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9 setembro 2019
Texto de Sónia Balasteiro Texto de Sónia Balasteiro Fotografia de Miguel Ribeiro Fernandes Fotografia de Miguel Ribeiro Fernandes

O menino mais sensível

​​​​​​​Rodrigo tem dez anos e está no espectro do autismo. 

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Rodrigo tem um dom: uma música bonita é o suficiente para o emocionar e deixar em lágrimas. Aos dez anos, de aspecto franzino e olhar meigo, tranquilo, parece ter uma sensibilidade especial para a beleza do mundo, vedada a sentidos menos despertos. Um filme bonito ou a mãe a chorar de alegria têm um efeito semelhante sobre as suas emoções.

A capacidade de se sentir feliz pelas coisas bonitas do mundo veio acompanhada pelo seu reverso. Quando se irrita, é capaz de destruir tudo à volta. Por vezes, é difícil gerir as crises, motivadas sobretudo por demasiado barulho à sua volta, um ambiente desconfortável ou mudanças na rotina. Custos de um diagnóstico que chegou à vida da família tinha o Rodrigo  um ano e meio: distúrbio no espectro do autismo.
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A mãe, Ana, a outra heroína desta história, já tinha ido ao chão antes do duro diagnóstico. Estava feliz, grávida de gémeos, quando os médicos a informaram da necessidade de precipitar o parto: um dos bebés estava a perder líquido amniótico e em perigo. O bebé não resistiu.

O outro gémeo, Rodrigo, teve de encontrar forma de sobreviver, ainda demasiado pequeno, fora do útero da mãe. Tinha apenas 27 semanas de gestação. Era tão difícil que, durante os dois meses seguintes, o bebé permaneceu nos cuidados intensivos. O terceiro mês de vida foi passado nos cuidados intermédios. Durante todo este tempo, Ana encontrou forças onde pôde. Na sua imensa capacidade de olhar para o lado bom da vida. No tremendo amor pelo filho.

Rodrigo foi, finalmente, para casa. Uma batalha estava ganha. Mas viriam muitas mais. Às vezes, a vida é assim: traz uma tempestade e, quando pensamos ter passado, vem nova tormenta para testar a resistência ganha.



Em casa, a criança teve de ser acompanhada de forma especial. Devido à sua grande prematuridade, e apesar de não ter tido as consequências mais nefastas, como descolamento da retina, tinha outras dificuldades. Demorava mais tempo a conseguir fazer o mesmo que as outras crianças da sua idade. Mas aprendeu a andar e a falar, depois do primeiro aniversário.

Um dia, tinha cerca de ano e meio, perdeu as competências ganhas – deixou de caminhar, de falar. No início, a mãe não se alarmou. Pensou que houvera algum susto do qual não se apercebera. Mas ele não voltava ao normal. Os pais decidiram levá-lo ao médico.

O retrocesso no desenvolvimento é um dos sintomas da perturbação no espectro do autismo. E Rodrigo tinha outros sinais: comportamentos obsessivos, repetitivos. Também gostava de andar junto a muros, a paredes, à procura de um limite para lhe ordenar o mundo.

A família recebeu a notícia em choque. «Foi muito difícil, pensámos logo em casos mais graves. Mas não é por acaso que se chama espectro», recorda Ana. 

Mais uma vez, levantou-se do chão perante o imperativo de ajudar o filho. Tentou perceber qual o nível da perturbação. «Era um nível ligeiro». Com trabalho, disseram-lhe, poderia recuperar muitas das capacidades. Nasceu a esperança de Rodrigo se tornar uma criança «normal». 



Começaram de imediato as terapias, tanto a nível do desenvolvimento da motricidade fina como do desenvolvimento cognitivo. Seriam fundamentais no futuro. Entre terapias e os imensos desvelos da mãe, cresceu. Hoje frequenta o quinto ano, no ensino especial. Tem um porco-da-índia como animal de estimação. É feliz. 

Continua a lidar com a irritabilidade e com dificuldades de relacionamento. «Ele tem alguma dificuldade em brincar com outras crianças porque, como ainda tem certas obsessões, as suas brincadeiras tornam-se muito repetitivas e as outras crianças acabam por fartar-se», diz Ana, com visível tristeza. Com adultos é diferente. Rodrigo sente-se confortável e parece preferi-los.


Francisco aprendeu a respirar lentamente, para se acalmar

Gerir as suas emoções continua a ser um grande desafio mas, apesar das dificuldades, a medicação tomada desde os dois anos ajuda-o bastante a equilibrar-se. Deixou, por exemplo, de auto-agredir-se, como fazia em pequeno. Além disso, conhece-se e aprendeu a respirar lentamente e a recorrer a Ana nos momentos mais difíceis. «Às vezes,  pede-me: “Mãe, ajuda-me  a acalmar”», conta ela.

Do outro lado da balança, estão as emoções positivas: além da capacidade rara de encantar-se com a mais simples beleza do mundo, este rapaz adora dar e receber carinho. «É muito meigo. Sempre manteve o contacto visual e adora mimos, abraços». 

Talvez por isso, assusta-a a possibilidade de o filho sentir- -se só. No primeiro ano na escola, não conseguiu fazer amigos. Agora já tem alguns, sobretudo raparigas. Mas Ana sabe que, em alguns intervalos, o filho fica sozinho a conversar com as auxiliares da escola. «Para uma mãe é complicado», entristece-se. 

Ao olhar e conversar com ele, não se percebe nenhuma diferença em relação a outras crianças. As terapias permitiram-lhe evoluir «imenso». A tal ponto que já passou de uma perturbação do espectro do autismo para um comportamento social autístico, menos grave. 

Ana é cautelosa mas firme nas expectativas. «Este caminho pode ter retrocessos e muitas vezes há», diz. Basta uma mudança de rotina, como acontece nas férias, para as coisas se tornarem mais complicadas. Mas, com o trabalho realizado com a psicóloga e com o ensino especial, a mãe não tem dúvidas: vai conseguir ser um adulto autónomo, feliz. «Os problemas de autismo vão ser confundidos com mau feitio, provavelmente». 

Entretanto, o dia-a-dia continua a ser um desafio cumprido com alegria. «Sou uma pessoa muito optimista, sempre fui. Tendo a ver sempre o copo meio cheio», diz Ana. Não significa a inexistência de crises. «Há uma carga. Há dias muito maus para mim», confessa. Vale- -lhe o apoio da família. Os avós paternos, descreve, «dão-lhe bastante mimo e atenção». Os seus pais e irmã também. «Toda a gente está sempre ali para o Rodrigo».


Ana canta em casas de fado, a música que a apaixona​

Ela não se esquece de tirar tempo para si. Faz retiros de vez em quando e canta fado na Mouraria, em Lisboa. Vê o futuro com bons olhos: «Ele está a fazer o seu caminho. É uma criança feliz, embora com alguns momentos complicados». Ana acredita que, à medida que for crescendo, o filho vai saber gerir melhor as emoções e as relações com os outros. 

A sensibilidade para a beleza, essa, fará sempre parte da essência deste rapaz franzino e olhar meigo e tranquilo. ​

 

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