A casa onde João de Deus viveu a infância e a juventude, em São Bartolomeu de Messines, é feita de cal e grés, a pedra típica de Silves. Fica mesmo no centro da vila, ao lado da bonita igreja matriz, num largo contornado por muros brancos e bancos de jardim, à sombra das árvores. No rés-do-chão, recria-se a ambiência familiar do homem que nasceu em 1830, no interior do Algarve. A cozinha, com o fogão a lenha e utensílios de ferro e latão, conserva o chão de origem, o quarto com a cama de ferro, o cortinado de croché, o enorme crucifixo sobre a cómoda, e poemas suspensos nas paredes retratam a vida do pedagogo. O primeiro andar é dedicado à obra, apresentando ao público o espólio perpetuado pela família. Lá estão desde as primeiras edições de poesia à “Cartilha Maternal”, o principal legado do pedagogo português. Publicada em 1876, a “Cartilha Maternal” demorou sete anos a ser produzida. Propôs um método de ensino da leitura às crianças tão inovador que foi aprovado, dois anos depois, como o método nacional de aprendizagem da leitura e da escrita da língua portuguesa.
Na poesia de João de Deus corre muito da vivência do Algarve e da Natureza. Foi um cançonetista e tornou-se poeta satírico, como reacção às críticas de que foi alvo na sequência da publicação da “Cartilha Maternal”. «Na sua prosa, valoriza o amor e menos o dicionário», conta Hélia Coelho, a assistente técnica da Casa-Museu João de Deus, que conhece a fundo a vida e obra do autor. «Não há existência alguma que não tenha amor, nenhuma. Porque o amor é, em summa, essencia de todo o sêr. Ha sempre quem nos attráia. Mil vezes que a onda cáia, ha uma rocha, uma praia aonde a onda vai ter» (in “Flores do Campo”).
Antes de poeta e pedagogo, João de Deus foi um humanista, profundamente preocupado com as limitações do analfabetismo na existência humana. «A casa valoriza a dimensão do humanista, que cria um método inovador de “ler como se diz”, ou seja, com base na fonética», explica Hélia Coelho. Para o enraizamento dos valores humanistas e pacifistas terá contribuído a experiência do caos que o guerrilheiro Remexido, de quem foi contemporâneo, lançou em Messines.
Com excepção dos anos de boémia em Coimbra, depois de casado tornou-se uma pessoa recatada e pouco sociável. Morreu em 1896 e está sepultado no Panteão Nacional, o que atesta o reconhecimento do país. Na terra onde nasceu, é figura de referência. Todos os anos comemora-se o aniversário do nascimento, por forma a «manter vivo o legado para as gerações mais novas», explica a psicóloga Helena Pinto, que vive em Messines há 16 anos. Além da Casa-Museu, transformada há 24 anos pelo município, a pequena casa onde o pedagogo nasceu também presta homenagem ao homem que é, mais que todos, o orgulho de Messines.