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21 dezembro 2017
Texto de Maria Jorge Costa Texto de Maria Jorge Costa Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

«O ressentimento faz mal à saúde»

​​​​​​​​​​​Nas luxuosas instalações do escritório de advogados a que pertence, Luís Marques Mendes revela-se um homem tranquilo, ciente do poder que tem.
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Numa entrevista de hora e meia, assegura não ter vontade de voltar a cargos políticos. Mas não deixa de transpirar política. Pede ao futuro líder do PSD que olhe para os jovens e a classe média, e que não faça oposição de forma ressentida, como fez Passos Coelho. Descobrimos o ponto fraco do homem que assume ser incondicional do amigo Presidente: MM larga tudo pela neta Mafalda, a quem vislumbra dotes de melomania.

REVISTA FARMÁCIA PORTUGUESA: Como é o Natal de Luís Marques Mendes?
MARQUES MENDES: É passado no Norte, em Fafe, onde nasci. A noite de Natal com a minha mãe e o dia 25 com os meus sogros. Este ano com uma animação maior: a minha neta Mafalda, que já tem 18 meses.

E é um Natal tradicional?
Sim, come-se o bacalhau e no dia seguinte o cabrito. Tudo acompanhado de muitos doces. Era impossível passar o Natal e não tocar numas rabanadas, que adoro.

Toda a gente o vê como um homem bem-disposto. Não há um Marques Mendes com mau génio?
Há, mas não é frequente. Um grande amigo meu costumava dizer que eu era a única pessoa que ele conhecia sem angústias. Talvez tenha herdado o lado da minha mãe, que aos 84 anos é a alegria em pessoa. Não direi que falo pelos cotovelos, mas gosto de falar. Gosto de me dar bem com toda a gente. De facto, não tenho angústias. Comecei por ser advogado, andei na política local num governo civil e numa autarquia. Estive no Governo uma pancada de anos, no Parlamento, à frente da administração de uma universidade, em tarefas partidárias ao mais alto nível. Já ganhei e já perdi, e em todos esses momentos não me zanguei com ninguém, sobretudo quando perdi. Quando ganhei, também acho que não tratei mal ninguém, não me subiu o poder à cabeça, não me deslumbrei, não passei a fazer de conta que era importante. Mesmo os defeitos que tenho vou tentando corrigir. Era conhecido por me atrasar muito, fui-me corrigindo e hoje só por excepção isso acontece.



É um homem de consensos?
Soube fazer rupturas e consensos. Há momentos em que é preciso fazer rupturas. Por exemplo, quando fui presidente do PSD afastei alguns presidentes de câmara de se recandidatarem.

Sabia que isso ia ser mal recebido pelos próprios e pelo aparelho.
Exactamente. Não são decisões fáceis de tomar no plano pessoal, mas são indispensáveis no plano político.

Quis fazer a diferença?
À Justiça compete saber se alguma pessoa cometeu um crime ou não. Mas o político deve avaliar se a imagem e o estatuto de determinado cidadão é credível ou não. Fiz e assumi esse julgamento político. E não era habitual fazer-se em Portugal. Não vale ganhar por ganhar e o ganhar de qualquer maneira. A política deve ter regras e a primeira é a da credibilidade. Também fiz consensos, como a revisão constitucional.

Era essa a que me estava a referir.
Em 1997 fez-se a última grande revisão constitucional centrada nas melhorias do sistema político. Foram negociações difíceis com o Partido Socialista. Reuniões longas, exigentes, com altos e baixos, mas fez-se e foi preciso capacidade negocial. Modéstia à parte, tenho algum mérito nessa matéria, embora deva dizer que os adversários (do PS) eram de enorme qualidade política. O diálogo é uma avenida com dois sentidos. Hoje vejo com muita preocupação que não haja disponibilidade para consensos na sociedade portuguesa.

Na sociedade portuguesa?
Sim, na sociedade portuguesa, mas sobretudo na vida política portuguesa. Há momentos na vida em que a coragem é sobretudo para divergir. Antes do 25 de Abril era preciso ter coragem para divergir. Mesmo depois do 25 de Abril houve muitos momentos em que era preciso ter coragem para divergir. Hoje ter coragem é convergir. O país precisa de convergências em matérias essenciais. Na política, as animosidades pessoais têm de ficar de lado. Hoje, uma parte grande dos dirigentes pensa pouco no interesse nacional, nas próximas gerações.

Porquê?
Estão demasiado focados na lógica eleitoral, na cultura do imediato e não nas próximas gerações. Mais: hoje considera-se que um acordo com o adversário é sinal de fraqueza. Há a ideia de que consensualizar é sinónimo de frouxidão. Penso exactamente o contrário. A capacidade de negociar um consenso para o país exige firmeza de convicções e personalidade. As referências estão todas trocadas.

