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8 fevereiro 2021
Texto de Sandra Costa Texto de Sandra Costa Fotografia de Pedro Faria Fotografia de Pedro Faria

O arquipélago das crianças

​​​​​Ao nascer, cada madeirense tem um apoio extra na saúde.​

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​No bairro da Ribeira Grande, no mesmo prédio onde viveu a avó de Cristia​no Ronaldo, mora Oriana Spínola, mãe da pequena Luana. Tem nome de fada, é bailarina de profissão. O corpo esguio não acusa o parto recente. Também a gravidez passou despercebida. Oriana tem 21 anos, só descobriu que estava grávida aos seis meses. Mas ficou contente. Partilha a grande aventura de ser mãe com Jéssica Spínola, a tia de 23 anos que há um ano deu à luz a primeira filha, Emily Matilde. Moram porta com porta. No hall do rés-do-chão do prédio da freguesia de Santo António, Emily ensaia os primeiros passos, Luana aninha-se no colo da mãe. As duas jovens riem e brincam com as bebés.



No prédio onde viveu a avó de Cristiano Ronaldo crescem Emily e Luana, filhas de Jéssica e Oriana. Ambas estão desempregadas, o apoio à maternidade vai ser muito útil

Foi Maria José, mãe de Oriana, quem primeiro soube do Kit Bebé. É um cartão que garante a todas as crianças nascidas na Região Autónoma da Madeira (RAM), desde Janeiro de 
2019, acesso gratuito, nas farmácias, a produtos de saúde e bem-estar, medicamentos de uso pediátrico e vacinas não incluídas no Programa Nacional de Vacinação (PNV). No primeiro ano, a iniciativa do Governo Regional, em parceria com a Associação Nacional das Farmácias e a Associação Dignitude, beneficiou 1.779 famílias. Este ano, a meta é ultrapassar as 2.000. Emily Matilde recebeu 400€ em 2019, Luana teve direito a 500€ em 2020. O cartão foi «uma grande ajuda» para Jéssica, garante Maria José. Nem ela nem o pai da menina trabalham. Para Oriana, também vai ser. Na casa onde vive com os pais, os quatro irmãos e a filha, só o pai trabalha, quando aparece trabalho. É pedreiro. O cartão de Emily Matilde durou quase um ano, Jéssica usou-o para comprar leite, o termómetro, a tesoura e outros bens essenciais para a filha. Oriana planeia usar o cartão para as vacinas. «São importantes, mas não sei se vou comprar todas, são caras», desabafa.


O Governo Regional da Madeira comparticipa na saúde de todos os recém-nascidos no arquipélago

A maioria das famílias que recebe o Kit Bebé utiliza-o para comprar as vacinas aconselhadas pelos médicos e ainda não incluídas no PNV. No primeiro ano de vida são as vacinas contra a meningite B e contra o rotavírus, principal causador de gastroenterites em crianças. Para garantir esta protecção adicional aos seus bebés, cada família tem de desembolsar centenas de euros. Nalguns casos, são os avós que asseguram a despesa, noutros as carências financeiras falam mais alto e os bebés não são vacinados. Até 1 de Outubro de 2020, o PNV não abrangia a vacina contra a meningite B, nem a do rotavírus, agora gratuita para grupos de risco. Na Madeira, o Kit Bebé facilita o acesso a todas as vacinas: em 2020 representaram 54% dos 750 mil euros das comparticipações do programa.


«Este apoio é uma ajuda gigante», considera Miguel Pires, músico profissional que conhece bem a realidade da ilha

Até agora, o cartão de Madalena só serviu para as vacinas. Tem dez meses, a mãe amamentou-a até aos oito meses e meio, medicamentos «quase não foram precisos». Miguel e Marisa Pires, ele músico, ela recepcionista num hotel, ficaram satisfeitos quando souberam que o cartão era atribuído a todas as pessoas, independentemente dos rendimentos. Teriam feito o esforço de comprar as vacinas, mas têm consciência de que outras famílias podem não conseguir fazê-lo. «É uma ajuda gigante. E quanto menor for o rendimento das famílias mais importante é», diz Miguel.

No lado Norte da ilha, no concelho de São Vicente, o coração da floresta Laurissilva, vive a engenheira civil Nídia Neves. Tem 36 anos, deixou a Madeira para estudar, voltou. Construiu casa num terreno da família, circundad​a pela montanha verdejante, com uma vista espectacular para o cume encimado pela capelinha de Nossa Senhora de Fátima, o mar ao fundo. Há oito meses foi mãe da pequena Nádia, é aqui que quer ver a filha crescer. Valoriza as raízes, a tranquilidade, a proximidade da família. Também ela usou nas vacinas o apoio do Kit Bebé. «São incentivos que ajudam a fixarmo-nos e termos filhos. Temos boas condições», assegura, e menciona a creche, os transportes públicos e os livros escolares gratuitos.

