Parece um jovem acabado de sair das aulas, mas quando se junta ao rebanho de ovelhas percebe-se que domina uma atividade ancestral. Os assobios e interjeições de Edgar Pinto, de 19 anos, conduzem as 40 ovelhas pelo terreno. É conhecido como o mais jovem pastor de Portugal: começou aos 16 anos e é na quinta dos avós, perto de Oliveira do Hospital, que tem o curral. Na família não se conhecem pastores, mas desde criança, recorda, largava o pai e ia atrás das ovelhas de um pastor. «Gosto muito disto, dá bastante trabalho, muitas pessoas dizem que sou doido, e até o reconheço», conta na cozinha rudimentar onde se junta para petiscadas com os amigos. «Levantar cedo às vezes custa, e não há fins de semana, nem férias», mas o jovem não troca este contacto com a Natureza e a solidão dos pastos por nada, e é aqui que imagina o seu futuro. Até porque a venda de borregos «já dá algum dinheiro», explica.
Edgar Pinto, o mais jovem pastor português, com o seu rebanho, na quinta dos avós
Também Ana Baptista não tem antecedentes familiares, mas é outra figura da nova geração a levar uma tradição para a frente. Chorou quando soube que em vez de Fisioterapia fora colocada na licencia- tura em Engenharia Alimentar, mas adorou o curso e o estágio final em queijos. Após uma experiência na indústria das carnes, com a qual «não se identificou», aceitou o convite da Associação Nacional de Criadores de Ovinos Serra da Estrela (ANCOSE) para voltar aos queijos. No segundo ano de trabalho, a ANCOSE passou-lhe a queijaria. Apaixonou-se pela delicada produção de queijos amanteigados da Serra da Estrela e, desde 2022, a engenheira alimentar de 35 anos desenvolveu a marca Ferreira da Estrela. «É um queijo certificado, cumprimos o caderno de especificações, com muitas regras. Tem de ser com leite de ovelha bordaleira da Serra da Estrela», explica, e além do leite o queijo só leva sal e a flor do cardo.
Ana Baptista licenciou-se em Engenharia Alimentar e apaixonou-se pela «delicada» produção dos queijos amanteigados da Serra da Estrela
Cristina Gonçalves, diretora técnica da Farmácia Gonçalves, defende que Oliveira do Hospital, no distrito de Coimbra, «não está a envelhecer como outras cidades do Interior». Rui Silva, arqueólogo no município, entende que a Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Politécnico de Coimbra (ESTGOH), sediada no centro da cidade desde 2001, "chamou" muitos jovens que «ficaram cá e casaram».
Também a mãe de Cristina Gonçalves veio de fora. A madeirense estudou Ciências Farmacêuticas no Porto, onde conheceu o marido, originário do concelho de Oliveira do Hospital. Acabaram por comprar uma pequena farmácia no centro da cidade. Em 2022 inaugurou-se um novo espaço, onde sobressai um impressionante robô de 11 metros, invulgar no país, que faz a organização de toda a medicação bem como a dispensa de toda a medicação e a faz chegar até ao balcão. A farmácia ficou equipada para o futuro e «os miúdos adoram ver os dois braços a colocar as embalagens nas prateleiras», conta a farmacêutica.
«O dinamismo de Oliveira do Hospital pode ver-se a muitos níveis, mesmo na integração de pessoas», considera Cristina Gonçalves. Exemplo disso é a Associação para Recuperação de Cidadãos Inadaptados de Oliveira do Hospital (ARCIAL). Manuel Garcia, assistente social e coordenador da instituição, mostra como os utentes cortam em tiras e tecem as mantas de trapos que outrora se usavam como cobertas ou tapetes, e que hoje já há pouco quem as saiba fazer. São uma forma de reciclagem, de manter a tradição e de «valorizar as competências dos utentes», entende.
