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14 janeiro 2019
Texto de Maria João Veloso Texto de Maria João Veloso Fotografia de Mário Pereira Fotografia de Mário Pereira

O monstro dança ao som do adufe

​​​​​​​​​​​​​O Centro Cultural Raiano de Idanha-a-Nova documenta a história agrícola da região.

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​Ouve-se o bater do coração, a respiração acusa cansaço, mas é impossível parar. As pernas não deixam. O olhar apaixona-se a cada esquina. Ergue-se aqui “o dorso de monstro” de que falava Fernando Namora, o escritor que praticou medicina na aldeia de Monsanto entre 1944 e 1946. Há fragas, amoras silvestres, piares de pintassilgos, e até o voo desnorteado das varejeiras tem graça. A luz ao entardecer é de oiro, a subida ao castelo foi traçada para atletas de alta competição. 



Na inscrição lê-se «foi um dos primeiros lugares fortificados – sobre anterior castelo muçulmano», que com outros castelos formavam uma barreira de defesa contra os mouros. Lá de cima, a vista é de 360º. Destaque para a barragem Marechal Carmona, que ao entardecer parece um mar onde o céu se deita. 

Para trás deixámos Maria Alice Gabriel, que há 65 anos vende um pouco de tudo na Casa Portuguesa. Aos 87 anos, vive no Portugal Interior, mas já correu mundo. A filha, correspondente da RTP em Estrasburgo, conseguiu levar Portugal como país convidado à feira de Natal da cidade francesa, em 2016. A organização coube a Idanha-a-Nova.


Maria Alice Gabriel, proprietária da Casa Portuguesa

À soleira da porta um grupo de senhoras cose marafonas para os turistas. À volta de uma cruz de pau, costuram uma boneca alusiva à deusa da fertilidade, herdeira de costumes pagãos resistentes no mundo cristão. Só consentem fotos se comprarmos a boneca. «Já estivemos no Brasil com as marafonas», conta Maria da Graça. Não foram as senhoras que foram ao Brasil, mas uma equipa da Rede Globo que as filmou e “levou” até lá. 

Aperitivo: cerveja artesanal na Taverna Lusitana e energias renovadas no Petiscos e Granitos, de João Correia Soares, que depois de 36 anos na Marinha de Guerra encontrou a paz no meio dos tachos. Enquanto põe as travessas na mesa, Daniel Régio conta que Monsanto é há 80 anos a aldeia mais portuguesa de Portugal. Tudo à conta de um concurso promovido por António Ferro, político responsável pelo Secretariado da Propaganda Nacional, no regime de Salazar. Orgulhoso, o chefe faz uma visita guiada por esta casa «que não se sabe se é feita de pedra, ou se a pedra é a casa.» E há fragas a espreitar por todo as salas. A farmacêutica Sofia Valada, cicerone da visita, explica o impacto da região que a acolheu há 23 anos. Natural de Rio Maior, foi para o Ladoeiro, para fugir ao trânsito de Lisboa. 

A Cascata do Pego, em Penha Garcia, é impossível de reproduzir em palavras, talvez o seja através de uma partitura de música ainda não pensada. A paisagem ao redor é majestosa com destaque para a rota dos fósseis que se pode desbravar em percursos pedestres. A dez quilómetros da fronteira, é​ difícil de acreditar que aqui tudo era mar. Negro. A prova dos nove são vestígios de trilobitess, animais que viveram nos antigos oceanos. São reconhecíveis através de registo fóssil e habitaram o planeta há 480 milhões de anos. No fundo do céu passam aviões, mais abaixo grifos sobrevoam o curso do rio Ponsul. Domingos Rodrigues aparece do meio do nada e apresenta-nos o seu maior orgulho, um moinho etnográfico. Lá dentro tem tudo o que é necessário ao moleiro. «Fui eu que fiz isto tudo», conta. Há todo um universo do pão em Penha Garcia e às sextas- -feiras o forno comunitário ainda funciona, o que serve também para o convívio das gentes da terra. A bica de azeite – pão achatado –, além de deliciosa é difícil de fotografar porque todos lhe querem dar uma dentada. 



A história da região não pára de surpreender. Egitânia foi uma importante cidade romana fundada no século I a.C. Hoje responde pelo nome de Idanha-a-Velha e tem a maior colecção de epigrafia romana da Península Ibérica. Na porta norte, onde seria a entrada da cidade restam vestígios de uma falsa porta de defesa. Dos tempos áureos mais recentes – século XX – resta o palacete da Casa de Marrocos, da família latifundiária da região que dava sustento às pessoas da aldeia e arredores. 

O lagar de azeite de azeite, funcionou até 1959 e é actualmente um espaço museológico. Nesse último ano produziu 19 mil litros de azeite. Outra atracção é o Museu Epigráfico Egitaniense que, através de pedestais, altares e pedras fúnebres conta histórias de famílias que aqui viveram há séculos. A Sé, Catedral de Idanha-a-Velha, merece uma visita guiada, pelos seus frescos e história. Passa por aqui o festival de música Fora do Lugar. 


Lagar de azeite em Idanha-a-Nova​​​

Canções ao entardecer em Penha Garcia, para cantar e bailar com as cantadeiras, e o som mágico do adufe. Poesia pura que sai das bocas de Lina Gameiro e de "Ti" Nabais, que, apesar de não estarem trajadas a rigor, chamam a aldeia inteira até si. Vão chegando homens e mulheres calejados pela vida que de um momento para o outro trazem a meninice à voz e entoam as canções. 

"Ti" Nabais de Penha e Idalina Gameiro, com os respectivos adufes

Afamada pelos atributos da água, as Termas de Monfortinho convidam a um banho de água corrente. Sofia Valada faz uma pausa desta romagem numa das mais antigas fontes termais lusitanas, a fonte santa. Situada no sopé da serra de Penha Garcia, esta fonte é usada para doenças de pele, respiratórias, do aparelho digestivo e reumatismo. O rio Erges serpenteia na paisagem. Mas a mais inusitada obra da região é a capela de Nossa Senhora de Fátima, no Campo Nacional de Actividades Escutistas. Inaugurada no Verão de 2017, a obra do ateliê Plano Humano Arquitectos recebeu três galardões nos prémios internacionais Architizer A+Awards. António Lisboa, responsável pelo local, explica que a capela foi feita pela necessidade de haver um retiro espiritual no campo. O edifício simboliza a tenda e o lenço dos escuteiros, e tem por base 12 colunas que representam os apóstolos. À volta só se vê e ouve natureza. Em modo peregrinação, segue-se o Santuário de Nossa Senhora do Almortão. Há dias em que a farmacêutica costuma aqui vir para «olhar para dentro, reflectir e procurar o equilíbrio interior.» 

Com pouco mais de 20 anos, o Centro Cultural Raiano de Idanha-a-Nova documenta bem a história agrícola da região. Nele podemos admirar alfaias e locomotivas que serviam de linha de montagem para debulhar o cereal. 



A melhor forma de terminar a visita é no marco da fundação do Castelo, mandado erguer pelo cavaleiro D. Gualdim Pais.
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