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3 julho 2023
Texto de Paulo Martins Texto de Paulo Martins Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

Ordem com argumentos seculares

​​​​​«Os farmacêuticos não querem nem podem ser considerados comerciantes ou industriais».​

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É da controvérsia entre os estatutos de profissional liberal e de comerciante que emerge a reivindicação de criar uma Ordem dos Farmacêuticos. A proposta, lançada em 1940, só vingaria mais de três décadas volvidas. No rescaldo do ano do organismo, revisitar a História também permite identificar divergências, no seio da própria classe, sobre este modelo institucional.

A “representação” apresentada pelo Sindicato Nacional dos Farmacêuticos (SNF), em 31 de dezembro de 1940, a Trigo de Negreiros, subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social, usava como argumentário decisões judiciais do século XIX, arrancadas a baús poeirentos – uma delas, da Relação de Coimbra, datada de 1835, ano anterior à fundação da Sociedade Farmacêutica Lusitana, “avó” da atual Ordem. Por que diabo o SNF recuou um século para defender uma Ordem, que já então constituía a base organizacional de advogados, engenheiros e médicos? Porque o regime constitucional, ainda em construção a meados de Oito- centos, era azeite bem contrastante com a água salazarista.

O documento entregue ao Governo, então reproduzido no jornal oficial do Sindicato, invoca a condição de profissão liberal – «os farmacêuticos não querem nem podem ser considerados comerciantes nem industriais». A Justiça da falecida monarquia abonava a favor da tese. O citado acórdão da Relação entendia a atividade exercida nas farmácias como «adquirida em provas científicas para a manipulação de drogas e de medicamentos». O Supremo Tribunal, em 1844, reforçava: «O farmacêutico não se limita a polir e trabalhar a cousa comprada sem alterar a sua substância». Vende «objetos criados pelo seu trabalho científico e indústria primitiva».



A evolução para uma Ordem não estava, todavia, isenta de escolhos. «Se os farmacêuticos forem considerados exercendo pela propriedade da farmácia uma profissão liberal, deverão enquadrar-se exclusivamente no Sindicato, mas se forem considerados comerciantes e as farmácias empresas comerciais, é justo que constituam também um grémio», observava o SNF. Duro nas críticas ao organismo representativo dos proprietários, por «acirrar ressentimentos, alimentar dissidências e aumentar as dificuldades económicas», afirmava-se favorável a que a nova entidade resultasse da fusão do Sindicato com o Grémio.

A avaliar pela ata da reunião de 25 de julho de 1941, da Direção do Grémio Nacional das Farmácias, conservada pelo Arquivo Histórico das Farmácias, da ANF, a proposta sindical agradou ao subsecretário de Estado. A prova de que as duas organizações estavam em guerra reside na linguagem adotada: era «destrutiva» a ação do SNF e «nociva» a criação da Ordem. Afiavam-se espadas, já que o consultor jurídico foi encarregue de «defender a situação do Grémio da forma que julgar mais conveniente à sua manutenção».

A Ordem, porém, só avançou em agosto de 1972, já no consulado de Marcello Caetano. Em 1969, o SNF voltara a reivindicá-la, invocando razões deontológicas, mas também o desejo de obter representação na Câmara Corporativa. O Grémio, esse, convertera-se à mudança. Na primeira reação à fundação da Ordem, aplaudiu em editorial do seu Boletim uma «antiga aspiração, peticionada ao Governo há mais de 10 anos».
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