proprietária desde há 14 anos da Farmácia Alter, localizada bem no centro da vila. Embora não tenha nascido na terra, a farmacêutica criou uma grande ligação à comunidade, que ultrapassa a simples venda de medicamentos. É irmã da Santa Casa da Misericórdia, sócia dos bombeiros voluntários e diz sentir o dever de «estar bem integrada e prestar um serviço à população».


Joana Mega, proprietária da Farmácia Alter, e mestre Xico, produtor de açafrão bastardo


No jardim do Álamo, o mestre Xico conta que plantou açafrão bastardo até à reforma. Era um projeto comercial e educativo: «Semeei aqui para as crianças aprenderem o que era salsa, coentros, hortelã, malagueta, e depois semeava açafrão». Hoje, essa parte do jardim tem o solo nu. «Depois de me reformar, acabou-se», lamenta. Hoje com 69 anos, é na sua casa que continua o cultivo da especiaria, e vende as folhas alaranjadas em saquetas de plástico a dez euros por dez gramas, com a marca mestre Xico. Diz que, apesar de oferecer sementes a toda a gente, a generosidade não se compadece com a transmissão de um conhecimento pro- fundo: «Eu ensino tudo, mas as minhas mãos é que são santas», já que até à fase da colheita há muitas técnicas que devem ser respeitadas. E quando colhe o «tesouro», ou o «ouro de Alter», fá-lo com cuidados de joalheiro, usando uma tesoura de trabalhos manuais de criança, para o corte não massacrar a planta.


Marco Gomes criou com a mulher uma casa-museu dedicada à tauromaquia

Numa casa na Rua de Santarém, em 2022, Marco Gomes e a mulher, Ana Meira, criaram o projeto de uma vida dedicada à tauromaquia, o Ramagens Ouro e Prata, uma casa que alberga milhares de peças dedicadas aos toiros, colecionadas ao longo de 50 anos. Marco Gomes é professor de Matemática e recorda que «quis ser toureiro». Tornou-se delegado técnico tauromáquico e diretor de corrida. Na juventude andava atrás dos carros da propaganda a recolher cartazes. Agora, nos quatro pisos da casa-museu, exibe trajes de toureiros famosos, cartazes e uma panóplia de objetos ligados à tauromaquia, como a coleção completa da revista especializada ‘El Ruedo’, que se publicou entre 1944 e 1977. O objeto mais caro é o cartaz de 1947 que anunciava a corrida do espanhol Manolete, que acabou morto por um touro Miura. 


Paisagem do Alto Alentejo, verdejante nesta altura do ano

Também depois da pandemia, foi criado um grupo de cante alentejano nesta zona do Alto Alentejo, onde o género musical classificado como Património Cultural Imaterial da Humanidade não é habitual. «O cante alentejano sempre predominou mais no Baixo Alentejo. E por causa disso o grupo chama-se Cá de Cima», conta Manuel Milreu, presidente da assembleia geral do grupo, que se juntou há um ano «para ajudar a rapaziada, que tem dificuldade com as burocracias». De momento, são cerca de 20 cantores entre os 20 e 30 anos, com várias profissões, que continuam a tradição do cante e o levam para terras onde não existia.​
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