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6 dezembro 2016
Texto de Carina Machado Texto de Carina Machado Fotografia de Pedro Azevedo Fotografia de Pedro Azevedo

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

​​​​​A recolha de embalagens de medicamentos usados é um acto profundamente civilizado. O país de Luís Vaz de Camões não pode andar a contaminar o solo.

Etapa 1: Farmácia
Muda-se o ser, muda-se a confiança

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É manhã cedo e Cremilde Silva, de 73 anos, chega à farmácia pela primeira vez em dias. «Eu já pedi uma quota à Dra. Raquel. Venho cá tantas vezes!», diz, a brincar, numa voz que denota fragilidade. «Fiz um AVC, uma cirurgia ao coração e, há dias, não sei o que me deu, caí e fracturei quatro vértebras… São os medicamentos que me mantêm». Agora que se sente melhor, Cremilde retoma rituais de muitos anos, onde se inclui a visita à equipa da Farmácia Alto dos Moinhos, em Lisboa. Numa mão traz as receitas do médico, noutra um saquinho com o que já não tem espaço na sua vida: embalagens de medicamentos fora de uso. «Não sei o que lhes acontece depois, mas a Dra. Raquel diz que é importante e trago-os sempre para a farmácia».

A recolha de embalagens vazias e medicamentos fora de uso nas farmácias começou em 1999, com a criação da VALORMED, mas volvidos quase 18 anos, o desconhecimento e a confusão em torno da sua actividade ainda são grandes.

«No outro dia perguntaram-me como é que, afinal de contas, reciclamos os medicamentos! Trata-se de uma falta de rigor que leva as pessoas a pensar de forma errada, mas nós estamos cá para desmistificar isso», conta a farmacêutica adjunta​ da Alto dos Moinhos, considerando que, apesar de tudo, é positivo que as pessoas tenham presente o conceito de reciclagem. «Conseguir que os utentes se mobilizem para vir entregar as embalagens, mesmo desconhecendo o que acontece aos resíduos, significa que o primeiro objectivo da VALORMED está alcançado».

Raquel Silva, 39 anos, não é a típica farmacêutica. É formada também em Engenharia do Ambiente, pelo que o modo como encara o programa é naturalmente enviesado e ela é a primeira a admiti-lo. «Os medicamentos, quando não recebem o tratamento devido e são largados no meio ambiente, são muito poluentes. Quando são colocados no lixo, vão para aterros, infiltram- se nos aquíferos, chegam aos rios, depois ao mar… ​Entregando à VALORMED, a embalagem é reciclada e o fármaco incinerado de modo controlado e seguro. Claro que nós ao balcão não podemos estar a explicar todo o processo, a mensagem tem de ser passada de modo claro e conciso e na oportunidade certa, porque as pessoas não têm muito tempo para ouvir e quando estão doentes não são receptivas a mensagens ambientais». Há, contudo, pequenos gestos que podem alcançar grandes resultados: «tenho o contentor sempre visível, ao lado do balcão, e sempre que fecho uma dispensa peço às pessoas para trazerem de volta as embalagens vazias». Consigo tem dado certo. «Na minha farmácia as pessoas aderem muito, mais até que noutras zonas, mas a população tem um nível social e de escolaridade superior, e isso tem igualmente muita influência na sensibilização para as questões ambientais».

Oswaldo Burgos, 58 anos, é engenheiro de sistemas e entra na farmácia como se propositadamente para comprovar as palavras da farmacêutica. Conhece a VALORMED e diz que «em casa separo todo o lixo, e as embalagens de medicamentos que estão fora de uso trago-as sempre para a farmácia, porque sei que sofrem um processo de reciclagem e de aproveitamento diferentes».


SABIA QUE…
...Se estima que a quantidade de resíduos que as pessoas devolvem à farmácia seja pouco mais de 10% das embalagens colocadas no mercado?

…A VALORMED é um consórcio que agrega as empresas farmacêuticas, os distribuidores e as farmácias, representados pela APIFARMA, GROQUIFAR e ANF?
A adesão dos distribuidores e das farmácias é voluntária, mas a das empresas farmacêuticas é obrigatória por lei.

…A VALORMED não tem licença para tratar os resíduos produzidos pelas próprias farmácias?
A sua licença é para recolha e tratamento de resíduos de origem doméstica.


