RFP: Diz que é jornalista.
JEM: Sou basicamente jornalista.
RFP: Hoje, o que gosta mais? Da informação ou da programação?
JEM: Quem é intrinsecamente jornalista, prefere sempre ser jornalista. Mas acho que o jornalismo me ajudou imenso na programação. Esse talvez seja o grande segredo: eu vi sempre a programação pelo prisma da informação. A aprendizagem que fiz, a capacidade que o jornalismo nos dá para compreender os fenómenos da política, sociais, toda a panóplia de situações com as quais somos confrontados sempre que vamos fazer uma reportagem ou analisar a realidade, tudo isso me apetrechou com as armas necessárias para perceber o que poderia ou não funcionar. A minha abordagem da realidade, mesmo na montagem de uma grelha de programação, tinha a ver com uma forma de olhar a realidade. Eu quero falar com as pessoas, quero transmitir uma informação, quero que elas percebam que este programa tem este objectivo determinado, mesmo que não o expresse.
RFP: Com esse bichinho do jornalismo, não sente a tentação de ir à redacção?
JEM: Sinto, mas contenho-me para não ir. Hoje em dia já não faço isso porque me contenho, não é a minha função, há pessoas responsáveis por isso. As áreas estão bem determinadas e a minha função hoje em dia é outra. Agora, é evidente que sigo os telejornais todos, que reflicto sobre o que é feito e sobre o que poderia ser feito, o que foi bem e o que foi mal feito. Tenho ideias sobre coisas novas, que possam vir a fazer mudança.
RFP: Partilha essas ideias?
JEM: Ah, sim. Partilho com quem é responsável lá dentro. Eu não guardo as ideias, partilho porque acho que é assim que se avança. As pessoas quando se reúnem comigo dizem que estou sempre a pôr muitas ideias em cima da mesa. Costumo dizer que mais vale ter ideias do que não ter nenhumas, mesmo que das ideias que vêm para a mesa só se aproveite uma ou duas. Só assim se consegue trazer inovação para o mercado.
RFP: A TVI é líder há muito tempo. Corre risco de se institucionalizar?
JEM: Uma das tarefas que eu acho que faz parte das minhas funções actuais é fazer alertas relativamente a essas situações aos responsáveis da empresa – e é o que vou fazendo. Trago ideias, comento isto ou aquilo e vou deixando sugestões de coisas que podiam ser feitas, ou não. A decisão já não me compete a mim. No dia em que a TVI se tornar institucional, de forma permanente e convicta, alguma coisa estará mal na empresa. Um jornalista, por natureza, tem de manter o espírito irrequieto e curioso. A curiosidade é uma arma para nós. Costumo dizer a quem trabalha comigo – a quem escreve novelas, por exemplo: «Não vamos terminar esta cena com uma coisa óbvia. Vamos arranjar algo que ninguém esteja à espera». Daí tentarmos colocar dentro de cada capítulo da novela cinco ou seis situações que são ganchos. Não apenas no final. Temos vários desfechos e pontos de interrogação dentro do mesmo episódio, para mantermos em alta a curiosidade do espectador. Estas coisas têm sido conseguidas. Isto é como a vida, temos de nos manter curiosos para aprendermos, para progredirmos, para descobrirmos coisas novas. E eu, apesar de ter 64 anos, não me sinto com essa idade. Sinto-me com quarenta e tal e quero ainda fazer muita coisa na vida.
RFP: Como vê a informação nas televisões generalistas?
JEM: A informação está muito padronizada. Há menos diferenças do que existiam no tempo em que eu era director da empresa. São opções que as televisões fazem. Em muitas circunstâncias por orientação própria, outras vezes por comodismo, outras ainda por receio de retaliações de natureza financeira ou de outro tipo. Como se sabe, o mercado publicitário em Portugal é muito complexo e está muito difícil. A vida das televisões é muito, muito dura. Quando chegamos à conclusão de que o serviço público, só com os apoios do Estado e com a pequeníssima fatia que tem de publicidade, factura tanto como os outros dois canais juntos, percebemos a distorção brutal do mercado. Isso interessa a quem está no poder, a quem quer conservar influência sobre a informação que chega ao espectador.
RFP: Está a dizer-me que as televisões estão condicionadas pelo poder político?
JEM: As empresas estão muito estranguladas do ponto de vista financeiro e não podem ousar em demasia. Primeiro, porque não têm recursos técnicos e humanos. Hoje as redacções estão cheias de jovens estagiários, que não têm ainda experiência suficiente para fazerem a diferença no produto que se apresenta ao espectador-consumidor. Há um conjunto de circunstâncias que fazem com que as estações de televisão tenham caminhado para produtos que não são muito diferenciados entre si. Quando estudamos os telejornais e picamos (mudamos) de uns para os outros, o alinhamento é basicamente igual. Não há a diferenciação que se procurou noutras alturas. Vejo que as televisões estão a procurar seguir outras formas. Vão mais por grandes reportagens do que antigamente. E vão por modelos que são parainformação. Não são bem informação, são documentários – que também não o são verdadeiramente, porque não há dinheiro para fazer documentários. São reportagens com pretensão a algo mais. Parece-me insuficiente, do ponto de vista jornalístico. Sobretudo porque o que tem sido mais afectado é a investigação jornalística, mas não é apenas nas televisões. Acho que se nota a falta de investigação no conjunto da informação em Portugal. Os jornais cada vez investigam menos, nas revistas vê-se muitos “dossiês” e pouca investigação. Aquilo que muitas vezes se designa por “investigação” é apenas a análise de documentação que já existe, não é propriamente investigação. Aí pode fazer-se muito mais.
