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3 fevereiro 2022
Texto de Sandra Costa Texto de Sandra Costa Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro Vídeo de André Torrinha Vídeo de André Torrinha

O milagre de Santa Cruz

​​​Aos seis meses de vida, Bernardo Castro foi o primeiro sobrevivente mundial a uma doença cardíaca grave. 

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A história de Bernardo Castro está envolta numa aura mística a que até os mais céticos se rendem. Nasceu em 1990 com uma doença cardíaca grave: foi o quarto caso mundial e o primeiro sobrevivente a uma cardiopatia congénita muito rara, a que se dá o nome de síndrome de ALCAPA (Anomalous Left Coronary Artery from the Pulmonary Artery). Foi dado como morto e, inexplicavelmente, regres- sou à vida durante a operação ao coração, aos seis meses de vida. O caso é conhecido como o “milagre de Santa Cruz”. «Converteu muita gente, médicos e enfermeiros» do hospital em Lisboa onde foi operado, conta o homem que nunca esperou chegar aos 30 anos. 

Bernardo acredita que foi um milagre. «Sou um homem de muita fé: em Deus, em mim, nas capacidades humanas. Se a ciência não consegue explicar, alguma coisa deve ter acontecido». O mistério da sua operação foi ouvido, vezes sem conta, da boca dos pais. Durante a delicada cirurgia, falhou a sofisticada máquina norte-americana, o seu único suporte de vida. Nunca tinha acontecido e não foi detetada qualquer avaria na análise posterior à “caixa negra” da máquina. 


Acredita que o autoconhecimento é a base do desenvolvimento pessoal e trabalha diariamente no equilíbrio da sua personalidade


Quando os pais receberam o telefonema do cirurgião, recusaram-se a ir de imediato para o hospital. Agarraram nos nove filhos - Bernardo é o décimo de 13 - e foram a Fátima pedir pela vida do bebé. No regresso a Lisboa, a caminho do hospital, a máquina voltou a funcionar e o bebé regressou à vida. «Correu bem», diz Bernardo a sorrir. Da operação seguinte, aos cinco anos, recorda o momento de retirar os mais de 100 pontos como a experiência mais dolorosa da sua vida. 

Por vezes debate com o cirurgião que o operou, o professor José Fragata, de quem se tornou amigo, se o “milagre” de ter sobrevivido terá determinado a sua personalidade ou se foi a sua natureza que lhe permitiu resistir à operação. Inclina-se para a segunda hipótese: o otimismo com que encara os desafios e a garra pela vida são características intrínsecas e foram essenciais no desfecho da operação. «Acredito que nasci com esta força de viver e isso é que me fez sobreviver». Bernardo passou a infância e a juventude a ignorar as advertências dos médicos e da mãe para não fazer esforços. Corria, brincava, praticou kickboxing, squash, ténis, windsurf, natação, futebol. «Pouca gente fazia tanto desporto como eu». Teve sorte, o coração adaptou-se e os resultados das provas de esforço anuais são cada vez melhores. «Tenho um bom músculo», orgulha-se. 


A fragilidade cardíaca não o inibiu de fazer desporto. Teve sorte, o coração adaptou-se. «Tenho um bom músculo», orgulha-se.


Sabe que arriscava a vida quase todos os dias. Justifica-o com a vontade de viver, até porque «nunca tive medo de morrer». O outro motivo era a necessidade de superar-se a si próprio. Continua a fazer desporto diariamente. Meia hora de treino de força, que inclui 150 flexões, 80 elevações e 150 abdominais, é o seu «mínimo olímpico». Faz natação e atletismo para manutenção. A sua paixão é o desporto competitivo, em equipa. Não exclui a hipótese de vir a fazer um ironman (um triatlo de grande resistência). 

Sempre gostou de sentir-se um exemplo de superação, alguém que aproveita ao máximo o potencial. Ter estado «do lado de lá» mostrou-lhe que «a vida não é garantida» e gerou-lhe urgência de viver intensamente. Passar a bar- reira dos 30 anos foi simbólico, mas continua a não se imaginar velho. «Se morrer hoje, morro feliz, em paz e agradecido pela vida que tive», garante. 


