O acesso da população aos medicamentos comparticipados pelo Estado deixou de ser sustentável para a rede de farmácias, de acordo com as conslusões de um estudo económico da Universidade de Aveiro.
«A dispensa de medicamentos à população é assegurada por uma rede de farmácias que presta um importante serviço de interesse público, disponibilizando um vasto conjunto de serviços de saúde de proximidade, garantindo a equidade da cobertura e da assistência farmacêutica em todo o território nacional», salientam os autores do estudo, lembrando que «a rede de farmácias é constituída por 2.919 micro, pequenas e médias empresas, com um mercado caracterizado por forte concorrência local».
No documento, os autores alertam para o risco de desagregação enfrentado pelo sector farmacêutico, devido ao facto de cerca de 70% das farmácias portuguesas terem registado prejuízos em 2014 e 2015.
Intitulada “Sustentabilidade da Dispensa de Medicamentos nas Farmácias em Portugal”, a investigação agora divulgada baseou-se nas demonstrações financeiras e nos volumes de facturação reais de 1.927 farmácias nos últimos dois anos.
«Os indicadores económicos e financeiros da farmácia média», esclarecem os autores, «são essenciais para compreender a sustentabilidade da dispensa do medicamento em Portugal», cujo acesso «é um dos direitos fundamentais dos cidadãos na protecção da saúde».
Em 2014, o serviço de dispensa farmacêutica tinha o valor médio de 13,51 euros. «Isto significa que a farmácia média perdia 0,17 euros por cada serviço de dispensa de medicamentos». Em 2015, manteve-se «um resultado líquido negativo, muito semelhante ao de 2014. Os resultados encontrados demonstram que o serviço de dispensa de medicamentos não é sustentável».
O aviso é claro: «Estes resultados vêm reforçar outros estudos que evidenciam as dificuldades no acesso ao medicamento e a insustentabilidade económica da assistência farmacêutica à população».
Em causa, concretizam os investigadores, está uma «realidade de resultados sistematicamente negativos no período em análise (de 2013 a 2015)», que tem como consequência «dificuldades no acesso ao medicamento devido ao possível encerramento de farmácias, mas também devido a redução de stocks por dificuldades de obtenção de crédito por parte das farmácias».
Para os autores, a manter-se «o modelo económico actual, a dispensa em Portugal de medicamentos sujeitos a receita médica e não sujeitos a receita médica comparticipados não é economicamente viável».
A situação é preocupante, continuam, uma vez que está «em causa a sustentabilidade de um serviço de saúde de proximidade, que garante a qualidade e equidade da cobertura farmacêutica à população portuguesa». Sublinham o papel da farmácia enquanto «espaço de saúde essencial para responder às necessidades em saúde das comunidades locais, particularmente em localidades do país de menor densidade populacional, onde não há acessibilidade a outros profissionais de saúde».
Outro dado alarmante diz respeito ao encerramento de farmácias. Segundo dados do Relatório da Primavera do OPSS, «os anos de 2013 e 2014 foram aqueles em que se observou um maior número de encerramentos de farmácias».
Em Dezembro de 2014, 492 farmácias – 16,9% das farmácias do país – encontravam-se em situação de insolvência ou penhora, o que representa um crescimento de 102 farmácias face ao ano anterior. Dados da Associação Nacional das Farmácias (ANF) apontam para um cenário ainda pior: em 2015, quase 512 farmácias (17,5% do total) estavam em situação de insolvência ou penhora.
A Universidade de Aveiro conclui que «a tendência de resultados negativos que se verifica no sector das farmácias põe em causa o acesso da população ao medicamento e à assistência farmacêutica, um dos pilares fundamentais do Serviço Nacional de Saúde e do direito à Saúde, consagrado na Constituição da República Portuguesa».