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3 março 2022
Texto de Carina Machado Texto de Carina Machado Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro Vídeo de André Torrinha Vídeo de André Torrinha

Uma mulher de família

​​​​​​​​​Os ganhos e as perdas de uma atriz que se assume mulher de uma fé sem culpa.​

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​Quando é que nasceu atriz?
No dia 28 de julho de 1975. [risos] A minha mãe era uma pessoa artística, chegou a ser bailarina do São Carlos, e estimulou muito a nossa criatividade. Eu e os meus irmãos sempre brincámos ao faz de conta. Quando estávamos no campo fingíamos que era África, fazíamos teatros, concursos de dança… A minha irmã decidiu cedo que queria ser atriz, e eu, como mais nova, quis seguir as pegadas da minha deusa. Aos 18 anos surgiu a oportunidade de fazer um casting e, a partir daí, as coisas aconteceram. Tive a sorte de ter os melhores professores: o Armando Cortês, a Manuela Maria, o Nicolau Breyner… e de passar por diferentes áreas: o teatro, a revista, a novela, a série, a sitcom. Entretanto, fui-me inscrevendo em tudo o que eram cursos e seminários, até que fui parar a Espanha, ao Juan Carlos Corazza, que é, até hoje, o meu mestre. Acredito muito no seu método.

Que método é esse?
O Juan Carlos mostra-nos como ganhar consciência de que temos uma caixa com todas as ferramentas necessárias à representação, e como entrar, e sair, dessa caixa. Porque representar é muito giro, mas se nos atiramos de cabeça e somos tomados por qualquer emoção ou sentimento que o nosso organismo reconhece, mas de que não se consegue libertar, pode ser complicadíssimo.


«No início da minha carreira, mais do que onde começo eu e acaba o papel, foi o sentir “eu agora sou a artista”. Isto é perigosíssimo. Tira-nos do eixo»
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Já sentiu essa dificuldade, “quem é o personagem, quem sou eu”?
Está a acontecer agora, é engraçado! A mulher que estou a fazer aqui, no Teatro da Trindade, na peça “O Amor é Tão Simples”, ainda me deixa nervosa. Já consegui delinear as fronteiras, encontrar a verdade dela, que não é igual à minha, pois não somos pessoas iguais. Mas durante algum tempo guerreei comigo mesma, porque não quero que o público me veja a mim, Ana. O que é só tolo, porque o público vem ao teatro para ver a história, mas também os atores! Hoje, porém, é mais frequente aperceber-me do bom que é ter algo especificamente meu para dar à personagem, e entender que talvez tenha sido por isso que me chamaram para o papel.

No início da minha carreira, mais do que onde começo eu e acaba o papel, foi o sentir “eu agora sou a artista”. Isto é perigosíssimo. Tira-nos do eixo. Valeu-me a família para recolocar os pés na terra. E a psicanálise. [risos]

Explique lá isso da psicanálise.
Tem tudo a ver com o que falávamos. Em 2001, era ainda novinha, percebi que ser ator não é para meninos. Representar papéis, se não estivermos preparados, pode mexer muito com a nossa cabeça. Nessa altura estava a fazer uma personagem com traumas, coisas por que também eu havia passado na adolescência, mas com as quais não havia lidado. À medida que os ensaios iam decorrendo, comecei a ter tonturas, dores de cabeça, confusão mental… Quando o médico me disse que sofria de stress fiquei muito surpreendida. Falei então com uma prima psicóloga, que me recomendou uma colega. No dia seguinte tive uma consulta e só me lembro de que desatei a chorar à primeira pergunta e que saí de lá sem os problemas físicos com que entrara. Fui acompanhada por mais 15 anos, e as minhas terapeutas foram essenciais para que eu seja a Ana de hoje e para conseguir desenhar a mulher que pretendo vir a ser.

Que é…?
Alguém que se mantém fiel à sua formação, aos seus valores, àquilo em que acredita. Alguém que não se deixa ludibriar pelas consequências que possam existir por ser figura pública e que mantém a sabedoria de escolher a família.


«Quero manter-me fiel aos meus valores e ter sempre a sabedoria de escolher a família»

A família, os valores familiares, estão sempre bem marcados no seu discurso…
Sim. Sempre foram importantes, mas hoje, aos 46 anos, tenho total noção do quanto. A minha mãe, os meus irmãos, o meu pai, foram quem me agarrou nos meus devaneios. E agora a família que estou a construir, com o meu marido e o meu filho. Hoje sei que, para manter a loucura necessária, enquanto artista, preciso de ter uma estrutura familiar consistente. Isso obriga a escolhas, claro, a ter de saber dizer não a determinadas coisas, a gerir horários.