Essa crítica é recorrente mas ninguém muda.
O fenómeno das redes sociais mudou o ritmo das agendas política e mediática. Influencia mais do que os partidos, os sindicatos, as organizações tradicionais e funciona a uma velocidade vertiginosa. São desafios que levam a olhar mais para o dia-a-dia. Mas um líder político tem de ter capacidade para ver mais longe, orientar, formatar os acontecimentos.

Temos falta de estadistas?
Temos, mas não é fácil de resolver. Preocupa--me mais outra coisa: da esquerda à direita, há uma falta enorme de qualidade dos políticos.

Só agora?
A vida política hoje não é atractiva, ao contrário do que era há alguns anos, desde logo porque é fortissimamente escrutinada. Altamente fiscalizada. Considero isso positivo, mas leva muita gente a não querer sujeitar-se e não é por preocupação de esconder seja o que for. É porque não estão preparados psicologicamente para isso. Em segundo lugar, os vencimentos não são muito recomendáveis, sobretudo para quem é governante.

Nessa perspectiva, nunca foi.
Nunca foi, mas este é hoje um problema maior do que era há vinte ou trinta anos. Ao contrário da maior parte das pessoas, eu distingo entre os governantes e os deputados. Se eu decidisse, melhoraria os vencimentos dos governantes e não dos deputados. Por estarem em exclusividade e o deputado não, e porque a responsabilidade de um governante é incomparavelmente superior à de deputado e é muito mais escrutinado. É preciso bons decisores políticos para ter boas decisões políticas. Não é uma questão de desprezo pelos deputados, mas é ter a noção das prioridades. Acho que os deputados no regime que temos estão bem pagos, os governantes estão mal pagos. E depois há uma outra razão de fundo que nenhum partido quer abordar: o nosso sistema eleitoral. Temos um sistema eleitoral em que se elege deputados que ninguém conhece. O sistema favorece a mediocridade. Este sistema nivela por baixo. Como ninguém sabe quem são os deputados que entram nas listas, os líderes partidários (nacionais, distritais ou concelhios) metem tudo no caldeirão.

Favorece o caciquismo?
Favorece o caciquismo e a mediocridade, porque as duas coisas estão muito ligadas. Devíamos ter um sistema eleitoral em que o eleitor escolhesse um deputado como escolhe um presidente da câmara.Quando uma pessoa vai votar numas eleições autárquicas, sabe que ao votar no PSD está a eleger o presidente da câmara A ou ao votar no PS está a eleger o presidente da câmara B. Sabe quem é a pessoa que está por trás de uma lista partidária. Quando se vota para deputados, não. Isto é mau e, por isso, defendo o sistema de círculos uninominais. Um círculo, um deputado.

Não há interesse em mudar.
Não. Há vinte anos fez-se uma revisão constitucional para permitir este modelo. Os dois partidos são os mesmos que podem agora fazer a lei para o mudar. Vinte anos depois, nem PS nem PSD... Ninguém tem iniciativa porque não querem perder poder. O sistema, tal como está, dá mais poder aos aparelhos partidários.

E dá.
E dá. E não querem desagradar aos deputados que existem. Há que ter a coragem de dizer que, se o sistema eleitoral mudasse, alguns deputados nunca lá iriam parar porque não têm qualidade. Os deputados sabem que é mais importante ir à sede do partido do que à circunscrição eleitoral, porque quem os escolhe é o aparelho. Isto só se muda quando a sociedade civil fizer este debate. Em Portugal faz-se manifestos por tudo e por nada. Mas nunca se fez um manifesto sobre esta questão.



As pessoas sentem que não vale a pena.
Pode ser essa hipótese ou ainda não tomaram consciência da terapêutica que é possível adoptar para este problema. As pessoas têm noção que os políticos estão muito distanciados do povo, não são competentes. Têm noção que o sistema político está doente mas talvez ainda não tenham percebido que há forma de mudar isto. O debate sobre o sistema eleitoral faz-se em circuito fechado. Se não se explicar às pessoas de forma clara, se se falar apenas em círculos uninominais de uma forma vaga, ninguém entende. Os partidos só mudam quando há um movimento de fora para dentro. Um exemplo foi o financiamento partidário. Também havia muitos debates sobre a necessidade de mudar, mas os partidos encontravam sempre formas de adiar, até surgirem escândalos e a opinião pública ter começado a criticar os partidos; lá se fez uma lei que acabou com o financiamento privado. É preciso esta pressão de fora. Antes das eleições todos prometem mudar, mas chegam ao poder e deixam tudo na mesma. PS e PSD. Passos Coelho, antes de ser líder em 2011, prometia mudar o sistema eleitoral neste sentido. Ganhou as eleições, foi primeiro-ministro durante quatro anos e meio, e não o fez. António Costa, quando foi ministro da Administração Interna, até fez um estudo. Chegou ao poder e não fez nada. Este bloco central que actua pelo silêncio e pela omissão é inaceitável.

O país tem o Presidente que precisa?
Eu acho que sim, mas sou suspeito, porque sou amigo dele.

