O mercado de Loulé, com os seus torreões vermelhos, é um ponto central da cidade algarvia em que se impõe a estrutura revivalista com influências árabes, construída em 1908. É por causa da feira de produtores locais ao redor desta praça que todos os sábados a cidade se enche de gente. As ruas fechadas ao trânsito ficam repletas das cores da fruta e dos legumes.
A imagem de Bráulio Pontes decora supermercados na Suíça
No dia a dia, o mercado funciona como ponto de venda de produtos alimentares, incluindo os regionais, como os doces de figo e de amêndoa. O destaque vai para o peixe, mesmo que seja, como é o caso, numa terra a mais de dez quilómetros da costa. Bráulio Pontes exibe os salmonetes e conta que só vende «peixinho fresco do mar». O seu peixe chamou a atenção de estrangeiros, conta: «Fizeram um cartaz comigo para porem nuns supermercados na Suíça». Pagaram-lhe 200 euros pelo direito a expor a sua imagem e a da sua "montra" a 2.000 quilómetros de distância, salienta.
Fernanda Estevão, a farmacêutica que guiou a visita.
Enquanto observa a banca, Fernanda Estêvão, diretora técnica e proprietária da Farmácia Avenida, recorda o pai, comerciante de peixe no mercado de Quarteira. O mar faz parte da sua vida, o que a fazia regressar a casa todos os fins de semana, nos tempos em que tirou o curso de Ciências Farmacêuticas, em Lisboa. A farmacêutica vive numa casa com vista para o oceano.
Parte do Jardim dos Amuados assenta sobre a muralha
Nas traseiras do mercado de Loulé, calcorreando as ruas antigas calcetadas, chega-se à Igreja Matriz, construída sobre uma antiga mesquita. Em frente, o Jardim dos Amuados, do final do século XIX, e assente em parte sobre a muralha da cidade. A curiosa designação deve-se ao facto de os bancos dos jardins estarem colocados costas com costas, como se quem lá se sentasse estivesse zangado. Duas cegonhas fizeram o ninho sobre os restos de uma palmeira. Daqui é possível desfrutar da vista sobre parte da cidade.
Sem abandonar a mesma zona histórica, encontra-se as traseiras do antigo tribunal. No número 20 da Rua Vice-almirante Cândido dos Reis, situa-se a Casa da Empreita. É uma oficina de artesanato que pertence à rede Loulé Criativo, da Câmara Municipal. Margarida Cortez conta como tudo começou cruzando com a sua história de vida. Em pequenina aprendeu a fazer empreita com a madrasta. Cresceu e emigrou para França, onde trabalhou «durante 29 anos e sete meses na fábrica da EMI France/Virgin, onde eram produzidos os discos e vídeos, e mais tarde DVD». Há cerca de dez anos regressou às origens. «Lembrei-me de voltar a fazer empreita. Fui ao turismo e dei a ideia. Queria um sítio para vender as minhas coisas». A receção foi calorosa: «Eles escutaram-me muito bem e chamaram-me para uma reunião». Havia a condição de que a porta estivesse aberta de segunda-feira a sábado e que mais senhoras estivessem envolvidas.
Margarida Cortez desafiou o município a promover a arte da empreita
Na Casa da Empreita trabalham, há seis anos, dez mulheres que recuperam a alegria do convívio e da continuação de um ofício ancestral em declínio. Há uma exceção no grupo. Jorge dos Santos, o marido de Margarida, juntou-se ao projeto. «Não quis ficar a olhar para as paredes em casa. E veio comigo. É ele que faz a baracinha (uma espécie de cordão em palma que serve de estrutura), pois sabe trabalhar a palma desde garoto», conta a artesã. O projeto da Casa da Empreita não é puramente nostálgico. Conta Margarida Cortez que Henrique Ralheta — um designer louletano com prestígio nacional — lhes disse: «Então as senhoras são tão inteligentes, façam candeeiros, façam outras coisas, saiam das alcofas!». Por isso, agora dão largas à imaginação.
Os Banhos Islâmicos
Junto ao casco histórico, perto da muralha do castelo, reabriram em 2022 os Banhos Islâmicos, os primeiros em Portugal a serem documentados. Pelo seu valor patrimonial e museológico, o espaço foi considerado monumento nacional. O edifício do hamman árabe (tipo de banho que consiste em permanecer num ambiente quente e cheio de vapor), construído no século XII, mostra os costumes na Al-Úlyá (o nome antigo de Loulé) pouco antes da reconquista da terra, em 1249. Al-Úlyá foi das últimas povoações em Portugal a serem reconquistadas pelos cristãos.
O Café Calcinha, de influência Art Déco e onde se pode provar o folhado de Loulé
O Café Calcinha é ponto de encontro obrigatório. Aqui deve comer-se o folhado de Loulé, quentinho, como manda a tradição. O espaço foi inaugurado em 1929 e reabilitado há sete anos, mantendo no essencial as suas origens e as influências Art Déco. Fernanda Estêvão descobriu, numa das muitas fotos na parede, o pai entre um grupo de homens que se juntava para beber café e medronho, e jogar às cartas. A legenda situa a foto nos anos 50 e refere que só no final dessa década entrou uma senhora no café. Um dos mais célebres frequentadores foi António Aleixo. Uma estátua em bronze do poeta, da autoria de Lagoa Henriques, "conversa" na esplanada com os transeuntes. Aleixo morreu em Loulé, em 1949, e dele ficaram célebres versos críticos em rima, dirigidos sobretudo à classe rica.
Homenagem ao louletano Duarte Pacheco, que modernizou Lisboa
Em dias de calor, o parque é o sítio ideal para refrescar. À entrada, ao fundo da Avenida 25 de Abril, encontramos o chamado "monumento", uma homenagem em formato de grande obelisco a um dos mais ilustres filhos da terra, Duarte Pacheco, construído em 1953. Este louletano foi o destacado ministro das Obras Públicas de Salazar, que modernizou Lisboa.
Para crentes ou não, vale a pena subir à Ermida de Nossa Senhora da Piedade, a padroeira de Loulé. A velha capela foi erguida num cerro (colina), às portas da então vila, em 1553. Por trás, foi construída, em meados do século XX, outra igreja, para acolher uma população crescente. Este grande templo, branco e redondo como uma nave futurista, marca a paisagem da entrada em Loulé.
Esta igreja branca e redonda marca a paisagem à entrada de Loulé
Na ermida antiga encontra-se a “Mãe Soberana”. Duas grandes procissões celebram o culto de Maria: no dia de Páscoa, o andor desce à cidade para ficar próximo dos fiéis. Quinze dias depois, Nossa Senhora regressa a casa, levada pelos "homens do andor", seguidos pela banda que canta o hino “Mãe Soberana” e por uma multidão de devotos em festa. Esta é considerada a maior manifestação religiosa a sul de Fátima. «É incrível como os homens carregam o andor pela encosta acima, quase a correr. São levados pelo entusiasmo das pessoas», comenta Fernanda Estêvão.
Uma ida à serra deve completar a visita à sede do maior concelho do Algarve. A zona costeira, de Vilamoura à Quinta do Lago, é mais explorada, enquanto o barrocal (a zona Norte), a caminho da Serra do Caldeirão, ainda mantém o encanto de outros tempos. Por uma estrada de curvas e paisagem rústica, chega-se ao Barranco do Velho. Aí, o restaurante A Tia Bia, conhecido pelos pra- tos tradicionais, é visita frequente de Fernanda Estêvão, que vai com a família ou amigos em busca da calma da zona.