Uma comissão independente está a trabalhar há seis meses na identificação e denúncia de crimes de abusos sexuais contra as crianças, na Igreja Católica Portuguesa. Esta é uma missão particularmente dolorosa, até porque enfrenta dois tabus: abusos sexuais a crianças e Igreja Católica. Os resultados serão entregues em dezembro à Conferência Episcopal Portuguesa e ao Ministério Público.
“Dar voz ao silêncio” foi o mote escolhido para espelhar o objetivo do trabalho. Para Pedro Strecht, a missão não é totalmente nova, mas o cuidado, a segurança da confidencialidade, o rigor científico na recolha de testemunhos e o sentido de missão que ele, e a equipa que coordena, colocam na recolha dos testemunhos, é total.
O pedopsiquiatra elogia a coragem da Conferência Episcopal Portuguesa ao responder ao repto do Papa Francisco para identificar e denunciar os abusos sexuais cometidos. «Queremos que as pessoas se sintam ouvidas em todo o país e precisamos de todos para chegar a camadas da população no Interior com menor literacia e que pode ainda desconhecer o trabalho que estamos a promover», explica.
Assumindo que não são uma equipa de saúde mental, garante: «Não deixamos ninguém para trás». Para os especialistas que compõem a comissão independente (ver caixa), mesmo sabendo que muitos casos possam ter prescrito ou sejam de difícil prova em termos judiciais, há um efeito direto junto das vítimas, muitas delas já na terceira idade. «A expectativa de libertação individual é o mais importante», refere.
Reviver situações traumáticas tem sempre consequências, mesmo para quem tenha beneficiado de acompanhamento profissional. «Temos pessoas que ligaram e já tinham tido apoio no passado, mas que voltam a necessitar de acompanhamento. Para quem não disponha de meios para recorrer a apoio profissional, estamos a dar retaguarda até que possa ser devidamente acompanhado», sublinha Pedro Strecht.
Cada pessoa é ouvida individualmente por cada elemento da comissão independente. Os testemunhos podem ser dados por escrito, por telefone ou de forma presencial. Por razões de segurança, o local de entrevista presencial não é divulgado.
A confidencialidade é a preocupação maior. Só em ambiente seguro e protegido as pessoas conseguem partilhar. E têm sido muitos os testemunhos, incluindo casos da década de 1930 e pessoas de todos os níveis socioeconómicos. Em comum, há o peso do trauma. E o silêncio. Como explica o pedopsiquiatra: «O silêncio é o segundo inimigo das vítimas». E é sobre esse que esperam poder ajudar.
O apelo da equipa da comissão é claro: «Qualquer pessoa que tenha sofrido esse tipo de situação pode e deve dar o seu testemunho, contando desde logo com o sigilo profissional da equipa e a garantia do seu anonimato».
Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa
A comissão foi constituída em dezembro de 2021, para realizar um estudo sobre abusos sexuais praticados contra crianças e adolescentes (dos 0 aos 18 anos de idade) no seio da Igreja Católica Portuguesa. Na página oficial pode ler-se: «A comissão afirma-se como uma estrutura isenta e independente, ou seja, autónoma e não influenciável por qualquer força externa que queira ou possa desejar vir a alterar o seu objetivo central: dar voz ao silêncio de todas as vítimas deste tipo de crime. Respeita as diferenças de religião ou a sua ausência, etnia, sexo e género, tendo como desígnio a sua posição neutra e inclusiva sobre toda e qualquer diversidade».
A equipa é composta pelo coordenador Pedro Strecht, médico de Psiquiatria da Infância e Adolescência; Ana Nunes de Almeida, socióloga, investigadora do Instituto de Ciências Socias da Universidade de Lisboa; Daniel Sampaio, médico psiquiatra; Álvaro Laborinho Lúcio, juiz conselheiro; Filipa Tavares, assistente social; e Catarina Vasconcelos (membro externo), realizadora e designer.
Contactos:
geral@darvozaosilencio.org | T. +351 91 711 00 00
Comissão Independente
Apartado 012079
EC PICOAS – LISBOA