MISSÃO AMBIENTE 2016/2017
Escoteiros mostram o coração verde da farmácia

A Missão Ambiente, da VALORMED, está de regresso e o entusiasmo que reina entre os vários agrupamentos do Corpo Nacional de Escutas promete fazer das 261 mil toneladas de embalagens vazias e medicamentos fora do prazo recolhidos na edição do ano passado uma pálida amostra dos resultados em 2016/2017. A partir do dia 21 de Novembro e até 31 de Março, os agrupamentos vão protagonizar uma verdadeira caça a este tipo de resíduos e actuar como uma gigantesca vaga de incentivo a entregas de terceiros, nas farmácias, em seu nome. Em causa estará um lugar entre os 20 que dão acesso a prémios, que podem chegar aos 9 mil euros.

A Missão Ambiente tem por objectivo sensibilizar os escoteiros e a comunidade que os rodeia para a importância da entrega regular, nas farmácias, das embalagens vazias e medicamentos fora de uso, e constitui para as farmácias uma oportunidade para enfatizarem junto da opinião pública o seu “carácter verde”, ou seja, o importante, mas ainda pouco conhecido papel que desempenham em prol da preservação ambiental.

Mais informações em www.missaoambiente.pt​


Etapa 2: Armazenista/Distribuidor
Todo o mundo é composto de mudança

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Porto, zona industrial. Quinze menos vinte e o sol encandeia. Olavo Rocha, 43 anos, aguarda, de chave na mão, ao fundo da rampa de acesso às instalações da Alliance Healthcare. Atrás de si, como se encaixado num nicho feito à medida, está o enorme contentor marítimo da VALORMED, o qual, quando finalmente se deixa abrir, revela um interior praticamente lotado. A recolha dos seus 420 contentores de cartão, cada um com uma carga máxima de 9kg, está marcada para o dia seguinte, dirá o director-técnico do armazém da Invicta. O seu próximo destino é a Ambimed, para triagem.

Os armazenistas/distribuidores desempenham um papel fundamental no circuito inverso da VALORMED, mesmo em termos ambientais. A sua actividade normal é perfeitamente sinérgica com a entrega de contentores vazios e recolha de cheios nas farmácias, tornando desnecessário um processo adicional de transporte que sobrecarregaria o ambiente, ao mesmo tempo que asseguram as condições para a existência de um ponto de recolha em todos os locais do país.

Mas os próprios não parecem cientes da relevância do seu contributo. Olavo Rocha não foge à regra. Assegura que «a nossa intervenção é muito limitada. Do nosso armazém seguem os pedidos para as farmácias e, juntamente com eles, os contentores de cartão vazios. Na entrega, os motoristas recolhem os cheios, já devidamente selados e, quando aqui chegam, retiram-lhes as fichas de rastreabilidade e colocam-nos directamente no contentor marítimo. Não há nenhum outro tipo de manipulação da nossa parte», descreve.

O director-adjunto, Jorge Ribeiro, de 46 anos, subscreve. Vem do interior do armazém, no qual «estes contentores nunca chegam a entrar», diz. Percebe-se o ponto de honra: é que assim não há sequer o risco de uma eventual contaminação.

Em média, são precisos 10 dias para que o contentor marítimo atinja a quota máxima. Mas há picos, como quando decorrem campanhas como a Missão Ambiente, que envolve os escoteiros. E há uma sazonalidade, faz notar Olavo Rocha. «As pessoas aproveitam as férias e o tempo quente para fazer limpezas mais profundas em casa e, nessa altura, reorganizam o armário dos medicamentos», comenta. Os dez dias passam a metade e percebe-se então, com maior propriedade, o impacto e o potencial impacto do sistema VALORMED no ambiente.


SABIA QUE…
…Os armazenistas são remunerados, de forma variável, pelas recolhas?
Quantos mais contentores, maior a remuneração.

…Para ser recolhido, um contentor marítimo tem de ter, no mínimo, 420 contentores de farmácia?

…As fichas triplas asseguram a rastreabilidade dos contentores de cartão e seu conteúdo?
Há uma por contentor de cartão, sendo que uma cópia fica na farmácia, outra no distribuidor e a terceira segue com o contentor até à triagem, na Ambimed.


Etapa 3: Triagem
Tomando sempre novas qualidades

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Meio-dia de um novo dia. Assim dita o relógio, mas o vento e a chuva miudinha não o permitiriam adivinhar. O mesmo se pode dizer do centro de triagem da Ambimed, em Torres Vedras, alojado num conjunto de pavilhões insuspeitos, no alto de uma colina, apenas denunciado pelo forte cheiro a xarope. Forte, como se de um banho se tratasse.

