Texto de Rita Rapazote | Especialista em pedopsiquiatria, Hospital CUF Descobertas e Clínica CUF Alvalade
Quando pensamos na primeira infância ― os primeiros cinco anos de vida — somos remetidos para um período crucial do desenvolvimento global da criança. É nesta fase que as experiências afetivas e de aprendizagem deixam marcas determinantes que prevalecem ao longo da vida.
A saúde mental na primeira infância pode ser definida como “a capacidade do bebé ou da criança pequena experienciar, regular e expressar emoções, formar ligações próximas e seguras, explorar o ambiente e aprender”, conforme propõe a "Zero to Three", uma organização sem fins lucrativos norte-americana que promove o desenvolvimento saudável nos primeiros anos de vida.
Os bebés e as crianças pequenas têm uma predisposição natural para absorver novas informações, experiências e afetos dos seus cuidadores. Isto acontece de forma mais expressiva nos chamados “períodos sensíveis”, nos quais a criança está particularmente recetiva a interações.
As ligações neuronais acontecem e fortalecem-se através de experiências positivas repetidas: quando o bebé é cuidado com sensibilidade (correspondendo às suas necessidades individuais), com continuidade (sem mudanças significativas de cuidador) e previsibilidade (ajudando o bebé a, gradualmente, antecipar eventos e regular as emoções e o comportamento).
Os estudos epidemiológicos internacionais indicam que cerca de 16 a 18% das crianças entre o primeiro e o quinto ano de vida apresentam sinais de perturbações mentais. Mostram também que, num terço dos casos, dificuldades durante o primeiro ano de vida persistem além dessa idade e são um fator de risco para o desenvolvimento de psicopatologia no futuro.
Na primeira infância, é comum as famílias procurarem a consulta de pedopsiquiatria por várias razões: alterações de comportamento, sintomas de ansiedade ou oscilações de humor; dificuldades na alimentação ou no sono; problemas de socialização; suspeita de perturbações do espetro do autismo; alterações da sensibilidade sensorial ou, ainda, desafios na relação entre pais e filhos.
Quando as dificuldades são persistentes, intensas, interferem com o desenvolvimento e com as oportunidades de aprendizagem e têm impacto na dinâmica familiar, existe indicação para avaliação especializada, com o objetivo de proteger e potenciar o percurso de desenvolvimento da criança. O diagnóstico precoce e a intervenção atempada na primeira infância são fundamentais para prevenir dificuldades futuras e promover o bem-estar emocional desde os primeiros anos de vida.