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3 junho 2017
Texto de Rita Leça Texto de Rita Leça Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

«Eu não tenho orgulho. Eu sinto-me é bem»

​​​​Aos 50 anos, mantém o charme e o carisma que o ajudaram a conquistar o topo. E a ser feliz.

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“É só inquietação, inquietação” podia ser a música e o lema de Diogo Infante, o qual admite que, à medida que o tempo passa, se preocupa mais e é mais exigente consigo e com o seu trabalho. Actor multifacetado, de televisão, cinema e teatro, é neste último que prefere trabalhar, pelo contacto imediato com o público. Na peça “Quem tem medo de Virginia Woolf?”, partilha o palco do Teatro da Trindade, em Lisboa, com Alexandra Lencastre.

Revista Saúda: Esta é uma peça difícil, o texto é exigente e fala das relações entre as pessoas e do amor. Qual a sua importância nos tempos que correm?
Diogo Infante: Aquilo que torna os textos universais e especiais é a capacidade de nos tocar, de nos fazer pensar e sentir coisas. “Quem tem medo de Virginia Woolf?” é a obra-prima de Edward Albee e é um texto sobejamente revisitado. Fala de relações, da perspectiva de uma relação a longo prazo, da forma como ela sofre um desgaste, por vezes irreversível, por vezes perverso, e de como, ainda assim, encontramos uma maneira de resistir. Mesmo quando somos sujeitos a violências físicas ou psicológicas, o nosso impulso é sobreviver. Estas personagens estão submersas no seu mundo, viciado. É um jogo perverso. As relações tendem, muitas vezes, a ficar emparedadas, enjauladas em jogos e dinâmicas muito próprias que os outros apenas conseguem intuir.

RS: Como é que podemos contornar estas questões e tentar criar relações harmoniosas?
DI: Vivendo-as. A sinceridade e a honestidade são essenciais nas relações humanas. E nas relações amorosas tem de haver um diálogo franco. Esta peça foi escrita num contexto histórico e social muito específico, nos anos 60, nos Estados Unidos: é uma crítica a um tipo de sociedade que a América procurava promover, o ideal de vida americano. Albee pega nesse modelo e mostra a sua profunda hipocrisia.

RS: A nossa sociedade também procura esses modelos?
DI: Sim, nós temos padrões que queremos reproduzir, quanto mais não seja porque são a maioria, ou a prática vigente. Apesar de tudo, sinto que hoje há maior diversidade, somos mais tolerantes em relação às diferenças. As novas gerações lidam com isso de uma forma muito mais saudável e isso é bonito de ver. É evidente que ainda existem preconceitos, xenofobia, uma série de medos, que muitas vezes resultam do desconhecimento, da ignorância. Mas, no essencial, demos passos largos e estamos no bom caminho.



RS: Como se sente mais confortável, a fazer teatro, televisão, cinema?
DI: Para um artista, é absolutamente essencial sentir que está inquieto. A inquietação é fundamental, senão limitamo-nos a reproduzir um modelo de sucesso qualquer e cristalizamos. Isso é o pior que pode acontecer. Se tiver de eleger um desses veículos, escolho o palco. É ao vivo, estou aqui de corpo inteiro e não tenho fuga. Essa pressão acrescida faz-me sentir vivo. E ouço-os, eles estão ali, bufam, respiram, choram, riem, seja o que for. E eu sinto-me interveniente disso. Na televisão ou no cinema, o trabalho está feito, estamos protegidos. No teatro, não!

RS: É interessante ouvi-lo usar as palavras «inquietude», «inquietação», em especial quando acaba de fazer 50 anos.
DI: (risos) Cada vez mais! Quando se é mais novo, há uma grande dose de inconsciência: tudo é novidade e atiramo-nos. A única coisa que podemos oferecer é a nossa generosidade, o nosso entusiasmo e mergulhamos de cabeça. E isso é muito bonito! Mas, à medida que os anos vão passando e vamos adquirindo mais experiência, também ganhamos mais consciência do que é que as coisas implicam. Embora goste de pensar que ainda sou um miúdo cá dentro, de facto, inquieto-me, preocupo-me e exijo, cada vez mais, de mim.

RS: Imagino que o facto de ser pai lhe dê uma responsabilidade acrescida. Como tem sido desempenhar esse papel?
DI: Muito fácil, curiosamente. O meu filho é um rapaz inteligente, sensível, doce, meigo, adolescente com tudo o que isso significa. Tem 14 anos, as hormonas estão aos saltos! (risos).  Lembro-me bem como é ser adolescente, não esqueci essa fase. Às vezes, resisto à tentação de ser amigo, que é mais fácil, e tenho de ser pai. E isso implica impor regras e saber dizer “não”, o que é muito importante apesar de, às vezes, custar-me horrores.



RS: Só conheceu o seu pai em adulto, adoptou uma criança e mantém uma relação homossexual, o que ainda não é convencional. De que forma isso impacta a relação com o seu filho Filipe?
DI: Em casa, falamos de tudo de uma forma ​muito franca, partilhada e sincera. Se ele tem algum problema, seja de que natureza for, falamos. Não há tabus. Ou procuramos que não haja, mesmo nos assuntos mais delicados. Falar é a melhor solução. O importante é estarmos bem na nossa pele, é sentirmo-nos felizes. Não se trata de ter orgulho. Eu não tenho orgulho, eu sinto-me é bem. Não tenho de pedir desculpa, nem de andar com uma bandeira para existir. Eu existo, ponto!

RS: Na adolescência também há novas preocupações com a beleza e a imagem. Como lida com isso?
DI: A educação passa por mostrar que, às vezes, as marcas brancas também são boas, que as coisas custam muito dinheiro e que ele tem de aprender a dar valor a isso. Na nossa sociedade de consumo fácil, para aliviarmos um bocado a culpa – e estamos sempre com culpa, seja por causa da ausência, seja do que for, o que é um disparate – damos coisas. Dou por mim a dar coisas porque, se calhar, não as tive e penso “ele merece”. Mas é um disparate. A coisa mais importante que se pode dar, e essa não tem preço, é o amor.

RS: Por último, projectos para o futuro?
DI: A peça “Quem tem medo de Virginia Woolf?” voltará em Setembro para uma digressão nacional, que nos vai levar, primeiro, ao Porto, ao Teatro Sá da Bandeira, e depois a todos os outros sítios que nos quiserem receber. O espectáculo é feito para o público e onde houver público lá estaremos!