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29 fevereiro 2024
Texto de Teresa Oliveira (WL Partners) Texto de Teresa Oliveira (WL Partners) Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro Vídeo de Rodrigo Coutinho Vídeo de Rodrigo Coutinho

«Tenho toda a sorte do mundo»

​​​​Diagnosticada com doenças que afinal não tinha, Íris Mira viveu anos à espera do diagnóstico acertado.​

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Aos 20 anos, Íris Mira sentiu os primeiros sintomas de uma doença com um nome comprido e perturbador: espondilite anquilosante, HLA-B27 positivo. Esteve anos sem explicação para a dor e rigidez no corpo que a atormentavam e teve de esperar​ mais ainda para viver bem, apesar da doença autoimune. Hoje, desabafa: «se a Íris dos tempos de desespero, no fundo do poço em que estava, visse “é isto o que está ali à tua espera”…». O que a esperava era deixar de «sobreviver e passar a viver de novo», nas suas palavras.

Muito longe do que tinha passado aos 22 anos, deitada numa cama sem se conseguir mexer, tomar conta da filha de cinco anos ou trabalhar. Ou da aflição em que se viu aos 27, dependente de uma bengala, quando andar com o filho de sete meses ao colo era um «suplício». Depois de muitas consultas, um «milagre», como o descreve, tirou-lhe as dores e devolveu-lhe a flexibilidade de movimentos. Esse milagre foi um tratamento com medicamentos biológicos (cuja substância ativa é extraída de uma fonte biológica). Pela primeira vez uma terapêutica tinha tratado a causa e não os sintomas.

Ao fim de quatro anos, o medicamento deixou de fazer efeito. Íris sabia que tinha uma alternativa, outro medicamento biológico, mas preferiu guardar esse trunfo para a eventualidade de voltar a ver-se encurralada. Apostou e ganhou, com mudanças no estilo de vida. De qualquer modo, ressalva, «se não tivesse feito aquele tratamento», não poderia estar como está hoje. Foi esse tratamento que permitiu colocar a espondilite anquilosante a zeros, dando-lhe as bases para uma nova abordagem à vida.


Em 2023 iniciou o seu próprio negócio, de decoração de interiores, que lhe permite ser mais ativa​

A sua história clínica não foi fácil. Inicialmente, os sintomas levaram os médicos a diagnosticá-la com ciática, o que exames de diagnóstico pareceram confirmar, pois tinha hérnias na zona lombar que estavam a fazer compressão no nervo ciático. Não tinha indicação cirúrgica, a solução era gerir os sintomas e fazer algum fortalecimento muscular. «Até que cheguei a uma altura em que tinha dores todos os dias, o dia todo, a um nível incapacitante, ao ponto de não conseguir pôr os pés no chão nem sair da cama, ter extrema dificuldade em, mesmo deitada, fazer qualquer tipo de movimento», recorda. «Foram cerca de seis meses essencialmente na cama».
 
A sua história familiar levou os médicos a suspeitar de que, afinal, talvez sofresse de uma doença do foro reumatológico, a área médica que se dedica ao tratamento das doenças que afetam as articulações, os ossos, os músculos, os tendões e os ligamentos. Foi referenciada para uma consulta de reumatologia, que «demorou um ano e meio» a acontecer. As dores, que tinham começado numa perna, tinham-se estendido ao corpo todo. Foi, erradamente, diagnosticada e medicada para a fibromialgia, que se revelou «um desastre», lembra. O alívio veio de anti-inflamatórios e analgésicos potentes, «muitos mais do que devia tomar», mas que lhe permitiram retomar alguma mobilidade, entrar numa fase mais tranquila, com crises mais esporádicas.


Em 2016, entre exames e medicação forte, percebeu que estava grávida

No dia 1 de janeiro de 2016 percebeu que estava grávida. Sentiu «pânico, horror e tragédia» porque estava a tomar anti-inflamatórios através de injeções intramusculares, às vezes todos os dias. Com uma gravidez de risco e a necessidade de fazer o mínimo de medicação possível para proteger o bebé, recebeu os resultados de análises que tinha feito aos anticorpos. Passados sete anos do início dos sintomas, finalmente tinha um diagnóstico para a doença que a afetava.

À gravidez muito difícil seguiu-se «uma fase fantástica, porque estava banhada em hormonas de tudo». Quando o bebé tinha dois meses, foi obrigada a parar de amamentar e uma semana depois não se mexia. Mergulhada em nova fase de enorme desespero, o marido «decidiu ir procurar alguém que a pudesse ajudar» e, por fim, encontrou uma médica que lhe disse as palavras certas: «Não vai deixar passar estes anos. Não vai deixar de ser mãe nem vai deixar de fazer aquilo que tem de fazer por causa de uma doença que tem tratamento». Tinha chegado o seu milagre.

Em plena pandemia, em 2021, os medicamentos deixaram de fazer efeito. Um período complicado psicologicamente – e agora Íris sabe que «nas doenças autoimunes, a com​ponente psicológica tem muita influência». Foi neste momento que decidiu mudar de vida: «Vou tentar controlar a minha alimentação e começar a mexer-me. Vou tentar dar uma volta à coisa». Tem sido desta forma que tem gerido a doença e, em 2023, tomou outra decisão. «Vais conformar-te com aquilo que a vida te dá, sem fazer rigorosamente nada para mudar?» questionou-se. Decidiu que não.​

Íris encontrou num estilo de vida mais ativo a receita para gerir a doença autoimune

Com apoio familiar, abandonou o trabalho como tradutora e transformou «um hobby muito caro» na sua profissão. De horas seguidas sentada à frente de um computador – o sedentarismo não ajuda, porque a espondilite é uma doença «que pede movimento», explica – começou a fazer renovações de interiores e a carregar às costas sacos de cimento de 25 quilos. Perdeu 12 quilos, as «tendinites e as ites todas», os músculos deixaram de estar atrofiados porque houve um grande trabalho de fortalecimento muscular e psicologicamente sentia-se bem. «Chegava ao fim do dia cansadíssima, sujíssima, mas felicíssima», recorda do período em que iniciou este caminho. 


​Trocou a certeza do emprego sedentário pela paixão das obras. Perdeu 12 quilos e as tendinites todas

Íris diz que foi «uma total inconsciência» deixar um emprego seguro. A verdade é que não lhe tem faltado trabalho e a sua decisão «acabou por ajudar muito mais» e surpreendê-la e aos profissionais que a acompanham. Passados 15 anos do dia em que teve a primeira crise, declara que tem «toda a sorte do mundo». Sorte de ter nascido na altura em que nasceu, ter descoberto a doença a tempo de conseguir «puxar o travão de mão, porque o grande problema destas coisas todas é que a inflamação, ao fim de um tempo, começa a deixar rasto», ou seja, «as articulações e as cartilagens ficam destruídas». Nem a sogra nem a tia, ambas com doenças reumatológicas, conseguiram fazê-lo, «pela altura em que nasceram e pelo estado da ciência que tinham disponível. Portanto, eu tenho toda a sorte do mundo».​

 

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