Aqui, há quase seis anos, é feita a recepção e triagem dos resíduos da VALORMED, num processo contínuo, assegurado por recolhas diárias. É Cláudia Costa quem faz as honras da casa. A engenheira do ambiente é responsável de área de negócio e gestora da conta da VALORMED na Ambimed. É ela quem faz notar que o cheiro foi, durante algum tempo, um dos motivos que dificultou a fixação de pessoal. «Isso e o trabalho muito duro». Fala de experiência própria. Quando ficou com a conta da VALORMED quis conhecer por dentro cada uma das etapas por que passam os resíduos. Fez uma semana na chamada plataforma, onde o lixo é separado manualmente. «Por dia, são triados cerca de 800 a 1.000kg de resíduos. Quando a noite chegava, não sentia os braços. Tenho muito respeito por estes homens». Por mês, chegam a este ponto de triagem entre 14 e 15 mil kg de resíduos. Quando há campanhas, entre 18 e 20 mil.

De nada disso há ainda sinal e o ambiente no comprido armazém cinzento é estranhamente sossegado, apenas agitado pela presença de Miguel Amaral, chefe da equipa do centro de triagem, que se junta a Cláudia. «O local onde nos encontramos é onde os contentores, quando chegam, são pesados e identificados, para assegurar a rastreabilidade. Depois, os resíduos são passados para o outro lado do pavilhão, onde temos uma zona de armazenamento temporário, até que são colocados em triagem na plataforma».

Avançam espaço adentro e o barulho intensifica-se: primeiro um som de roldanas, a que se junta depois um som de triturador, entrecortado logo de seguida por vozes masculinas, tudo envolto, por fim, na voz de Sia, que canta no rádio que não precisa de dólares para se divertir. A imagem chega mais tarde, depois de contornados os imensos fardos, uns à espera de tratamento, outros a aguardar boleia até ao destino final. «Esta é a zona de armazenamento dos resíduos já triados: cartão, papel e plástico, que encaminhamos para reciclagem depois de prensados na nossa velhinha prensa, para optimizar o transporte; e vidro triturado», explica Miguel.

Ao alto, a famosa plataforma, o local onde tudo acontece. Nove homens, quatro alinhados a cada lado, um na cabeceira, separam, à mão, os materiais que cada contentor desvenda do seu interior quando despejados sobre o tapete rolante. Percebe-se a dureza do trabalho. A cada posto, um material: cartão e papel, plástico depois, e o vidro que cai, por fim, ainda contendo os restos do medicamento que embalou. Cláudia explica que «temos um processo de trituração das embalagens onde os xaropes são separados do vidro. É daí que vem o cheiro intenso que nos agride mal passamos a soleira. E nos últimos dois anos reduziu muito a quantidade de embalagens inteirinhas que recebemos. Nessa altura, o cheiro era atroz».

Mas da plataforma tiram-se muitas outras coisas que, conforme faz notar Miguel, não deveriam nunca lá ter chegado: materiais cortantes e perfurantes, como agulhas e lancetas; equipamento electrónico, de que os medidores de pressão arterial são só exemplo; radiografias, termómetros de mercúrio, muitos talheres. E ouro! E dinheiro! «Acontece com alguma frequência», assegura a engenheira. «As pessoas de idade têm por hábito esconder o ouro e o dinheiro nas caixas de medicamentos. Por vezes esquecem-se. Outras vezes morrem e os familiares, desconhecendo o hábito, enviam as embalagens assim recheadas para reciclagem».

Esta é a última paragem. Para além deste ponto, o vidro velho será novo, assim como o papel, o plástico e o cartão. Os medicamentos, incinerados de modo controlado, serão transformados em energia. Só o dinheiro e o ouro, graças à rastreabilidade, se manterão como até aqui e de volta à família de origem.


SABIA QUE…
…Os contentores das farmácias são de cartão reciclado?
A VALORMED recupera algum do dinheiro da sua compra, enviando-os novamente para reciclagem.

…Dos resíduos para incineração, 93% vão para a Valorsul ou para a Lipor, para produção de energia?
O resto são produtos perigosos: radiografias, termómetros de mercúrio, seringas… Esses são separados e encaminhados para tratamento especial.

…No caso das radiografias, elas são entregues à AMI?
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