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29 julho 2021
Texto de Vera Pimenta Texto de Vera Pimenta Fotografia de José Pedro Tomaz Fotografia de José Pedro Tomaz Vídeo de Vasco Rocha Vídeo de Vasco Rocha

A borboleta do Douro

​​Gaia é maior do que imagina.​​

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​Do alto do Jardim do Morro, as águas tranquilas do rio Douro desenham os contornos da paisagem. No horizonte, o teleférico de Gaia sobrevoa calmamente os barcos rabelos baloiçantes, atracados no cais. Na zona ribeirinha, turistas e conterrâneos perdem a noção do tempo no conforto de esplanadas com uma das vistas mais privilegiadas da região. Talvez nem todos saibam que o lugar onde hoje se sentam era Portus Cale antes do país ser Portugal. 

Dos miradouros de cortar a respiração até às ruas estreitas que convidam a partir à descoberta, Vila Nova de Gaia é um concelho de contrastes entre o rural e o urbano, em constante reinvenção. 

No coração do centro, camufladas entre os edifícios apertados, há casas que guardam a doce receita secreta da felicidade, envelhecida e apurada em cascos de madeira. Trazido directamente das videiras da mais antiga região demarcada do mundo, é nas caves de Gaia que o Vinho do Porto tem lugar de descanso desde o século XVII. 

Além do maior número de espaços livres, também a menor exposição solar pesou na decisão de hospedar este néctar na margem Sul do Douro. Manuela Dias tem conhecimento de sobra nesta matéria. «Que nem Almeida Garrett, nasci no Porto, mas fui criada em Gaia. É a minha cidade do coração». 


Do vinho ao chocolate, o melhor que se faz no país está em destaque no World of Wine 

Amante de viagens, principalmente desde a entrada para a reforma, foi com espanto que a médica cirurgiã, de 67 anos, se deparou pela primeira vez com o grandioso World of Wine (WOW). «É excepcional. Nunca vi nada assim». 

Foi em 2020 que o autoproclamado «quarteirão cultural» veio dar vida a uma área de antigos armazéns de Vinho do Porto. Ao longo de mais de 50.000 metros quadrados, há terraços com vistas panorâmicas para o Douro, nove restaurantes com conceitos para todos os gostos, seis museus temáticos, e até uma escola de vinho. 

O espaço tem uma dimensão sem paralelo. 

«E não vamos ficar por aqui». Ana Maria Lourenço, responsável de comunicação, aconselha a aproveitar o WOW com tempo. «É muito difícil ver tudo num dia». Para facilitar a organização do roteiro, há bilhetes individuais e packs económicos com duração de seis meses. Já o acesso ao espaço exterior é gratuito e, além das «vistas fabulosas sobre a frente ribeirinha», inclui os imperdíveis espectáculos nocturnos de video mapping. ​


“The Wine Experience” é uma viagem ao mundo do vinho, a começar pelas origens 

O museu do vinho é o principal pilar do conceito que pretende celebrar o que de melhor se faz na região e no país. Dividido em dois pisos, o “The Wine Experience” leva o visitante por uma viagem multissensorial, que atrai curiosos, amantes de vinho e até enólogos. Desde a exposição dos diferentes tipo de solo até uma escultura gigante do interior de uma uva, as primeiras salas transportam-nos às origens da produção do vinho, com recurso a painéis interactivos e a desafios que despertam os sentidos. 

No segundo andar, as regiões vitivinícolas de Portugal estão em destaque, numa exposição que percorre o país de Norte a Sul. «Portugal é um microcosmo do vinho que se faz no mundo inteiro e temos de nos orgulhar disso», explica Ana. 


A Reserva Natural Local do Estuário do Douro, onde rio e mar se encontram, é a estação de serviço das aves 

Partindo do WOW, a marginal de Gaia está a dois passos. Repleta de ciclovias e passeios pedonais, a estrada que abraça os contornos da cidade pede contemplação demorada. No final da viagem, a Reserva Natural Local do Estuário do Douro é a desculpa perfeita para estacionar o carro e observar as aves que por ali descansam antes de seguirem a sua rota de migração. 

A identidade do terceiro concelho mais populoso do país não estaria completa sem a sua orla costeira, guardiã da memória dos áureos tempos burgueses, e palco de algumas das mais belas praias portuguesas e aldeias piscatórias com tradições que se mantêm até aos dias de hoje. 


A Capela do Senhor da Pedra é o cartão de visita da praia de Miramar 

Em Gulpilhares, a Capela do Senhor da Pedra ergue-se por entre a areia, no topo de um rochedo. De costas voltadas para o mar e braços abertos aos visitantes, a edificação já valeu à praia de Miramar o título de mais bonita da Europa. 

A Sul, a placa “Rua Eça de Queiroz” deixa adivinhar uma época em que a praia da Granja foi ponto de encontro das elites portuguesas. Manuela Dias fala dos tempos de glória da freguesia onde o aclamado escritor português passava os verões, atraído pelo extenso areal, os picadeiros e as ruas enfeitadas de plátanos que ostentavam grandiosos solares e chalés. «Continua a ser um local nostálgico». 


A antiga Quinta da Costa, com registo desde 1042, foi casa senhorial de inúmeras personalidades ao longo dos séculos

O encontro com Eça está marcado no Solar Condes de Resende, no mesmo banco de jardim onde o escritor se enamorou da sua futura esposa. A antiga casa senhorial, localizada em Canelas, alberga hoje o Centro de Documentação Histórica da Câmara Municipal de Gaia, bem como o Núcleo Museológico de Arqueologia. E é um dos lugares favoritos de Manuela. 

Gonçalves Guimarães, historiador e responsável pelo equipamento cultural, guia o visitante com perícia pelas salas carregadas de colecções que contam histórias de outros tempos. A visita culmina no Jardim das Camélias, onde a estátua de Eça de Queiroz​ aguarda sentada ao fundo. Neste espaço reúne-se a Confraria Queirosiana, dedicada ao estudo e à divulgação da vida e obra do autor. 

Em Avintes, não só a broa é motivo de paragem obrigatória. Ao caminhar pela vila, é impossível ignorar as placas que indicam o caminho até ao Parque Biológico. «É a nossa jóia da coroa», comenta Manuela Dias. Inaugurado em 1983, com dois hectares, o parque tornou-se no primeiro centro permanente de educação ambiental no país. A área agro-florestal tem hoje 35 hectares. 

Henrique Alves, biólogo e orgulhoso director da colecção zoológica, recorda que as ervas dos beirais das estradas que atravessam o espaço são deixadas por cortar propositadamente. «É uma forma de garantirmos a sobrevivência das espécies que ali vivem». Nada é deixado ao acaso. 

A meio do parque, a travessia é facilitada pelos recém-criados passadiços de madeira que, nas noites quentes de Verão, se deixam iluminar por centenas de pirilampos, num espectáculo que promete maravilhar miúdos e graúdos. Em comunhão com a Natureza, o visitante é convidado a entrar neste mundo imprevisível, onde a biodiversidade está à espreita. Pelo caminho, a folhagem das árvores dança ao sabor do vento e os pássaros chilreiam. No frenesim do silêncio, quase é possível ouvir o bater de asas de uma borboleta. A Natureza chama; basta parar e escutar.

 
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