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30 junho 2023
Texto de Sandra Costa e Nuno Esteves Texto de Sandra Costa e Nuno Esteves Fotografia de Mário Pereira Fotografia de Mário Pereira

Olhar para dentro e mais fundo

​Preservar os melhores profissionais requer ajustes ao paradigma das farmácias. O desafio dos especialistas em Recursos Humanos passa por direcionar o foco para as equipas.​

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Não há uma fórmula única para fazer os colaboradores felizes, mas é garantido que «empresas com pessoas felizes são mais produtivas», diz o CEO do Grupo Bernardo da Costa. Ricardo Costa, que não gosta da expressão «retenção de talento», preferindo, antes, focar-se em «como continuamos a atrair quem já está connosco», trouxe ao congresso uma realidade extra setor sobre estratégias de preservação de recursos humanos nas equipas, numa sessão moderada por Rahim Sacoor Ali, da Direção da ANF. O grupo, fundado pelo avô de Ricardo Costa, em 1957, e que atua em diversos ramos de atividade, criou um Departamento de Felicidade, que oferece aos colaboradores viagens internacionais e serviços de engomadoria, para além de regalias mais tradicionais como seguros de saúde, salas de convívio ou fruta fresca. A empresa também valoriza a responsabilidade social, promovendo projetos na comunidade, apoiada pelo voluntariado dos colaboradores.

«Empresas com pessoas felizes são mais produtivas», diz o CEO do Grupo Bernardo da Costa

Na Farmácia Sália, em Setúbal, «o mais importante para a equipa é ter liberdade técnica e autonomia no balcão», explicou Isabel Tiago, que integra, há 23 anos, «uma farmácia feliz, com 37 anos de história». Com a mãe, partilha um estilo de gestão que favorece a responsabilização, mas também a celebração, com «honestidade, coerência e humildade», e reconhece que os salários justos e a progressão na carreira são fatores relevantes, tal como o são a inovação, a formação e a comunicação. «É a cola e na nossa equipa flui bem», assegurou.

«As farmácias comunitárias estão tradicionalmente focadas nos utentes, a proposta que faço é que também virem o foco para as equipas», desafiou a psicóloga Inês Lourenço

O mundo pós-pandemia é diferente. As pessoas são diferentes, e isso reflete-se, também, na gestão das equipas farmacêuticas. A psicóloga Inês Lourenço, com experiência no apoio à rede de farmácias, defendeu que a nova realidade exige uma mudança de paradigma: «As farmácias comunitárias estão tradicionalmente focadas nos utentes, a proposta que faço é que também virem o foco para as equipas».

Inês Lourenço acredita que há hoje, entre os colaboradores das farmácias, uma expectativa de retribuição por parte das lideranças. O setor foi sujeito a uma pressão extenuante, pelo que «as pessoas estão cansadas, algumas meio perdidas, e agora, que estamos num momento de recesso, é preciso sinalizar aquilo de que necessitam». Para o fazer, há que olhar para dentro e ouvir os colaboradores: «é essencial criar capacidade de diálogo e comunicação interna, num ambiente de segurança psicológica, em que todos se sintam à vontade para se exprimir».

Em declarações à RFP, a psicóloga aconselhou os líderes das farmácias a começarem por medir o pulso às equipas, procurando resposta a perguntas como: como é que as pessoas se sentem? Qual é o seu nível de exaustão? Estão com alguma dificuldade em equilibrar as suas vidas? Em suma, «abrir o diálogo e ouvir os colaboradores». Depois, propõe pequenas ações de melhoria do espaço físico, porque «são mais fáceis de implementar e demonstrativas, no imediato, de que algo está a mudar». Exemplos? «Melhorar a copa; ter um local para as pessoas descansarem sem serem interrompidas; implementar um sistema de pausas». O passo seguinte será incorporar na farmácia alguns princípios importantes, como a celebração dos resultados e o reconhecimento do trabalho, «sendo fundamental, paralelamente, intervir junto das lideranças, para que tenham uma mentalidade mais orientada para o reconhecimento e o feedback positivo, e percebam como podem impulsionar um propósito novo na missão».