RFP: O infotainment parece ter tomado conta dos telejornais. Mistura-se informação com promoção a programas, artistas, traz-se cantores para fechar os principais blocos informativos… Está demonstrado que esta forma de fazer informação dá mais audiência?
JEM: Todos sabemos que o que acontece na minha rua é mais importante do que aquilo que acontece na Índia com as inundações do Ganges. É natural que nos concentremos muito mais no que acontece em Portugal. Noutros países passa-se o mesmo. Há países mais desenvolvidos, mais importantes na definição do poder internacional, que obrigam a maior cobertura internacional. Mas também têm recursos muito mais amplos do que nós. Eu não vou atirar pedras a ninguém, porque eu também terei alguns telhados de vidro em alguns aspectos que referiu. Hoje os telejornais são todos muito longos. Quem introduziu essa moda fui eu, em 2006 ou 2007, quando surgiu a crise. Estávamos a fazer jornais de 30, 45, 50 minutos e, de um momento para o outro, saltámos para uma hora e meia. Chegámos a ter uma hora e três quartos de telejornal.
RFP: Porquê?
JEM: Foi uma forma de poupar dinheiro e ajustar o orçamento da empresa a uma realidade diferente. Quando desapareceu muito dinheiro do mercado da publicidade, tivemos de encontrar soluções. Para mim, o raciocínio foi óbvio: custa-me a mesma coisa fazer um telejornal de 50 minutos ou de hora e meia, porque já tenho os profissionais, as máquinas, o estúdio. Tinha de conseguir poupar 30, 40 mil euros por dia, o que no final do ano é muito dinheiro e permitia equilibrar as contas da empresa. Isso alargou o âmbito dos nossos critérios jornalísticos. Teve de alargar, porque tínhamos de encher mais. Passámos a introduzir nos telejornais matérias que teoricamente não tinham dignidade para isso. A verdade é que as coisas foram ficando e progressivamente evoluindo na direcção do que se vê hoje.
RFP: Dez anos depois, ainda faz sentido?
JEM: Acho que talvez não, porque o que eu podia fazer em 2006/2007 não é o mesmo que se pode fazer em 2017/2018. Nessa época, eu não tinha a concorrência que tenho hoje do digital, de todas as plataformas que me fornecem notícias de todo o lado, a toda a hora. Já partilhei este raciocínio com pessoas responsáveis, estou à vontade para dizer isto, não estou a cometer nenhuma inconfidência. Quando nos apercebemos que às oito da noite já sabemos tudo, o que pode um telejornal dar de novo? Este é o grande problema. O que temos de fazer para mudar o paradigma da informação que tradicionalmente é fornecida ao espectador? O telejornal continua, apesar de tudo, a ser uma religião às oito da noite. Será que o telejornal daqui a dois, três anos, vai ser igual? Tenho dúvidas. Não estou com isto a criticar ninguém. O que digo é que temos uma realidade objectiva, temos acesso a fontes de informação que estão ligadas a nós em permanência. A informação das rádios e das televisões tem de se adaptar. É um desafio brutal, mas de uma dimensão interessantíssima. Vai obrigar-nos a pensar e a encontrar fórmulas diferentes.
RFP: Tem de mudar o paradigma.
JEM: Sim. Provavelmente, não vai prevalecer aquela atitude de apresentador que debita as notícias e passou ao lado. Vai ter de ser diferente.
RFP: Diferente como?
JEM: Isso dava para conversarmos muitas horas. Vão ter de ser dados passos significativos para uma mudança muito radical, sobretudo no que diz respeito à televisão generalista. Estes canais estão sob pressão enorme, porque o mundo está em mudança. A subsistência da televisão generalista implica que a abordagem à realidade do espectador seja outra, nomeadamente naquilo que ele escolhe para ver. Os meus filhos não vêem televisão como eu via.
RFP: Está no mesmo ponto em que estava em 2000.
JEM: Estou no mesmo ponto em que estava em 2000. E é muito engraçado. Eu gosto muito de desafios.
RFP: Quem chegar primeiro marcará a diferença e agarrará os espectadores?
JEM: Acho que o espectador premeia quem mais se esforça por encontrar as soluções inovadoras.
RFP: Face a tudo o que tem dito nesta conversa, vê-se a voltar a director-geral da TVI?
JEM: Não, já dei para isso [risos]. Mas vejo-me como alguém que quer ajudar quem está a encontrar caminhos novos. O desafio não é criar um contacto de minutos com o espectador, mas que ele veja mesmo o que fazemos e não mude de canal. Ou que tenhamos a capacidade para o seduzir ao ponto de decidir que não vê naquele momento, mas o verá daí a duas ou três horas. Como é que isso se consegue? Dando um produto diferenciador, trazendo inovação, sabendo antever tendências.