Com a mulher, gere uma empresa de eventos naúticos, a Seaventy, e, durante a pandemia, dedicou-se ao coaching a empresários e executivos


Fazem-lhe confusão as pessoas que adiam eternamente os objetivos. «Se é para fazer, é já», focado na missão que definiu para a sua vida e recita como se fosse uma máxima corporativa: «Viver uma vida equilibrada e inspiradora, pela ligação à família e como exemplo de fé e amor, usando os meus talentos para ajudar os outros a despertar e aproveitar o seu potencial». Nas orações matinais pede para dar mais um passo nesse sentido. Os sonhos de vida encerra-os na concretização desta missão. 

Aos 31 anos, é pai de seis filhas e admite que a família cresça. Com a mulher, gere uma empresa de eventos náuticos, a Seaventy. Há dois anos trocaram Lisboa por Fátima, onde vivia a mãe dele. Foi uma decisão arriscada em termos profissionais, mas era «o certo para a família» e a família é a prioridade do casal. Bernardo acredita que é o trabalho que se adapta à família e não o contrário. Garante que a maturidade pro- fissional aumenta com o número de filhos. «Trabalha-se de outra forma, é obrigatório», resume. Só encontra vantagens nas famílias grandes, em especial quando existe flexibilidade laboral. Naturalmente que a sua empresa é pró-família. «O meu pai dizia: “Se queres ver um filho feliz dá-lhe um irmão, se queres ver um filho muito feliz dá-lhe muitos irmãos”. Com os irmãos, as crianças desenvolvem valores que, de outra forma seria impossível: responsabilidade, partilha, liderança».


Faz desporto diariamente. Meia hora de treino de força, que inclui 150 flexões, 80 elevações e 150 abdominais, é o seu «mínimo olímpico»


Quando a pandemia paralisou o turismo, pondo em risco o ganha-pão da família, Bernardo avançou com um projeto antigo: fazer coaching a empresários e executivos. Nunca teve um ano tão lucrativo. «2020 foi o melhor ano da minha vida, a Seaventy parada, eu dedicado ao coaching e à minha família, em Fátima. Passeávamos, íamos ao santuário, passei ao lado da pandemia», recorda com gratidão. Hoje divide o tempo entre as duas atividades, mas se tivesse de escolher não hesitaria em dedicar-se a 100% ao coaching, que lhe permite criar impacto nos que o rodeiam. «O impacto que crio dissemina-se em várias empresas, é brutal!». 

Bernardo sempre se interessou pelo sentido da existência. Recusa-se a viver em piloto automático e acredita que o autoconhecimento é a base do desenvolvimento pessoal. «Quero chegar à minha melhor versão, morra quando morrer». Usa técnicas de autoconhecimento, como o eneagrama, para caminhar no sentido do equilíbrio da sua personalidade. A necessidade de protagonismo é um dos aspetos pessoais que tenta melhorar. «A tendência para acreditar que o meu valor, ser amado e respeitado, depende de fazer muita coisa e de ser o melhor, o que me levou a fazer coisas de que não me orgulho», reconhece com franqueza. 


Décimo de 13 filhos, Bernardo só encontra vantagens nas famílias grandes: «Com os irmãos, as crianças desenvolvem valores que, de outra forma, seria impossível: responsabilidade, partilha, liderança»


Recolher-se em Fátima, onde tem uma vida mais pacata, ou abandonar as redes sociais, há ano e meio, foram medidas para combater esse «exagero de personalidade». Também procura não se sentir uma vítima do que lhe acontece e olhar com otimismo para as dificuldades. «Acredito que as coisas não acontecem a mim, mas para mim, para eu crescer». De ano para ano, de filha para filha, «é uma medida de tempo», sente-se melhor pessoa. «Aproveito melhor o meu potencial e aproximo-me do que é a minha essência, aquilo que somos quando nascemos, que é amor. E, sim, não sou amor, mas estou mais próximo do que ontem».

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