Maria Luísa Gonçalves, 79 anos, ajeita a massa de amêndoa nas mãos. Enrola, e volta a enrolar. Usa um garfo para furar. «Vou agora fazer uma laranja, que é um símbolo do nosso Algarve!».
A septuagenária, de sorriso livre e olhos apaixonados, tem mãos sábias e não por acaso. É nora dos fundadores da Casa de doces regionais Taquelim Gonçalves, localizada no centro histórico de Lagos, e uma das mais conhecidas do Algarve.
«Há quem aplique spray nos doces finos, mas eu não gosto. Fica muito artificial! Gosto muito mais de usar o pincel e pintá-los», diz, rematando que «não é de admirar, pois, fui ensinada assim».
Nascida em Lagos, onde toda a vida tem vivido, Maria Luísa é o símbolo vivo de um legado de família. Tinha 15 anos quando, debaixo do olhar meticuloso do sogro, de José Francisco Gonçalves, começou a fazer e pintar doces finos e outros doces regionais.
«Quem iniciou isto cá no Algarve foram os meus sogros. A minha sogra fazia mais os Dom Rodrigo, mas o meu sogro fazia todo o tipo de bolos regionais. Ele tinha muita habilidade e muita criatividade!», lembra.
A “Casa de Doces Regionais Taquelim Gonçalves” foi fundada em 1935 em Lagos pelo casal Gonçalves, José Francisco e Amélia Taquelim. Em 1964 transferiu-se para as atuais instalações, na baixa de Lagos, aí funcionando com o nome “Casa de Doces Regionais Amélia Taquelim Gonçalves”. José Francisco Gonçalves, filho, que partilhava o mesmo nome do pai, geriu a empresa até aos anos 90.
Na fábrica, localizada numa rua anexa à pastelaria, até aos dias de hoje, a doçaria regional, isto é, os afamados bolos Dom Rodrigo (ovos, amêndoa e canela); os doces de Amêndoa algarvios artesanais (queijinhos, vieiras, alcofinhas, nozes, frutos e bichos feitos com massa de amêndoa, recheio de ovos moles e fios de ovos) ou os doces e morgados de Figo (figo, amêndoa e ovos) são, todos, produzidos «sempre com muito amo», de forma artesanal e a partir de receitas tradicionais.

«Em agosto chegamos a fazer 600 Dom Rodrigo e 600 doces finos por dia! Ficamos a trabalhar até mais tarde, mas temos de aproveitar a época», revela Maria Luísa.
Ao seu lado, eis Cristina Silva, 22 anos, a sua aprendiz. Debaixo da sua supervisão é, desde há três anos, a principal responsável pela produção dos Dom Rodrigo.
«Parti 36 ovos!», diz a rir, desvalorizando a rapidez aplicada no processo.
Feito o creme de ovo e de calda de açúcar já ao lume, com a ajuda de um coador, com cinco saídas pontiagudas independentes, os fios de ovo começam a ganhar forma no tacho.
«Gosto muito do que faço. Fazer os Dom Rodrigo é um trabalho de detalhe, mas é muito divertido», afiança sorrindo a jovem, de pais portugueses, e emigrada da Venezuela.
Maria Luísa é meticulosa, na confeção de cada doce.
«Eu só ensino a perfeição, tem de ser! Podem achar que sou chata, mas eu gosto de estar aqui a acompanhar todos os procedimentos». E já lá vão cinquenta anos.
«Ainda montamos o embrulho em pirâmide, tal como era feito no tempo do meu sogro», certifica Maria Luísa com orgulho e comoção.