«Não há modelo de gestão de recursos humanos. Cada farmácia tem de encontrar o seu», defendeu a professora do ISCTE, Generosa do Nascimento

Generosa do Nascimento acrescenta novas dimensões ao tema da retenção do talento, esclarecendo, desde logo, que, neste âmbito, não existem fórmulas mágicas. «Não há modelo de gestão de recursos humanos. Cada farmácia tem de encontrar o seu», disse a professora do ISCTE. Perceber as características de cada colaborador, o tipo de comprometimento à empresa, a cultura que se pretende implementar e a liderança que se oferece são os primeiros passos para desenhar um modelo de gestão estratégica de recursos humanos.

À RFP, deixou algumas dicas concretas sobre aspetos a ter em conta, comuns a todas as farmácias. A primeira passa por assumir que os profissionais de saúde são pessoas altamente qualificadas. Parece uma verdade de La Palice, mas implica, no seu sentido mais profundo, que qualquer política de gestão de recursos humanos nesta área deverá adotar práticas muito customizadas. Se assim não for, se os modelos de gestão de desempenho, de formação ou de carreiras forem transversais a toda a organização, na forma e no conteúdo, «corre-se o risco de estes profissionais os entenderem como algo que põe em causa a sua diferenciação. E na equipa de uma farmácia, como se sabe, cada farmacêutico tem projetos e responsabilidades específicas, que o diferenciam dos demais». Acresce ainda o fator geracional, já que nas equipas se cruzam pessoas de várias gerações, cada uma delas com diferentes formas de ver o mundo e expetativas. «Por exemplo, às vezes diz-se que os farmacêuticos não podem trazer o seu telemóvel no bolso. Ora, a nova geração é incapaz de estar mais do que X tempo sem o telemóvel e o contacto com as redes sociais».

Em suma, «os líderes têm de entender que têm de ser cada vez mais transformacionais. A realidade quando entraram no setor é necessariamente diferente da que temos atualmente. Não basta a ideia de que as farmácias são pequenos núcleos familiares, e que o afeto é decisivo no compromisso de cada colaborador, porque isso não é bem verdade», avisa Generosa do Nascimento. «Nem todos os perfis estão perfeitamente ligados só por afeto. Há outros que vão sempre equacionar o que estão a ganhar ou a perder, e um líder tem de ter esta perceção». Tem, acrescenta, de procurar saber como é que as pessoas se relacionam com as outras, quais são os seus fatores motivacionais e se a comunidade que servem, as causas sociais ou ambientais que defendem podem contribuir também para que queiram ficar. «Perguntam-me muitas vezes se a customização não tem o risco de os colaboradores se sentirem diferentes dos outros, e a resposta é: ainda bem! Quanto mais assim for, mais importantes as pessoas se sentem nas organizações. E pessoas que se sentem importantes são pessoas altamente produtivas, que vestem a camisola e, sem dúvida, trazem mais-valias à farmácia».

Luís Lourenço, da Ordem dos Farmacêuticos, foi um dos responsáveis pelos trabalhos do workshop sobre desenvolvimento e progressão da carreira de farmacêutico comunitário

Numa sala ao lado, os recursos humanos das farmácias foram igualmente o mote dos trabalhos. Proprietários e colaboradores, mas também estudantes de Ciências Farmacêuticas, debateram os desafios que se colocam à carreira profissional de farmacêutico comunitário, na sessão “Desenvolvimento e Progressão da Carreira Farmacêutica”. No workshop, os participantes foram organizados em grupos de trabalho e chamados a apresentar as suas conclusões sobre o tema, que incluíram aspetos tão diversos como os estágios curriculares, a especialização, a formação, o horário de trabalho, a remuneração, entre outros.

Francisco Barros, diretor da ANF, dedicou atenção especial à motivação dos elementos das equipas das farmácias, «área em que há imenso trabalho a fazer».

A sessão, moderada por Miguel Samora, da Direção da ANF, teve como ponto de partida a preleção de Luís Lourenço, presidente da Secção Regional do Sul e Regiões Autónomas, da Ordem dos Farmacêuticos, que sugeriu três dimensões de ação na abordagem à estratégia a definir para reter o talento nas farmácias: individual (ao nível do farmacêutico), laboral (da farmácia) e institucional (das organizações representativas das farmácias e dos farmacêuticos).

Francisco Barros, diretor da ANF, dedicou atenção especial à motivação dos elementos das equipas das farmácias, «área em que há imenso trabalho a fazer».
«Os farmacêuticos comunitários devem passar a evoluir na carreira por questões técnicas, como o número de serviços farmacêuticos prestados e de consultas farmacêuticas», sendo que a remuneração deve ser «adequada», esclareceu.
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