«Não sou uma supermulher», insistirá ela ao longo da conversa. Aos 37 anos, Sofia Sommer Ribeiro é uma mãe de duas crianças que corre meias-maratonas, faz traduções para uma das maiores sociedades de advogados em Portugal, é filha, irmã, esposa, amiga. Na verdade, a sua vida assemelha-se à de muitas mulheres. Mas Sofia está enganada: é uma verdadeira supermulher.
Porque faz tudo isto, corre «de um lado para o outro» todos os dias, ora para levar os miúdos, Leonor, de 10 anos, e Vasco, de oito, à escola, à ginástica ou ao futebol, ora para estar com os pais, com os amigos ou com os dois irmãos, lado a lado com a asma, companheira omnipresente que, demasiadas vezes, a impede de respirar bem.
Até às meias-maratonas, o caminho foi lento. «Um passinho de cada vez», como costumava dizer-lhe em jeito de incentivo o irmão mais novo, Luís, que participa em ultramaratonas, quando ela se iniciou nas corridas.
Tudo começou em 2013. Vinha da praia quando sentiu o clique. «Houve um dia em que estava a voltar a pé com os meus filhos, trazia os baldes, o saco, aquilo tudo, e fiquei de rastos. Pensei: "Isto não pode ser, eu tenho 34 anos e pareço ter 90! Não consigo subir, não respiro bem… A minha vida muda já amanhã!"», lembra.
Começou com a «grande, grande amiga» Catarina, médica de formação, um projecto de reeducação alimentar.
Decidiu incluir o exercício físico. Hoje, as medalhas que trouxe das corridas em que participou são um «tremendo orgulho», diz, confiante, enquanto mostra uma foto sua e de Catarina com a medalha ao pescoço. «E não foram só as meias-maratonas», entusiasma-se. «A partir da primeira, em Lisboa, começámos as duas a ir correr para todo o lado».
Pensou que nunca conseguiria – o exercício era «ou no sofá» ou «quando muito, para as compras», como costumavam dizer-lhe a brincar. Afinal, era muito pequena quando a asma lhe ensinou que não podia mexer-se muito: «Dava dois passos e sentia-me logo muito cansada. Tinha períodos com crises que duravam dias seguidos».
Mas vamos ao início da história. Sofia tinha oito anos quando lhe foi diagnosticada a asma. Recorda-se de que foi nas férias de Verão: «Não andava a respirar muito bem à noite. A minha mãe percebeu que havia algo de errado, e o meu avô, que era médico, achou melhor irmos ao hospital».
Seria a primeira de muitas madrugadas passadas no Santa Maria. «Foi o meu primeiro contacto com isto tudo: hospital, oxigénio, injecções…. No dia seguinte, fiquei muito quietinha, mas "aquilo" voltou e tive de ir outra vez para o hospital». E outra e outra.
Felizmente, em casa havia bastante informação médica e clínica, conta, a sorrir: «A minha mãe era uma mulher muito moderna, levou-me a uma médica alergologista e fui devidamente diagnosticada.
Fez os testes para perceber a que era alérgica e o que lhe provocava crises mais fortes. «Passei a conviver com inaladores, bombas, comprimidos… e tinha de ter muito cuidado com a ginástica». Começou a dominar as crises e a perceber as alturas em que ficava pior. As mudanças de tempo, e sobretudo a humidade, tornaram-se inimigos a combater. «Íamos de férias para a Praia Grande [Sintra] e a minha mãe dizia "Vai ser um problema". E era, como se me passasse um comboio por cima».
Tomou vacinas para as alergias e para a asma, que lhe reforçavam o sistema imunitário, para aguentar o ano escolar. No colégio, ainda tentava fazer ginástica. Mas o exercício provocava-lhe crises mais fortes e, já no liceu, seguindo as recomendações médicas, deixou de fazer desporto. «Era quando ficava pior».
Os anos foram passando e a asma ficou «adormecida». Mas não para sempre. «Quando estava à espera do Vasco, o meu segundo filho, comecei a ficar aflita». Pensou que o problema se resolveria por si mesmo. Enganou-se.
«A asma não é uma coisa que passe simplesmente, tem de ser tratada. Por isso, acabei por ter de voltar a bombar». Não foi suficiente. Piorou. «Fui internada, a respirar mal, fiquei logo com cateter no braço com medicação para os brônquios expandirem… Tive de fazer ecografias para ver se o bebé estava a respirar bem, porque eu não estava».
O bebé, hoje com oito anos, estava. Mas não Sofia. «Tive de voltar ao pneumologista, para ser acompanhada até ao final da gravidez. E a asma voltou». Sofia sente que deu «um passo atrás». «Agora a asma está presente e voltei a bombar sempre, ou quase sempre».
Ela, porém, não desistiu de ter uma vida normal. Mais: ultrapassou o sedentarismo a que a asma a habituara e acabou por saltar do sofá. «Estava a fazer uma dieta com a Catarina e ela disse-me: "Eu corro todos os dias". Decidi experimentar. Fomos à noite, corri 700 metros e julguei que ia morrer, cuspir os pulmões. Disse que nunca mais ia fazer aquilo».
Catarina não a deixou recuar: «Ela disse: "Não, não. Amanhã voltamos e corremos o dobro". Isto foi em Março. Em Outubro de 2013 estava a correr a minha primeira meia-maratona, com a asma devidamente controlada». Desde então já completou, não uma, mas quatro.
Pelo meio, houve medo. Mas, sempre que duvidava de si mesma, Catarina dizia-lhe que calasse a voz que lhe dizia "não consigo". E ela calava. «A mente é muito importante. No meu caso, a asma descontrola-se um bocadinho mais se estiver nervosa. Se estiver mais relaxada, é mais fácil». É só inspirar, expirar, inspirar...
Sofia continua a correr para o seu sonho de cortar a meta, de mão dada com a amiga, no final dos 42km e uns metros. «Vamos participar na do Porto», anuncia.
Sofia supera-se como só as supermulheres fazem. E é sempre «a primeira mãe a chegar à meta», como responde ao Vasco, que enverga, orgulhoso, as medalhas que traz para casa.