Durante dois dias, a aldeia de Fafião, integrada no Parque Natural Peneda-Gerês, acolhe o Festival Aldeia de Lobos. Os abrigos dos animais, chamados cortes, são transformados em galerias de arte, com exposições de fotografia, escultura e pintura. Nas ruas da aldeia há espetáculos de teatro e um mercadinho de produtos locais. Ao ar livre decorrem tertúlias onde gente da terra, entidades ligadas ao lobo ibérico e pastores debatem e contam estórias sobre os tempos em que se organizavam batidas aos lobos. No primeiro dia, faz-se uma queimada, para «expurgar os males». Júlio Marques, da associação Vezeira de Fafião, explica: «Põe-se um grande pote ao lume com uma bebida alcoólica forte, café e um monte de coisas, depois abafa-se o fogo e começa-se a servir as pessoas. O Festival é giríssimo!», garante.
Júlio Marques trocou a cidade do Porto pela aldeia de Fafião. Dedica a vida à associação Vezeira
O objetivo das celebrações é sensibilizar as pessoas para o lobo ibérico, lembrando a importância de o proteger, mas respeitando o ponto de vista dos pastores e proprietários dos rebanhos, a quem os lobos punham em causa a subsistência, no passado, e continuam a provocar danos. «Queremos o bem do lobo e do pastor», explica o jovem que trocou a cidade do Porto pela aldeia. Júlio acredita que o festival ajuda a esclarecer as pessoas e a evitar extremismos. Demasiadas vezes assiste a uma grande incompreensão por parte de pessoas que vivem nas cidades para aquela realidade: «“Matavam lobos? São uns bárbaros!”. Dizem isto porque evoluíram de maneira diferente. Lá vai-se ao supermercado, aqui tem de se matar os animais», lembra.
Até meados do século XX, as batidas aos lobos eram permitidas em Fafião, usando uma «máquina de guerra» medieval, mas muito eficaz. O fojo (armadilha) dos lobos de Fafião, construído no final do século XV e que funcionou até 1948, é o mais bem preservado da Península Ibérica, um dos mais curtos e próximos de uma aldeia. Trata-se de um fojo de paredes convergentes, para onde o lobo era atraído até cair num poço. Existe um outro tipo, chamado fojo de cabrita, em que um animal era usado como isco para atrair o lobo à armadilha.
É junto ao muro de pedra de formato triangular que Júlio detalha como funcionava esta caça ao lobo, que envolvia a população da aldeia toda. O inverno era a altura em que os lobos se aproximavam mais do povoado (nos meses de verão os rebanhos permanecem na serra). Nos dias de nevoeiro, conhecidos como “dia de lobo”, forma-se névoa na zona em que convergem os rios Cávado e o Fafião, e a névoa é «o maior aliado do lobo». Quando era avistado ou atacava as cabras, o vezeireiro (nome dado aos pastores que guardam os rebanhos de forma comunitária) vinha à aldeia marcava-se uma reunião e fazia-se, logo aí, a batida ao lobo. Cobria-se o buraco do fojo, com quatro metros de profundidade, com vides de arbustos. Os homens que organizavam as batidas, chamados mata-lobos, permaneciam camuflados em dois buracos e o resto da aldeia separava-se em dois grupos: metade ficava do lado do Cávado, a outra do lado do Fafião, e começavam a flanquear a alcateia até à armadilha, usando paus, pedras e tachos para fazer barulho. «Podia levar horas e nem sempre havia sucesso, mas quando corria bem para a aldeia, normalmente apanhavam mais do que um lobo», conta Júlio. Os lobos que caiam no fojo eram apedrejados, empalados e levados aldeia fora, para assustar as crianças. Depois fazia-se uma grande festa: a morte do macho alfa e a dispersão da alcateia representavam por largos meses.

Inserida no Parque Natural Peneda-Gerês, Fafião está a apostar no turismo sustentável como forma de dinamizar a aldeia e combater a desertificação
A matança aos lobos foi proibida em 1948 pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e o fojo é hoje mantido como uma estrutura com valor antropológico, para que «as pessoas percebam o que foi a história do passado». Este trabalho de sensibilização é um dos desempenhados pela associação Vezeira de Fafião. Foram sobretudo «filhos da aldeia» os que se juntaram, há 12 anos, para criar esta associação de desenvolvimento que, desde o início, apostou no turismo sustentável como forma de dinamizar a aldeia e combater a desertificação. Fafião já é visitada por turistas de todo o mundo que vêm para conhecer o fojo dos lobos e as cascatas, percorrer os trilhos ou assistir aos eventos organizados pela associação Vezeira. O próximo é já nos dias 7 e 8 de julho. Não perca a oportunidade de conhecer esta aldeia de lobos!