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2 outubro 2017
Texto de Sónia Balasteiro Texto de Sónia Balasteiro Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

A grande família de Moscavide

​​​​​​Os utentes mais antigos orgulham-se da amizade com três gerações de farmacêuticos.

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​Farmácia Banha - Moscavide, Loures

A história da Farmácia Banha, que celebrou cem anos no dia 17 de Julho, é também a de uma família. A memória chega até nós relatada pela farmacêutica Maria Fernanda Banha Duarte Castro Pontes, de 85 anos. Neta do fundador, tomou conta da farmácia em 1953 e conserva a direcção-técnica.

A história começa em 1917, quando José Francisco Banha chega à capital vindo do Alentejo. Respondia ao chamamento de um tio que mantinha uma farmácia na lisboeta zona de Chelas e queria expandi-la para a vizinha freguesia de Moscavide, no concelho de Loures. Filho de um médico de Estremoz dedicado à veterinária, logo José Francisco se tornou homem respeitado na vila, naquele tempo um pequeno meio rural, rodeado por inúmeras quintas.​

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Quando abriu, há 100 anos, a farmácia situava-se na única rua que existia em Moscavide. À volta, só havia quintas, agricultura e pecuária​

Anos mais tarde, seria a sua filha primogénita a ficar com a farmácia. Natália Banha casou com o farmacêutico Fernando Duarte, homem que marcaria para sempre o estabelecimento e os moradores do bairro. Fernanda herdou do pai o temperamento, o gosto pelo mundo da Farmácia e o espírito de serviço aos outros. «O meu pai era uma pessoa com disponibilidade para toda a gente e eu também gosto muito de pessoas». Ainda era uma criança quando decidiu ser farmacêutica. «Eu gostava disto».

Na primeira metade do século XX só havia em Moscavide «quatro ou cinco médicos». Um deles era irmão do Marechal Spínola. À noite, reuniam-se na farmácia. «Falavam de tudo: política, saúde, qualquer assunto. Era muito agradável. Eu não tinha licença para estar, mas ia espreitando». Muitas farmácias foram centros de tertúlias no período do Estado Novo. A Farmácia Banha, para além disso, era um fórum de cooperação entre as principais profissões de saúde. Àqueles encontros nocturnos compareciam também os enfermeiros de Moscavide. Os médicos pediam muitas informações sobre os doentes. «Este doente que eu ando a tratar, o que é que vocês acham?», recorda Maria Fernanda. A farmácia fazia muitos medicamentos manipulados. Os médicos pediam ao farmacêutico produtos específicos. «O meu pai dizia: “Eu não sei, mas vou estudar o assunto e vai ver que faço”. E realmente conseguia fazer sempre. A relação com os médicos era muito boa», recorda a directora-técnica, que em 2014 recebeu a Medalha de Honra do concelho de Loures.

Estávamos no tempo das quintas, Moscavide ainda era uma paisagem rural às portas de Lisboa. «A única rua que havia era esta, pomposamente já chamada de Avenida de Moscavide». A farmácia respondia naturalmente às necessidades de agricultores e criadores de gado. «Fazia-se de tudo, mas uma das coisas que se fazia muito era medicamentos para veterinária».

Não havia centros de saúde. A Farmácia Banha era o serviço de saúde de referência na terra. Artur Fernandes, de 83 anos, recorda-se bem desses tempos anteriores ao Serviço Nacional de Saúde. «A farmácia era um posto de prontos-socorros para a gente que vivia em Moscavide na altura. Qualquer pessoa que tivesse uma dificuldade vinha ao Duarte da farmácia. Era um homem extraordinário, do melhor que pode haver». Os dois homens tornaram-se bons amigos. «Ele brincava, tinha as suas graças, mas era muito sério, muito dedicado». A farmácia «era um ponto de referência», até porque «só havia um consultório. Os médicos e a "fina flor" que houvesse na terra juntava-se aqui à noite a confraternizar». 

Artur é agora um dos utentes mais antigos e orgulha-se de ter feito amizade com três gerações de farmacêuticos. É com Teresa, uma bisneta de Fernando Duarte, que hoje conversa sobre as fotografias dos membros da família expostas na parede da farmácia. «O senhor Duarte, a dona Natália, a avó Fernanda… Eu olho para aquilo e digo: “Doutora, isto é uma galeria enorme de gente boa”».

Cabe a Teresa Leal, farmacêutica-adjunta desde 2008, assegurar a continuação da tradição familiar. Maria Fernanda apresenta-a com orgulho. «Nos últimos anos – congratula- se a octogenária – além dos novos serviços e do progresso tecnológico, mudou uma coisa muito boa, que foi a minha neta. Ela é bastante competente e as pessoas também gostam dela».​

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Aos 85 anos, Maria Fernanda mantém a direcção-técnica da farmácia. A sua neta, Teresa, aprendeu com ela a tratar pessoas

O serviço ao próximo é o grande valor transmitido de geração em geração. «Aprendi com o meu pai, principalmente, como é que se trata as pessoas», afirma Fernanda. Teresa Leal também sabe bem o papel social da farmácia. «Sinto uma evolução, desde que vim para cá, na forma de lidar com as pessoas. Fui aprendendo, baseado no que me dizem e no que a minha avó me conta, a ter o maior cuidado com as pessoas. Estamos ligados a pessoas que realmente precisam de ajuda».

Em nove anos de contacto com a população, as histórias de família vieram muitas vezes ter com ela, o que a ajuda na missão de seguir na pegada dos antepassados. «Não é rara a vez em que estamos no atendimento e as pessoas mais antigas, mesmo não sabendo que eu sou neta, nos falam ou da doutora Maria Fernanda ou do senhor Fernando Duarte. Contam-nos sempre uma história».
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