Quando foi mãe, há cinco anos, resolveu pôr a carreira em pausa. Fale-nos um pouco do que motivou essa decisão.
Tinha 40 anos quando casei, por isso eu e o Afonso quisemos logo ser pais. Trabalhávamos ambos muito, eu já não era uma menina, e pensei: “se calhar está na altura de parar um bocadinho”. O meu marido conseguia aguentar as contas e queria ser eu a dar ao Pedro a estrutura e o acompanhamento iniciais, até que fosse para a escola, aos três anos. Na verdade, quando o Pedro tinha dois meses fiz um espetáculo que há muito vinha sendo adiado, e ele acompanhou-me, porque estava a amamentar. Depois fiz a reposição de “Os Vizinhos de Cima”, com o Pedro Lima, a Fernanda Serrano e o Rui Melo. Só ia ao teatro à noite, tinha os dias disponíveis. Foi bom regressar devagarinho.


A atriz está em cena, no Teatro da Trindade, em Lisboa, com a peça “O Amor é Tão Simples” encenada por Diogo Infante

É pública a sua perda anterior…
Sim, perdi uma filha de uma relação anterior. Estava no quinto mês de gestação e foi todo um processo de aceitação. Tratou-se de uma gravidez muito acompanhada, porque a Maria Flor – é assim que a chamo, tinha síndrome de Turner, uma condição cuja gravidade não se consegue avaliar à partida. Mas era grave, tanto que, pode parecer esquisito dizer assim, mas tive o privilégio de ter sido ela a tomar a decisão de ir à luz divina, de uma forma natural. Foi duro, tive de fazer um parto, mas nessa altura a minha fé afirmou-se muito. A minha Maria Flor trouxe-me e continua a trazer-me imensas coisas. Todos nós nascemos com um anjo da guarda e eu tenho dois, porque o ganhei nesta vida.

Quando voltou a engravidar, não teve medo? 
Temos sempre, eu acho. Sei que o que aconteceu, infelizmente, é muito comum, embora na altura me tenha questionado sobre se teria algum problema que pudesse voltar a repetir-se. Mas na gravidez do Pedro o medo foi superado pelo estado de espírito em que me encontrava, cheia de força do amor, do casamento, e pela vontade de que a minha mãe, que descobrimos nessa altura que tinha uma leucemia, pudesse ver o neto ou a neta. Tenho mais medo agora. Gostava de ter mais filhos, quisemos tê-los, e perdi três. Já tenho 46 anos, estou a começar a equacionar se fará sentido. O meu médico incentiva-me porque sou saudável e o meu corpo funciona naturalmente como sempre funcionou. Mas começo a achar que já não quero pressionar muito a vida, porque ela está a dar-me sinais de que, se calhar, está na altura de tranquilizar o coração.


«Sempre lutei com o peso», diz Ana Brito e Cunha, revelando ter ganho consciência de que somos o que comemos

Como é que se relaciona com a saúde?
De um modo cada vez mais consciente. Julgo que a idade também ajuda. Toda a minha vida lutei com o peso. Quando passei de menina a mulher, o meu volume aumentou muito e só mais tarde, por volta dos 30, é que consegui perder cerca de 22 quilos. Nessa altura ganhei consciência de que somos o que comemos, que temos, realmente, de nos cuidar. Procurei retirar da minha alimentação o açúcar, refrigerantes, conservas, comidas processadas. Preocupo-me em comer produtos biológicos, sou muito exigente nisso com o meu filho. Nem sempre é fácil, mas tento proporcionar-lhe alimentos com o maior valor nutricional possível, para reforço do sistema imunitário. Acredito muito no poder da prevenção.
 
Tem a sua farmácia?
Tenho, claro. Há entre nós uma relação de confiança, porque me conhecem bem, a mim e à minha família, ao meu filho.


Ana recebeu formação católica: «Tivemos a sorte de ter sido educados sem a culpa, tendo por base o amor de Jesus»

Diz que a dada altura a sua fé se afirmou muito. É uma pessoa espiritual?
Muito. Tive uma educação cristã, católica, sem pecado. Acho importante dizer isto, porque tivemos a sorte, na família, de ser educados sem a culpa, tendo por base o amor de Jesus. Nas várias fases da vida tive as minhas dúvidas, mas aos 30 decidi que queria ser crismada, porque tive um momento incrível com Nossa Senhora, e percebi: isto faz sentido. Assumo a minha fé sem vergonha, é-me fácil falar dela, e essa comunhão tem-me trazido os encontros mais incríveis.

 

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