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28 setembro 2023
Texto de Sandra Costa Texto de Sandra Costa Fotografia de Ricardo Castelo Fotografia de Ricardo Castelo Vídeo de João Miguel Silva Vídeo de João Miguel Silva

Varanda sobre o Tâmega

​​​​​Amarante nasceu da fama de um santo, São Gonçalo, e gerou artistas como Amadeo de Souza-Cardoso e Agustina Bessa-Luís.

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A 40 minutos de carro do Porto, Amarante é local de paragem para quem visita o Douro. Erguida no vale do rio Tâmega e rodeada de verde, tem como grande atração a Igreja de São Gonçalo e a história do frade dominicano que, 700 anos depois, ainda atrai peregrinos. Além do turismo religioso, a cidade oferece ao visitante artes plásticas, música, gastronomia, doçaria conventual e paisagens fantásticas. Vale a pena pernoitar, sentar-se numa esplanada com vista de rio e brindar à vida com um copo de vinho verde na mão.


Turistas animam a Rua 31 de Janeiro, no centro histórico

Na fronteira entre o Douro Litoral e Trás-os-Montes, Amarante sempre foi terra de passagem. Para transpor o sobressaltado Tâmega era preciso atravessar a robusta ponte de granito, mesmo ao lado da igreja. Terá sido São Gonçalo quem mobilizou o dinheiro dos ricos e o trabalho dos pobres para reconstruir a instável ponte romana, diz a lenda. «A ponte é um símbolo da nossa identidade e motivo de orgulho para os amarantinos», garante a farmacêutica Laura Brandão, lembrando a «luta heroica» de 1809, quando tropas, clérigos e civis impediram durante 14 dias a travessia pelo exército napoleónico, dando às forças portuguesas tempo para se reorganizarem.


A Confeitaria da Ponte perpetua, desde 1930, a arte das freiras do Convento de Santa Clara 

A ponte dá nome a vários negócios da cidade, entre os quais a farmácia que Laura gere desde 1989, no centro histórico. Ao lado, a Confeitaria da Ponte perpetua, desde 1930, a arte das freiras do Convento de Santa Clara. Na fábrica por baixo da loja, as funcionárias ocupam-se da minuciosa confeção de foguetes, lérias, brisas do Tâmega, papos de anjo e são gonçalos, os cinco doces típicos que, lá em cima, na varanda sobre o rio, fazem as delícias de turistas e amarantinos. Em agosto vendem-se, por dia, cinco redes de papos de anjo. Cada uma tem 110 bolos, conta Joana Machado, que gere a casa desde 2020. Há dez anos, a arquiteta trocou o Porto pela terra do pai em busca de uma vida mais sossegada, e não se arrependeu.


O rio é um dos locais preferidos da farmacêutica Laura Brandão

Ao lado da confeitaria, escadas de granito conduzem ao rio, junto à Ponte de São Gonçalo. Em ambas as margens há trilhos pedestres: o dos castanheiros e o das azenhas. Corre a brisa entre as árvores que ladeiam o rio, cheira a figos. Canoas e gaivotas coloridas, da empresa Amazing Tâmega Boats, navegam junto à Ilha dos Amores, onde Carlos do Carmo cantou numa festa memorável, e Laura Brandão e os colegas de liceu tomavam banho nos dias quentes de verão. O rio faz parte das memórias dos amarantinos e, não raras vezes, dos sustos, quando as águas sobem e invadem as casas. Uma placa na Rua 31 de Janeiro assinala o nível das águas da grande cheia de 21 de março de 2001, apenas 17 dias depois da queda da ponte de Entre-os-Rios.