Portugal vivia momentos muito tensos e o Professor Marcelo surgiu como uma pessoa que vinha descrispar o país.
...sem dúvida...

O Presidente é genuíno nesta forma de actuar?
Ele é assim, é genuíno e, por isso, aquilo que ele fez nos incêndios, andar a percorrer o país todo, a confortar as pessoas, está-lhe na massa do sangue. O Professor Marcelo é uma pessoa muito afectiva, muito sensível. Ele aplica nas funções públicas a sua maneira de estar na vida. Não tem nada de calculismo nem artificial, é completamente genuíno. É tudo muito bonito, mas depois de quatro anos de crise fortíssima e grandes sacrifícios, o país estava crispado, muito radicalizado. O Professor Marcelo ajudou a descomprimir a sociedade portuguesa e isso é um contributo notável. O poder mais importante de um Presidente da República é, no meu entender, o poder da palavra. Não é o veto, promulgação ou dissolução, que é muitíssimo excepcional. Neste domínio, o Professor Marcelo é muito difícil de bater, é um comunicador por excelência e tem um talento político invulgar. 

A economia cresce, o desemprego caiu, as pessoas têm dinheiro ao fim do mês, coisa que para muitas famílias não acontecia há alguns anos. No entanto, há agitação social. Quem está insatisfeito? A população ou a máquina sindical?
São as duas coisas ao mesmo tempo. O país está melhor do que estava. Este Governo dividiu o país quando foi criado e ninguém acreditava que tivesse sucesso. Já vai no início do terceiro ano de vida, no terceiro orçamento e, provavelmente, vai cumprir a legislatura. Há um mérito que não pode deixar de ser atribuído ao primeiro-ministro António Costa. Sobretudo por ter criado uma solução estável. A alternativa tinha sido um governo PSD/CDS minoritário, com muita dificuldade em se aguentar até hoje. Mas desde os incêndios de Pedrógão, António Costa e o Governo mudaram. Ficaram mais frágeis, mais descoordenados. Não há semana nenhuma que não haja uma falha, uma asneira, uma descoordenação, e isto está a afectar a credibilidade, a autoridade e a respeitabilidade. Os parceiros PCP e Bloco de Esquerda aproveitam para desgastar o Executivo, para se mostrarem mais oposição e menos parceiros. Falta a oposição tradicional fazer o seu papel. O PSD está a atravessar uma fase em que está entre parêntesis, mas esperemos que recupere rapidamente porque a democracia precisa de um bom Governo e de um boa oposição. 

Pergunta óbvia: qual a melhor opção para liderar o PSD?
Não vou emitir opinião pela razão simples que tomei a decisão de não me envolver. A única coisa que lhe posso dizer é que, no dia 13 de Janeiro, irei votar a Fafe, a minha secção.

... e depois diz em quem votou?
Não... não... Decidi não emitir opinião, porque achei que não era correcto aproveitar uma tribuna como a da televisão para influenciar num sentido ou noutro.

Espera ter oposição a sério...
Isso é o que espero. Espero que o PSD não volte a fazer oposição de forma ressentida. Não está no poder, mas não há mal nisso, foram as regras democráticas a funcionar. Não foi normal? Não. Mas foi a democracia a funcionar. O ressentimento na vida e na política não é bom conselheiro e faz muito mal à saúde. Gostava de ver um PSD mais social, com um discurso mais abrangente, virado para os jovens – que não acredito que se mobilizem a ouvir falar de défice e dívida. E gostava de ver um discurso dirigido ao sector mais dinâmico da sociedade: a classe média. Quase ninguém fala da classe média e foi tão massacrada.

Criou um estilo nos comentários de domingo, de dar notícias em primeira mão. Porquê? No dia 3 de Dezembro anunciou que o Governo vai recuar na decisão de deslocar o Infarmed para o Porto.
Tenho a certeza de ​que é isso que vai acontecer.

Tem noção da responsabilidade do que diz. Como gere isso?
Com muita cautela, para evitar banalizar, e só dou uma informação quando tenho 100 por cento de certeza. Sou muito cuidadoso, desde que comecei acho que falhei pouquíssimas vezes (uma ou duas) e foram coisas de pormenor.

Que hobbies tem?
Gosto muito de ler. Neste momento estou a ler dois livros de jornalistas: um sobre a queda do BES, de Luís Rosa, e a biografia do General Ramalho Eanes, de Isabel Tavares. E gostava de bodyboard mas as minhas costas já não permitem. Já fiz 60 anos. Gosto também muito de música.

De que género?
Sempre ouvi Xutos & Pontapés. Em matéria de música, sou uma espécie de técnico de ideias gerais: gosto de tudo. Gosto de música clássica, de rock português. E estou muito feliz, porque a minha neta com 18 meses adora música. Mas adora mesmo. Fica focada, focada. Com esta idade, já sabe mexer no tablet, nas tecnologias.

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