Ana Paula Jesus concorda que hoje é mais fácil ser mãe na Madeira. «Cruzes, nem há comparação!», garante. Fala por experiência própria. Foi mãe adolescente, aos 34 anos tem cinco filhos. Vivem, com o marido, jardineiro, no bairro de Santo Amaro, um empreendimento de habitação social do município do Funchal. Está a par dos vários apoios a que tem direito, incluindo o de família numerosa. Este, do Kit Bebé, é «mais uma boa ajuda».

A família numerosa de Ana Paula não é a regra na RAM. O índice de fecundidade é o mais baixo do país: uma mulher madeirense tem, em média, 1,15 filhos. Em 2018, a RAM teve a segunda taxa de natalidade mais baixa do país. Pior só mesmo a região Centro. Nasceram 7,6 bebés por cada mil habitantes, a média nacional é de 8,5, como refere o Atlas Estatístico da RAM. A situação só não é mais dramática graças aos bebés venezuelanos que nascem na região.


Vasco acabou de nascer na maternidade do hospital do Funchal

No serviço de obstetrícia do Hospital Dr. Nélio Mendonça, onde os cartões são entregues às famílias no momento da alta, os progenitores conversam sobre o Kit Bebé. Nos berços dormitam os recém-nascidos: o Henrique, o Vasco, a Madalena. Souberam do programa através de amigos, dos serviços de saúde, das redes sociais ou da comunicação social. Mostram-se contentes com o reforço do valor para 500 euros. «É uma boa ajuda», dizem, para as vacinas, fraldas, papas, «o que for preciso».

Depois das vacinas, os produtos mais comprados com o cartão são papas, chupetas, biberões e leites. Também cremes e produtos de higiene. Luís Sampaio, director-técnico da Farmácia dos Dragoeiros, na Ribeira Brava, vê com satisfação que agora os utentes seguem mais facilmente os seus conselhos. Por exemplo, quando sugere um bom creme para tratar uma erupção cutânea do bebé. «As pessoas já não estão sujeitas à pressão financeira, o cartão libertou-as para terem as crianças mais bem tratadas», afirma o farmacêutico. A poupança no valor das vacinas cria disponibilidade para investir na saúde. «O Kit Bebé contribui para a melhoria da qualidade de vida da criança, mas o seu impacto abrange o agregado familiar e a própria comunidade», nota o farmacêutico Pedro Pires, director-técnico da centenária Farmácia Portuguesa, mesmo no centro do Funchal.


Érica Oliveira escolhe a Farmácia Moderna, em Câmara de Lobos, para comprar a vacina contra a meningite B para o filho

Érica Oliveira escolhe a Farmácia Moderna, em Câmara de Lobos, para comprar a vacina contra a meningite B para o filho. Esteve emigrada em Inglaterra durante quatro anos, onde trabalhou como bartender. Voltou por saudades da família e da terra que a viu nascer. «Viver aqui é a melhor coisa que a gente pode ter», diz, feliz com a experiência «espectacular» da maternidade e com o casamento previsto para o ano. Vive no concelho com a maior taxa de natalidade da RAM. No Norte da ilha ficam os concelhos onde há menos crianças a nascer: Porto Moniz e São Vicente, onde vive Nídia Neves.


«O Kit Bebé, por si só, não promove a natalidade, mas contribui para aumentar a protecção dos bebés e prevenir infecções graves», afirma o pediatra José Luís Nunes

Em 2019, houve menos 50 nascimentos. O Kit Bebé, «por si só não promove a natalidade, mas é uma mais-valia, especialmente por causa da vacinação. Contribui para aumentar a protecção dos bebés e prevenir infecções graves», considera o pediatra José Luís Nunes. Orgulha-se de a Madeira ter uma das melhores coberturas vacinais do país, mas recorda-se de os pais se queixarem de que não podiam pagar as vacinas extra-PNV. Agora, já são eles que perguntam. «Doutor, quando é que fazemos as vacinas?».

Só daqui a três a cinco anos será possível perceber se o Kit Bebé conseguiu inverter o declínio na curva de natalidade da RAM. «Agora, sabemos é que as crianças que nasceram em 2019 e 2020 tiveram outro tipo de possibilidades que as crianças que nasceram antes. Esse é um facto positivo», conclui o secretário regional de Saúde, Pedro Ramos.

 

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