Em Chão Sobral, perto da cidade, a farmacêutica Cristina Gonçalves com Vítor Courinha, o artesão de miniaturas de casas em xisto
Em Chão Sobral, a 20 km de Oliveira do Hospital, Vítor Courinha desde há 16 anos faz miniaturas de casas de xisto, num processo autodidata, em que se nota o labor e a atenção. «Um senhor fazia estas miniaturas, mas emigrou, e perguntaram-me se eu queria pegar nisto. Fiz um exemplar e pediram-me 500», recorda. Tem reproduções de várias aldeias da zona, «incluindo a aldeia do Colcurinho, que é muito nossa». É na Serra do Açor, a 500 metros da oficina de Vítor Courinha, que se situa esta povoação deserta desde os anos 1950. Com um riacho, uma ponte de xisto, um moinho e uma capela branca, a aldeia é um romântico lugar de paragem.
No miradouro do Colcurinho (aconselhável a quem não tenha fobia a estradas de montanha), pode usufruir-se de uma vista a 360º, incluindo a Torre da Serra da Estrela e, num vale, a célebre aldeia de Piódão. Os ciclistas mais afoitos terão um percurso épico desde a Aldeia das Dez até este pico, a 1.242 metros de altitude. A vista é deslumbrante, a vegetação de uma coloração intensa.
Quem sabe como era antes do grande fogo de 15 de outubro de 2017 nota, porém, a diferença. «Isto era um paraíso verde, os ramos das árvores juntavam-se e faziam túneis nas estradas», lembra Cristina Gonçalves. Mesmo assim, a Natu- reza continua a ser uma grande atração.
Praia fluvial na aldeia de Avô, junto ao rio Alva
As praias fluviais classificadas enchem-se de gente no verão e permitem passar bons momentos quer no rio Alva quer no rio Alvouco. A praia fluvial de Alvouco das Várzeas, com uma ponte medieval – erradamente referida como romana, alerta Rui Silva – é uma delas. Na bela aldeia de Avô existe a praia no rio Alva, rodeada de um casario antigo a servir de moldura. A praia de São Gião é um paraíso verdejante. E o Açude da Ribeira, em Ervedal da Beira, zona requalificada há um ano, com um passadiço para observação da queda de água, é agora um lugar de passagem obrigatória. Os caminhos pedestres, cicláveis e zonas naturais multiplicam-se pela serra. No site da Câmara Municipal pode consultar-se as várias ofertas.
Rui Silva diz ter «uma honra tremenda em ser oliveirense». São muitos os motivos. «Sabemos receber, somos da Ordem dos Hospitalários», exemplifica. Além dessa característica humana, o arqueólogo refere que o concelho tem uma riqueza paisagística e histórica fora do comum «desde a pré-história, com as antas e as necrópoles, até à contemporaneidade, com solares lindíssimos». «Quem cá vem quer voltar, porque percebe que falta muito para ver», considera.
O centro de Oliveira do Hospital, com a Igreja Matriz ao fundo, onde se situa a Capela dos Ferreiros
Na Igreja Matriz, no centro de Oliveira do Hospital, é onde as origens da cidade ganham sentido. Na Capela dos Ferreiros, anexa a este templo, estão as sepulturas de Domingos Joanes e da mulher, Domingas Sabachais. «Foi a este cavaleiro que D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, doou em 1120 uma propriedade que compreendia uma vasta área que inclui Oliveira do Hospital», explica Rui Silva. Não só pelos túmulos dos fundadores da cidade, de grande valor artístico, esta capela é um dos mais importantes espaços funerários medievais portugueses. A pequena estátua em granito de um cavaleiro, símbolo da cidade, confere à capela uma mística especial.
Rui Silva, nas ruínas romanas da esplendíssima Bobadela
Outra marca da terra é a cidade romana de Bobadela, descoberta a partir de 1980, onde se recuperaram os traços de uma importante civitas, que uma lápide identifica como esplendíssima. «O que significa que não era uma cidade qualquer», salienta Rui Silva, que participou nas escavações. Nesta aldeia bucólica a presença romana revela-se tanto no anfiteatro a céu aberto como no Centro Interpretativo de Bobadela Romana.