Maria Helena Guia tem 34 anos e vive com psoríase, uma doença inflamatória crónica, autoimune, que se manifesta principalmente na pele. Há cerca de uma década, num mês de junho, estava a divertir-se num arraial, a celebrar os Santos Populares. «Tinha ido à praia nesse dia» e apesar de o sol ser benéfico para os doentes psoriáticos, as lesões características da doença ficam «um bocadinho mais aguerridas, com um tom mais avermelhado, pese embora todos os cuidados com a proteção solar», conta. Ao contrário do que era habitual naquela fase da sua vida ― em que a doença se manifestava de forma particularmente severa ― Maria Helena decidiu usar saia em vez de calças. «Contra tudo e contra todos, contra mim mesma», afirma, decidida a «combater o estigma da doença».
Não demorou muito até ser obrigada a usar calças. «Um senhor mais velho abordou-me e disse-me: “A menina já viu a grande infeção que tem nas pernas?”». Maria Helena, sem pestanejar, respondeu-lhe: «É psoríase, conhecida como a doença dos três nãos – não se pega, não mata e não tem cura». A reação foi seca: «“Ah, isso é que é pior”», respondeu o homem antes de lhe virar costas. «Não estava desperto, nem queria perceber o que era a psoríase. O que lhe interessou foi chamar a atenção para as minhas pernas, porque o chocaram». Apesar do desconforto, Helena sentiu orgulho na sua resposta, e confirmou que eram reais os olhares que pensava serem fruto da sua imaginação.
Hoje, como membro da Direção da PSOPortugal ― Associação Portuguesa da Psoríase, assume a missão de sensibilizar a sociedade e apoiar outras pessoas que vivem com esta doença. Aquele momento de exposição nos Santos Populares foi excecional na vida da jovem Maria Helena. Apesar do tom positivo que sempre tentou dar à sua vida, começou a partilhar a sua história apenas aos 27 anos. «Só quando acertaram no meu tratamento», justifica.
Os primeiros sintomas surgiram aos 13 anos, sem uma causa clara. «Uma série de fatores pode espoletar a psoríase», revela. No seu caso, pode ter havido uma componente hereditária, embora de um tipo diferente dos outros familiares afetados, pois Maria Helena tem psoríase gutata, uma forma menos comum da doença. «Pode ser o stresse, um fator emocional ou algo que desconhecemos. Na verdade, não sabemos bem de onde pode vir». A doença apareceu após a perda da avó, no que identifica como «o ponto mais emocional» da sua vida. «Foi a pessoa que me criou, a pessoa que não me deixou ir para a escola até aos seis anos, que me trouxe no regaço. Acredito que tenha sido por isso».
Inicialmente, a doença manifestou-se apenas no couro cabeludo. Curiosamente, agora que o tratamento é eficaz, as únicas lesões que persistem – cerca de 1% – continuam localizadas nessa zona e surgem em momentos de maior stresse. Os pais pensavam que era apenas caspa, o que causou estranheza em Helena. «Eu associava a caspa a pessoas mais velhas… E no meu caso seria uma caspa muito potente, muito intensa. Tinha comichão e, quando tirava essas peles, vinha cabelo agarrado». Pouco depois surgiram lesões nos cotovelos e joelhos, levando os pais a suspeitar de outra condição. Assim começou uma longa jornada por médicos, sem diagnóstico claro: «Dos 13 aos 18 anos, diziam que eu tinha seborreia, dermatite, eczema. Nunca era psoríase».
O diagnóstico só chegou com a maioridade, coincidindo com a entrada na universidade e o agravamento dos sintomas. «É quando o meu corpo se altera completamente», relata Maria Helena, que a partir desse momento se começou a proteger mais. «Colocava base nas pernas para poder vestir calções no verão» e evitava situações como ir à praia, exceto com amigos próximos, que estiveram sempre do seu lado e com quem procurou «ter um papel educacional» sobre a psoríase. Foram anos desafiantes. Quando tinha surtos, «nem pensar em conhecer pessoas; estava com os meus amigos à minha volta e tentava estar bem comigo própria, acima de tudo». Desses tempos, recorda ainda uma crise severa, por volta dos 19 ou 20 anos. «Mostrei o meu corpo a uma amiga, ela desatou a chorar e disse: “Como é que tu consegues?”».
Dado que a psoríase provoca uma renovação acelerada das células da pele, levando à formação de crostas brancas e secas, «quando dobrava as articulações a pele estalava e formava fissuras, com sangue», conta. Certa vez, numa reunião com um cliente, usou uma camisa branca. «Saí daquela reunião completamente sarapintada de pintinhas de sangue… Qual foi a minha sorte? A reunião era precisamente com uma empresa farmacêutica que estava a trabalhar um fármaco para a psoríase.» Através dessa empresa, aproximou-se da PSOPortugal, que já conhecia, mas à qual nunca tinha recorrido. Num evento, um médico que trabalha com esta associação mudaria o rumo da sua vida: «Estava a falar com ele e disse: “Por acaso tenho psoríase”, e mostrei-lhe as pernas. Respondeu-me: “É impensável uma jovem de 27 anos estar com a pele assim. Quero-te no meu consultório na próxima semana”». Foi-lhe prescrito um medicamento biossimilar que eliminou todas as lesões e evitou o aparecimento de novas.
Muitas pessoas ainda veem a psoríase como uma simples doença de pele. No entanto, está associada a várias comorbilidades, ou seja, patologias que surgem associadas à doença, como diabetes, colesterol alto, doenças do coração, obesidade e artrite psoriática. «Quando ouço as pessoas falar da psoríase de forma muito banal, choca-me», desabafa Maria Helena. «Choca-me que ainda não haja sensibilidade e educação para o que realmente é esta doença», que afeta milhares de pessoas em Portugal. Também lamenta o desconhecimento entre os próprios doentes, a quem aconselha que procurem a PSOPortugal. «Eu devia ter recorrido à PSO mais cedo», admite, destacando o trabalho da associação em prol das pessoas com doença e da sua «literacia em saúde». E deixa um apelo: «Os doentes esquecem-se de que podem fazer perguntas aos médicos, pedir exames, procurar uma segunda opinião. Acima de tudo, não se podem esquecer de que têm direitos. Porque os temos e muitas vezes esquecemo-nos!».