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4 setembro 2025
Texto de Teresa Oliveira | WL Partners Texto de Teresa Oliveira | WL Partners Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

Quase metade da minha vida com lúpus

​​​​​Aos 26 anos, Rita Jorge descobriu que tinha uma doença autoimune que pode afetar qualquer órgão. 

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Rita Jorge tinha 26 anos quando descobriu que tinha lúpus. «Começou com uma mancha avermelhada na cara [como se fosse um ‘escaldão’ nas bochechas e nariz] que inicialmente desvalorizei porque achava que fosse alguma reação alérgica. Só que o tempo passava e a mancha não desaparecia». Desconhecia que esta doença autoimune era, também, a causa de dor nas articulações, sobretudo de manhã, e muito cansaço. «Até por uma questão estética» o que mais incomodava a jovem Rita era a mancha na cara, em forma de borboleta (um dos mais reconhecíveis sinais de lúpus) e que até levava outras pessoas a questioná-la. Um dia, ao sair de casa de uma amiga, soube pela primeira vez o que lhe poderia estar a acontecer. Cruzou-se com o pai da amiga, médico, cuja cara não deixou margem para dúvidas: «Ficou muito sério a olhar para mim e perguntou-me se eu já tinha ido ver o que tinha na cara. E disse mesmo que lhe parecia que era lúpus...».

Rita sobressaltou-se. «Acho que já tinha ouvido a palavra, mas não fazia a mínima ideia do que era o lúpus. E sobretudo assustou-me a cara séria do pai da minha amiga a aconselhar-me a ir o mais depressa possível a um dermatologista». Pouco tempo depois, já com manchas espalhadas na área do decote, entrou na consulta de dermatologia e voltou a encarar outra cara muito séria. Uma biópsia às lesões confirmou o diagnóstico: lúpus eritematoso sistémico, o que significa que a doença pode afetar qualquer órgão. Além do choque para uma jovem mulher até então saudável e despreocupada com a saúde, saiu do consultório com a preocupação adicional de evitar ao máximo o sol. «Fiquei em pânico. Pensei: “com 26 anos vou ficar em casa, completamente isolada do mundo. Quem é que vai querer ser amiga de uma pessoa doente que não pode sair, nem pode ir à praia?”».

Os seus piores receios acabaram por não se concretizar. A dermatologista encaminhou-a para um especialista em doenças autoimunes, que «foi extraordinário». Acalmou-lhe os medos e garantiu que poderia ter qualidade de vida e fazer uma rotina normal desde que tomasse a medicação, não esquecesse as consultas e o protetor solar. O que não significa que a sua vida tenha sido fácil.



A doença colocou em causa a autoestima de Rita, que se recusou a baixar os braços. Hoje, vive mais intensamente do que nunca


Existem vários tipos de lúpus, que afeta nove mulheres para cada homem na idade adulta, de acordo com a Associação de Doentes com Lúpus. Além do sistémico, o que afeta Rita, existe o lúpus cutâneo isolado, com consequências ape- nas na pele. «O lúpus não tem uma “causa”, mas é provavelmente explicado por várias “causas”, que são combinadas como peças de um puzzle», adianta ainda a associação, e por isso a doença manifesta-se de forma diferente de pessoa para pessoa. No caso da Rita começou por ter especial incidência na pele, o maior órgão do corpo humano. Com o tempo, além das articulações e do cansaço, em consequência de uma crise ficou com os rins afetados.

«Por coincidência, tenho uma colega em que as análises demonstram ter lúpus, mas raramente tem sintomas. E os que tem são muito leves», explica Ana Rita. Ela própria tem períodos de remissão (sem sintomas) por vezes até bastante longos, em que faz uma vida normal e quase se esquece da doença. «Quase, porque tomo imensa medicação, faço análises e consultas frequentes», que, nesses períodos, são de seis em seis meses. «Às vezes tenho a sensação de que passo a vida nos médicos, no hospital. É complicado», quer em termos pessoais, como profissionais.

A sua experiência de quase 24 anos de gestão da patologia ― está perto dos 50 anos, «quase metade da vida com lúpus» ― fê-la perceber que as crises são espoletadas pelo stresse. «Está provado que é um grande inimigo do sistema imunitário», comenta, mas é um «fator que, seja por razões profissionais ou pessoais, é difícil de evitar, não é?». A medicação também pode ter efeitos secundários se tomada por longos períodos. «Os corticoides e imunossupressores podem contribuir para calcificações na mama e até mesmo para quadros de cancro», afirma. Num exame de rotina, a médica prescreveu-lhe uma mamografia que detetou calcificações com indicação para biópsia.

«Felizmente revelou-se benigno, mas com indicação para vigiar». Rita recorda também um período particularmente doloroso em que teve de tomar doses elevadas de cortisona, o que a fez inchar muito. «As pessoas, mesmo que queiram disfarçar, fazem um ar... É que nem é a gordura normal. Custa muito, mexe com a autoestima. Observar olhares de pena não é agradável. Mas pronto, são fases», desdramatiza.




A doença, e as crises que foi tendo, foram adiando o seu projeto de maternidade. Acabaria por só conseguir ser mãe aos 41 anos, explicando que a preocupava muito a possibilidade de o lúpus ser transmitida ao bebé. Os profissionais de saúde descansaram-na, explicando que a condição não é razão para não ter filhos. «Mesmo assim fiquei satisfeita por ser um rapaz, porque a probabilidade decresce», desabafa.

Apesar do cansaço e das dores, tenta que a doença não seja um obstáculo na sua vida. «Sinto-me melhor a fazer alguma coisa do que ficar parada, porque aí começo a pensar demasiado», o que acaba por causar ansiedade e stresse. Chegou a fazer terapia para lidar com a ansiedade e sente que o exercício físico moderado e uma vida saudável são uma grande ajuda. «Após uma noite mal dormida, sinto logo dor, sobretudo nos pulsos, e penso: “bem, tens de abrandar”». A quem tenha sido diagnosticado recentemente, deixa um conselho: contactar a Associação de Doentes com Lúpus, pois dá suporte em diversos níveis, como aconselhamento sobre direitos e deveres, ajuda psicológica e tem residências em Lisboa e Matosinhos onde os associados que vivem mais longe podem ficar alojados durante o tempo necessário para fazerem tratamentos. «Quando somos diagnosticados não sabemos quase nada sobre a doença e a associação apoia-nos».​

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