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9 dezembro 2019
Texto de Sónia Balasteiro Texto de Sónia Balasteiro Fotografia de Miguel Ribeiro Fernandes Fotografia de Miguel Ribeiro Fernandes

A cidade de neve e lã

Chamavam à Covilhã a Manchester de Portugal​.​​

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Se fosse uma pessoa, diríamos que tem um porte aristocrático. Mas é uma cidade, filha da neve e da lã, necessária para proteger as ovelhas que pastam na Serra da Estrela. A Covilhã é memória viva da produção de lanifícios em Portugal. A vida da cidade renova-se todos os outonos com a chegada dos estudantes da Universidade da Beira Interior. Todos os anos, cerca de sete mil jovens aumentam a população de quase 52 mil habitantes. Muitos procuram o Departamento de Ciência e Tecnologia Têxteis, que procura reinventar esta produção ancestral. 

O granito é o outro senhor da paisagem. Usado desde sempre nas casas que se erguem no sopé da serra. Em todas as ruas, a Estrela é omnipresente, ditando o ritmo dos dias. No Inverno, encurta-os mesmo em algumas horas, com a sua sombra dominadora. 

Delfina, enfermeira no centro de saúde, chegou há 15 anos à cidade da neve. Coimbrã de nascimento, veio por amor. Amor a um homem e depois  à cidade, que passou também  a ser a sua. 


Há 15 anos, o amor levou Delfina Ferrão a mudar-se para a Covilhã​​

Uma história de amor estará também na origem do nome da cidade. Reza a lenda que tudo começou com o rei Rodrigo e a bela Florinda. Em meados do ano de 700, o Conde Julião, governador de Ceuta, enviou a sua filha Florinda à corte do rei Rodrigo, o governante visigodo da Hispânia. 

A intenção do conde era conseguir um bom casamento para a filha mas Rodrigo encantou-se de tal forma  pela beleza de Florinda que a desflorou. 

Encolerizado, Julião aliou-se aos mouros e ajudou-os na conquista da Península Ibérica, derrotando Rodrigo. A bela Florinda refugiou-se na Beira. Pela sua conduta imprópria, ganhou o epíteto de Cava, que significava mulher pérfida ou devassa. Daí terá surgido o nome Cava Juliana, hoje Covilhã. 


Jardim Municipal da Covilhã

Junto à Ponte da Ribeira da Carpinteira, erguida para permitir o acesso entre zonas de declives profundos, fica o Jardim Municipal. O ar é mais puro, parece mais fácil de respirar. E, logo ali, a alta Serra da Estrela. 

Da ponte pedonal da Carpinteira vê-se a terra inteira. O casario antigo e o novo a estender-se já sobre a planície.​

Nas ruas, os murais evocam a tradição dos lanifícios

Pelas ruas do centro, há murais a falar das histórias da terra. Uma mulher a tecer. Um velho a pastorear. É fácil encontrá-lo ao vivo na serra, com as suas cabras montesas sem receio  de atravessar a estrada.

Todos os recantos evoca a lã. Disso mesmo é exemplo o provérbio escrito na parede:

«Se os filhos de Adão pecaram, os da Covilhã sempre cardaram».

A evocação da parte do processo pelo qual passa a lã, depois de tosquiada e lavada, mostra a força do ofício.

A arquitectura da cidade participa neste diálogo permanente com o passado através da recuperação de antigas fábricas de lanifícios, construídas junto a ribeiras cuja água era, entre outras coisas, usada para lavar a lã.

Esses antigos edifícios onde, em tempos, trabalhavam famílias inteiras, são hoje utilizados para alojar instituições como a Universidade da Beira Interior. 


Pormenor de fiação no Museu de Lanifícios

Mas não só. Alojam também os dois pólos do Museu de Lanifícios. É lá que se conhece toda esta história. A importância da produção da cidade para os descobridores do séc. XVI. O orgulho do Marquês de Pombal nesta terra. As máquinas a vapor. Os teares antigos. 

Diz Delfina: «A maior parte das pessoas trabalhava nos lanifícios. Famílias inteiras. O museu retrata essas empresas antigas, a vida do trabalhador dos lanifícios, os teares, toda aquela parte manual de antigamente».

Chegou a ganhar o cognome da cidade inglesa mundialmente conhecida pela produção têxtil. Chamavam-lhe Manchester de Portugal. E a cidade beirã não perdeu a tradição. Reinventou-a. «Temos menos fábricas. Mas ainda temos. E temos muita gente a trabalhar nos lanifícios. Agora está tudo mais industrializado».

Subindo a estrada da Serra da Estrela em direcção a Manteigas, desvenda-se a beleza imensa em baixo, com as povoações dispersas pela planície.

Do lado oposto fica o antigo Sanatório das Penhas da Saúde, usado em tempos para tratar tuberculosos, e hoje transformado em hotel de cinco estrelas. 

A pitoresca aldeia de Inverno, onde muitos covilhanenses têm casa, ergue-se com as suas casinhas térreas em granito sobre o verde da serra. Essa aldeia chama-se Penhas da Saúde, e o nome não é por acaso. Acreditou-se que o ar da serra dava verdadeira saúde a quem o respirava. E ainda se acredita. 

Um rebanho de cabras atravessa-se ao caminho, comandado pelo pastor Zé,  no ofício de toda a vida. Ele come pão com queijo feito em casa, e uma das cabras ​reclama direito ao manjar. O pastor chama-a pelo nome e partilha. São companheiros de muitos dias. 


A gastronomia é um dos pontos fortes da zona

Escondido pelo arvoredo, fica o Covão d'Ametade: o lugar onde nasce o rio Zêzere, que daqui segue até Constância para desaguar no Tejo. As árvores enormes ladeiam a ribeira que percorre o parque. Alguns campistas aproveitam o ar puro para renovar a energia. A beleza é imensa, nota Delfina. «Só se entende vindo cá, sentindo este lugar». 

Mas a serra, que ganhou o nome pela história de um pastor guiado por uma estrela, reserva outros recantos. Há também quem conte que deve o nome a Aldebaran, a mais brilhante estrela da constelação de Touro, que nasce na alvorada em finais de Abril, inícios de Maio. O nascimento de Aldebaran seria usado para marcar a transição para climas mais quentes e, portanto, para os pastos da Serra da Estrela.


Vale Glaciar do Zêzere

O Poço do Inferno, a 1.080 metros de altitude, é um dos lugares imperdíveis da cadeia montanhosa. O poço nasceu da pressão de uma queda de água de dez metros de altura, formada pela Ribeira de Leandres. As águas puras transformam-se em gelo com a chegada das temperaturas mais frias. 

Na descida de regresso à cidade, as lagoas pedem olhar atento, a reflectir o céu. Também elas gelam no Inverno. O ziguezague continua até à Covilhã. A temperatura continua fresca. 

O ar, esse é o mais puro. Enche os pulmões de vida. Só isso vale o regresso, uma e outra vez, à mais elevada serra do país. ​

 

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