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7 dezembro 2020
Texto de Irina Fernandes Texto de Irina Fernandes Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

«Só é vencido quem desiste de lutar»

​​​​O filme “Listen” da realizadora Ana Rocha de Sousa é candidato aos Óscares de 2021.​

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REVISTA SAÚDA: O seu primeiro filme, “Listen”, arrecadou seis prémios no Festival Internacional de Cinema de Veneza, é o candidato de Portugal aos Óscares e é o filme português mais visto em 2020. Como sente estas conquistas?
ANA ROCHA DE SOUSA: Com uma pandemia espalhada pelo mundo é difícil sentir-me nas nuvens, mas estaria a mentir se não admitisse que os últimos meses foram muito felizes. No meio deste caos, “Listen” é um filme que conseguiu coisas extraordinárias e isso deixa-me com muito orgulho.


Aos 42 anos, Ana Rocha de Sousa vê o seu primeiro filme ser nomeado para os Óscares na categoria de Melhor Filme Internacional

Como é que uma portuguesa consegue este feito?
[sorri com timidez] Eu não sei responder a isso, não sei. Dedico-me muito àquilo que faço. Inevitavelmente, a persistência e o trabalho... [pausa] Tenho mesmo de dizer isto: Veneza fez-me voltar a acreditar na vida.

Fez?
Passei por fases muito duras, de grandes transformações e isolamento, de partir do zero e recomeçar. Estive três anos a viver e a estudar em Inglaterra sem trabalhar, vendi tudo para o poder fazer… Felizmente, tive sempre muito apoio, mas há dores e coisas que são muito difíceis de ultrapassar.

Tais como…
Quando regressei a Portugal, já grávida, nasceu a Amália [em 2014] e eis que me vejo numa fase verdadeiramente... A maternidade é muito bonita, mas também é muito assustadora. E eu passei por esse medo.

Temeu não voltar a fazer o que tanto gosta…
Quando olhamos para um bebé, tão pequenino, pensamos no quanto ele depende de nós e que temos de estar 100 por cento disponíveis. Quero deixar aqui uma mensagem às mães e mulheres, de que a vida não é só maternidade! Pode ser por opção própria, mas não tem de o ser. É possível sermos mães e continuarmos os nossos sonhos.

Correu atrás do seu sonho…
Há uma frase emblemática do professor Mário Soares com a qual me identifico e que responde à sua pergunta: «Só é vencido quem desiste de lutar». Este é um dos meus lemas de vida. É o continuar a lutar, não parar. Só não desistindo é que chegamos aos nossos sonhos. 

Como foi fazer nascer este filme?
Foi uma luta muito dura, por todas as razões.

Foi difícil que acreditassem em si e no projecto?
Apesar de ter estudado Belas Artes, Pintura, e ter um mestrado em Cinema, eu era a miúda da televisão. Não o rejeito nem vou rejeitar, mas isso criou-me alguns entraves e barreiras. E, portanto, quando aparece uma pessoa como o Rodrigo Areias, da produtora Bando à Parte, que diz: «Aquilo que me interessa é um bom projecto, vindo de alguém que tem a garra de o fazer»... Tive muita sorte.


Apesar da experiência de actriz, Ana prefere a realização. É a sua grande paixão

E em Inglaterra, como correu? O seu filme aborda o tema das adopções forçadas pondo em causa a Segurança Social inglesa.
Em Inglaterra comecei do zero, foi uma batalha dura. Durante muito tempo não conseguimos encontrar parceiros com interesse em associar-se a um tema tão polémico retratado pelo olhar de uma estrangeira. Isso foi verdadeiramente difícil.

O que é muito tempo?
Este filme foi escrito em 2016, estamos em 2020...

É uma mulher determinada? Persistente?
Sou bastante persistente e também sou chata [gargalhadas]! E às vezes é difícil distinguir as duas coisas.

É caso para dizer que lutou contra ventos e marés?
Sim, mas um primeiro filme é sempre isso. E quando é filmado no estrangeiro e aborda um tema muito polémico que levanta questões complicadas em relação a um sistema...

Sente que foi por ser capaz de se superar – em diferentes fases da vida, como está hoje aqui a revelar – que conseguiu vingar?
Olhando para trás e honestamente, há momentos que eu não sei como é que os ultrapassei. Sei que, no meu lugar, algumas pessoas teriam desistido.