A canoagem é uma das atividades proporcionadas pelo Aventura Marão Clube

No inverno, as águas caudalosas do rio reúnem as condições ideais para a canoagem de águas bravas. Na tranquilidade do verão, crianças e jovens praticam junto à praia fluvial Aurora, enquanto outros treinam saltos para a água do cimo de um penedo gigante. Numa roda, alguns jovens fazem o aquecimento antes de entrarem nos caiaques. Aproveitam as férias desportivas proporcionadas pelo Aventura Marão Clube, que promove atividades de canoagem, BTT e Comércio Justo. Também é possível alugar gaivotas, pranchas de paddle e caiaques. Nestas escolinhas de verão, os mais jovens tomam contacto com a canoagem e alguns tornam-se atletas. Se não viessem, muitos ficariam em casa a jogar videojogos. «Aqui evoluem imenso», explica o treinador Ricardo Brandão. Filho de Laura, também ele farmacêutico, tornou-se atleta no clube e hoje é membro da Direção.


A varanda dos reis (à esquerda) lembra os quatro monarcas que reinaram em Portugal durante os 80 anos de construção da Igreja de São Gonçalo 

A Igreja de São Gonçalo, espaço de peregrinação nacional, representa um marco na fundação de Amarante. Foi mandada construir no século XVI, por cima do pequeno eremitério onde se crê estaria sepultado o santo casamenteiro «de novas e velhas», que no século XIII peregrinou a Roma e à Palestina. Na fachada lateral, a imponente varanda dos reis lembra os quatro monarcas que reinaram em Portugal durante os 80 anos de construção da igreja. No interior, destaca-se o órgão de tubos do século XVIII, ainda hoje usado nas celebrações litúrgicas, e o túmulo de São Gonçalo.  

​​​​​Órgão de tubos do século XVIII, ainda hoje usado nas celebrações litúrgicas

A cada 15 minutos, até às 22 horas, canta o sino da igreja. ​Haja pernas para subir à torre sineira e ter a compensação da vista sobre a cidade inteira. Lá de cima, desenha-se o contorno dos três claustros do convento que, até à extinção das ordens religiosas, em 1834, foi casa de frades dominicanos. Desde então já foi tribunal, mercado, cavalariça, hospital, delegação de saúde e repartição de finanças. Hoje alberga os Paços do Concelho e o museu municipal, cujo patrono é Amadeo de Souza-Cardoso, em honra do pintor oriundo de uma família abastada de Manhufe, que partiu jovem para Paris para integrar a vanguarda da época, e deixou uma obra importante apesar da morte prematura aos 30 anos, causada pela gripe pneumónica de 1918.


O pintor oriundo de uma família abastada de Manhufe é o patrono do museu municipal

No museu encontramos a «coleção mais variada e completa» da história da pintura moderna e contemporânea de Portugal, assegura Rosário Machado, responsável pelo pelouro da cultura no município. Ali se reúnem obras de pintores e escultores amarantinos célebres, como António Carneiro e Acácio Lino. Mas Amarante também gerou poetas e escritores, como Teixeira de Pascoaes, Paulino Cabral e Agustina Bessa-Luís. Para celebrar o centenário do nascimento da escritora de Vila Meã, o museu apresenta a exposição “A mulher é uma criadora por natureza”.


António Silva tornou-se mestre na construção da viola amarantina

«Amarante é terra de artistas», orgulha-se Laura Brandão, e também na música deixou marca. Lá nasceu a viola amarantina, instrumento medieval usado para abrilhantar romarias e trabalhos agrícolas. No tampo da frente tem incrustados dois corações, diz-se que para eternizar o amor não correspondido de um apaixonado. António Silva assume-se como «o grande recriador da viola amarantina», brinca. Marceneiro de profissão, começou a construir violas por hobby, antes mesmo de aprender a tocá-las com o professor Eduardo Costa, outro amante da viola amarantina. Na oficina na Rua dos Gambitos, na freguesia de Gondar, António fala com paixão do ofício que aprendeu por tentativa e erro. Hoje já consegue ser «rápido e perfeito», tornou-se mestre.​

 


De regresso a Amarante, com o Marão no horizonte, ganham sentido as palavras de Laura Brandão sobre a terra onde nasceu e escolheu viver: «Amarante é uma cidade cheia de tradição, história, arte e beleza natural».


 



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