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4 abril 2024
Texto de Sandra Costa Texto de Sandra Costa Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

200 anos de Vista Alegre

​Histórias da fábrica que “descobriu” a porcelana e marcou a vida da terra onde nasceu. 

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​À entrada do Museu Vista Alegre, Margarida Marieiro aguarda os visitantes. O sogro e o marido trabalharam na fábrica, eram forneiros. «Traziam o almoço (bacalhau com batatas), e aqueciam-no no forno ainda quente de cozer a porcelana», conta a guia. Mostra com orgulho o forno-garrafa de fabrico alemão, feito de tijolo de cima a baixo, que domina o hall de entrada. Margarida discorre sobre o processo de cozedura, as temperaturas, as 500 a 1500 peças por fornada, o simbolismo do prato concebido pela marca portuguesa para celebrar o bicentenário. «Quem nos visita vai sempre com a vista mais alegre», lança. 

Hoje os fornos a gás natural cozem 50 mil peças por dia, a produção é contínua. Muito mudou desde 1824, o ano em que José Ferreira Pinto Basto, proprietário agrícola e comerciante, casado com uma inglesa, fundou a Fábrica de Porcelana da Vista Alegre. Foi a primeira unidade industrial dedicada à produção de porcelana de Portugal. A fábrica permaneceu nas mãos da família durante sete gerações, até ser adquirida pela Visabeira, em 2009. 

 O forno-garrafa de fabrico alemão, feito de tijolo de cima a baixo, domina o hall de entrada do Museu Vista Alegre 

Ao longo das várias salas do museu conta-se a história do fundador, da produção de vidro, até 1880, com o apoio de técnicos da Marinha Grande, e das tentativas de produzir «verdadeira porcelana, branca e translúcida», o que acabou por acontecer quando, em 1935, o operário Luís Pereira Capote descobriu jazidas de caulino em Val Rico, e esse mineral foi usado para fabricar a tão ambicionada porcelana pura. 

O museu presta homenagem aos desenhadores e pintores franceses, que traziam do estrangeiro conhecimentos e modernidade. Um deles, Victor Rousseau, destaca-se por ter criado a escola de pintura na fábrica, que formou gerações de trabalhadores. 

 Busto do fundador, José Ferreira Pinto Basto, que em 1824 fundou a Fábrica de Porcelana da Vista Alegre

Sala atrás de sala, desfila a evolução da marca com exemplos de peças de Arte Nova e Arte Decô, peças produzidas para a realeza, peças influenciadas pela famosa porcelana de Sèvres, «o ouro sobre o azul, a expressão a indicar a perfeição», conta Margarida. Também lá se encontram os materiais usados na produção da porcelana e que a tornam «muito mais resistente que a faiança ou o grés». 

O Museu Vista Alegre conta também a história de gerações de ilhavenses, ilustrados numa fotografia que ocupa uma parede inteira, onde se veem sentadas no chão crianças operárias que começavam como aprendizes aos sete ou oito anos, no tempo em que estudar para além da escola primária era uma exceção. 

 Uma das ​salas que ilustram as muitas coleções da marca ao longo destes 200 anos

A fábrica dava trabalho e um modo de vida. Os trabalhadores eram conhecidos em Ílhavo como «os amarelos», nome que virá das barras que debruavam as casas do bairro operário, onde chegaram a viver 500 pessoas, pelo valor mensal de um dia de salário por habitante. No lugar da Vista Alegre havia ainda o palácio da administração, as casas dos engenheiros e toda uma panóplia de equipamentos de apoio: creche, escola, posto médico, dentista, barbeiro, supermercado, cantina, dormitório para quem vinha de longe. Existia uma associação desportiva, um orfeão (banda filarmónica), clube de jazz e teatro, onde mais tarde foi instalado um cinematógrafo, «para educar as pessoas», explica Margarida. «Era quase obrigatório aos homens saber tocar um instrumento e às mulheres bordar», conta a guia. 

primeira corporação de bombeiros de Portugal nasceu da ​iniciativa da família Pinto Basto

Pela mão da família Pinto Basto teve o país a sua primeira corporação de bombeiros e a primeira bola de futebol. No primeiro jogo realizado no país, contra os ingleses, a vitória foi portuguesa. 

Na visita ao Museu Vista Alegre encontra-se a história de uma das mais icónicas marcas nacionais, mas também a história de um tipo de organização social que marcou gerações de portugueses. Ontem como hoje, a Vista Alegre continua a ser um dos maiores empregadores da região, já não no fabrico da porcelana, mas nos equipamentos turísticos entretanto criados, incluindo um hotel. Ontem como hoje, a Vista Alegre continua a ser um retrato das dinâmicas de Portugal. ​