Mas a Ana nunca pensou fazê-lo.
Pensei, pensei... Nessas alturas, o importante é ouvirmos alguém que nos dá esperança e termos a capacidade de pensar: «A tempestade não fica. Há-de passar».

E passou…
Uma coisa que a maior parte das pessoas não sabe sobre mim é que durante quase dois anos fiz decoração de interiores, montei centenas de apartamentos de alojamento local em Lisboa. Fi-lo com muito prazer, mas não era o meu sonho final.

O amor ao cinema falou sempre mais alto…
Para conseguir que o cinema deixasse de ter uma resistência grande à minha pessoa, sabia que tinha de me desvincular da minha imagem.

Até chegar ao prémio Leão de Ouro do Futuro fez uma longa jornada…
Existe um caminho que é o nosso, acredito muito nisso. É preciso não desistir. Tentamos o plano A, o plano B e até chegar ao plano Z. O que é preciso é irmos encontrando formas de não perder o equilíbrio e a estabilidade. Eu passei por grandes sofrimentos, mas não por estar a fazer uma coisa contra a minha vontade…


«A minha alma é muito inquieta»

A que sofrimentos se refere?
Inquietações. A minha alma é muito inquieta. Costumo dizer que o meu pai é a justiça e a minha mãe é a força, e isso define-me muito.

De que forma?
É a conjugação dessa educação que faz com que queira sempre lutar pela justiça e, por outro lado, tenha ferramentas para ir buscar força nas adversidades. Eu sei que cada montanha que me aparece, por mais difícil que seja a escalada, vou chegar a um momento em que eu vou olhar para baixo e pensar: «Caramba, eu subi isto tudo». Fosse com ajuda, ou sozinha…

Foi esse sentido de justiça que a fez sensibilizar-se com o tema do filme?
Para mim, o cinema é mais do que a minha vontade artística. É uma arma legal e justa que vai buscar aquilo que nos inquieta e deve ser chamado à luz. Na altura, a minha filha Amália tinha um ano e meio. Ouvi a notícia de uma mãe portuguesa a quem retiraram um bebé de dias, e aquilo chocou-me imediatamente. O filme é muito brando para a realidade que existe.



O que a faz feliz na vida?
Tenho várias paixões. A fotografia é a minha maior companhia, gosto de fotografar pessoas e o momento irrepetível. Para além disso, tenho a pintura e o desenho. Uma das coisas que fiz muito durante a quarentena foi desenhar. A minha filha gosta de desenhar, é uma coisa que fazemos muito. Também tenho uma paixão assolapada por cavalos. Ainda há dias vi imagens da Comporta e pensei que, antes de um novo confinamento, tenho de voltar a andar.

Que cuidados tem com a saúde? Pratica exercício físico? 
Bom, vou andando [risos]. Sou de extremos. Diria que gosto e odeio correr [risos]. Tenho períodos em que me dedico intensamente, corro todos os dias nem que seja uma hora. Mas depois chega aquele dia em que começo a inventar desculpas para não o fazer.

Qual a sua relação com as farmácias portuguesas?
É uma relação de grande amizade. Não tenho uma farmácia de eleição, lá em casa recorremos a várias. O Pedro, o meu companheiro, estudou Ciências Farmacêuticas. Pessoalmente, já resolvi questões muito importantes na farmácia. Para mim, as farmácias em Portugal são um local de segurança.

O Festival Internacional de Cinema de Veneza é muitas vezes uma antevisão dos Óscares. O seu futuro profissional pode passar por Hollywood?
Diariamente chegam-me mensagens muito bonitas e expressivas. Pela forma como as coisas têm acontecido e também por termos o “Listen” com a Magnolia Pictures International, que é uma grande distribuidora americana, acho que o meu cinema vai chegar além-fronteiras.

Estamos a poucos dias do Natal, num ano diferente…
É preciso aceitar que, dentro das condições que existem, vamos ter de nos adaptar. Talvez tenhamos de andar com telemóveis pela casa, e fazer conferências no Zoom... Não sei como vai ser, mas terá de ser diferente. E alguma coisa vamos aprender com isto. Vamos ter de ser capazes de encontrar o nosso melhor Natal, e o lado positivo.

 


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