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30 setembro 2021
Texto de Sandra Costa Texto de Sandra Costa Fotografia de Mário Pereira Fotografia de Mário Pereira Vídeo de André Torrinha Vídeo de André Torrinha

Memórias da Carrapateira

​​​​​​​Na antiga aldeia piscatória há estórias de corsários marroquinos e de um modo de vida que desapareceu.​

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​A Carrapateira foi saqueada por corsários marroquinos pelo menos duas vezes. Mataram, saquearam a igreja, raptaram jovens para vender como escravos em Argel. O sino foi encontrado junto ao mar. «Há notícias do corso em toda a Costa Vicentina, no caso da Carrapateira foram encontrados dois livros do século XVII que relatam dois saques quase sucessivos», explica José Marreiros, fundador da Associação de Defesa do Património Histórico e Arqueológico de Aljezur. Construído em 1673, o forte da Carrapateira relembra a necessidade antiga de proteger as populações.  

Da história da Carrapateira fazem parte memórias longínquas e outras que ainda habitam o peito de quem as viveu. As lembranças de Maria Teresa Marques, 80 anos, repetem as da comunidade, gente que viveu da pesca e da agricultura. Aos seis anos ia de burro, sozinha, levar o almoço ao pai, pescador, no fundo da rocha onde ele tinha o casebre. Era para ali junto ao portinho da Zimbreirinha, no Pontal da Carrapateira, onde ainda se vêem as casinhas de colmo, usadas agora para guardar utensílios de pesca, e as esteiras colocadas na rocha para onde eram içados os barcos, para fugir à fúria do mar. O pai vivia ali, só regressava à aldeia ao fim-de-semana. A mãe dizia-lhe para deixar a comida no topo da rocha, mas ela descia. Não tinha medo. «Toda a gente se conhecia, se aparecesse alguém era um pescador que ia apanhar um peixinho», recorda.  

Mais tarde, viveu um ano em Almada, para onde migrou parte da família, mas regressou. Era solteira, ficou a tomar conta dos pais, já velhotes. Para viver fez de tudo: apanhou polvos (à mão), acartou limos pela rocha acima, fazia rendas que a irmã vendia em Lisboa. «Ninguém sabe o que nós passávamos, mas eramos felizes uns com os outros. Não sabíamos nada de política. Eu pensava que o Salazar era nosso pai e que se morresse ficava órfã. Vivíamos nessa ilusão». Já depois do 25 de Abril, foi contratada pela autarquia para fazer limpezas, trabalhou lá 26 anos. Ainda faz umas limpezas no Museu do Mar e da Terra, «nada muito pesado, que já tenho 80 anos». Criado com o contributo da comunidade, o museu é um espaço intimista onde as lembranças da vida antiga conservam-se penduradas em fotografias nas paredes e objectos do quotidiano de então. Maria Teresa doou muitos objectos e fotografias, tantos que lhe chamam “mãe do museu”.

 
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