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31 janeiro 2020
Texto de Sandra Costa Texto de Sandra Costa Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro Vídeo de Emanuel Graça Vídeo de Emanuel Graça

Os arraiais da pesca do atum

​​​​​A história das armadilhas usadas para parar um dos animais mais velozes.

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Em 1945, havia quatro arraiais da pesca do atum em Tavira: Livramento, Barril, Medo das Cascas e Abóbora, o último em Cabanas de Tavira. Esta dinâmica de pesca vinha desde a época romana e chegou ao Algarve com os muçulmanos. Consistia numa armação, ou almadrava, uma armadilha de pesca gigante e labiríntica, que era colocada no mar durante sete meses, entre Março e Setembro, para capturar os atuns que passavam pelo Algarve no caminho para desovar no Mediterrâneo. Alguns pesavam mais de 300 quilogramas. Eram vários quilómetros de redes presas por cabos e assinaladas por bóias de cortiça, que conduziam os atuns até uma rede central em forma de balão, a que se chamava “copo”. Toda a estrutura era presa ao fundo do mar por 300 âncoras de grande dimensão. 

Ao atum, gordo, que seguia na direcção do Mediterrâneo, chamava-se “atum de direito”; ao atum que regressava, já magro, era dado o nome de “atum de revés”. As portas do labirinto eram mudadas a 24 de Junho, dia de São João e da cidade de Tavira. «Tudo tinha um significado religioso e simbólico. As redes eram benzidas antes de serem lançadas ao mar e o primeiro atum era entregue à confraria da Igreja de Nossa Senhora das Ondas», conta Brígida Baptista, arqueóloga náutica e subaquática, também presidente da Lais de Guia - Associação Cultural do Património Marítimo. Brígida cresceu com as histórias da armação na praia do Barril. O avô era mestre do vapor Três Irmãos e a mãe viveu no Barril até aos 14 anos. 

A armação do Barril funcionou entre 186​1 e 1966. Inicialmente, os pescadores pernoitavam em cabanas de junco. Mais tarde, foram criadas construções permanentes que alojavam uma comunidade de 100 pessoas, oriunda da vila piscatória de Santa Luzia. Os homens chegavam em Março para preparar o material. Cobriam de alcatrão as bóias, cabos e âncoras, para preservação da água salgada, e instalavam a armadilha no fundo do mar, durante dez dias, trabalhando de sol a sol. Em Abril, as famílias chegavam em barcos a remos, com o material necessário para ficarem até Setembro. Organizavam-se nas casas, às vezes uma por família, noutras dividindo-as por canas ou um lençol estendido. Tinham cinco poços com água potável e salobra, horta e tanques para lavar a roupa. Saneamento não existia. Para irem à escola ou à igreja, só de barco a remos até Santa Luzia. «A minha mãe contava que, para irem à missa, tiravam as meias e os sapatinhos, para fazerem parte do percurso pela areia». 

As mulheres tratavam da lida da casa, as crianças brincavam na praia, os homens dedicavam-se à arte xávega, pesca artesanal feita com rede de cerco, e controlavam a entrada dos atuns no “copo”. Quando o número justificava, fazia-se a “levantada”: com barcos pretos, chamados calões, circundavam a abertura do “copo” e içavam com a força dos braços a rede em balão. Usavam o “bicheiro”, um instrumento pontiagudo, para picar o atum na zona da barbatana, fazendo com que batesse a cauda e subisse para os barcos. Depois, o atum era transportado em barcos à vela, as andainas, para a conserveira em Vila Real de Santo António. 

O arraial Ferreira Neto, criado nos anos 40 do século passado, era uma verdadeira aldeia de pescadores, que ali habitavam todo o ano. Dispunha de casas de banho, escola, igreja, posto médico e mercearia. Localizava-se em Tavira, na zona das “quatro águas”, o ponto de confluência entre o rio Gilão, os cursos da Ria Formosa que vêm de Santa Luzia e Cabanas de Tavira, e o mar. Foi criado para substituir o arraial do Medo das Cascas, construído em 1845 na praia da Ilha Deserta e destruído pelo mar. O arraial Ferreira Neto funcionou até 1972, ano em que foi capturado apenas um atum. Hoje é um hotel, que respeita a traça exterior.  

Para o fim dos arraiais da pesca do atum no Algarve contribuiu a sobrepesca. Chegavam a ser capturados mais de 40 mil atuns em apenas seis meses. O aumento do turismo e o desenvolvimento do litoral também ajudaram. A luz e o som dos barcos a motor afastaram da costa este animal extremamente sensível. Quando as empresas deixaram de poder suportar os custos avultados de colocar a armadilha em altas profundidades, a técnica foi abandonada no Algarve. Recentemente, foi recuperada e já existem três armações, mas nas mãos de espanhóis e japoneses. 

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