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2 fevereiro 2023
Texto de Irina Fernandes Texto de Irina Fernandes Fotografia de Miguel Fernandes Fotografia de Miguel Fernandes Vídeo de André Torrinha Vídeo de André Torrinha

Celebrar o Alentejo

​Passear na Natureza, ver estátuas de ferro-velho e entrar na galeria de uma mina. Encantos para descobrir em Almodôvar, Castro Verde e Aljustrel.​

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O verde-escuro garrido serpenteia o verde tímido da planície. Inês Camões,35 anos, deleita-se com o que vê, como se ali estivesse pela primeira vez. A vista do miradouro da Ermida de Santo Amaro é um regalo para os olhos.

«Tudo isto é Almodôvar. A nossa vila é grande!».

Situada em local elevado, a Ermida permite contemplar a paisagem. «Vale sempre a pena vir até aqui acima, especialmente ao pôr do sol», afirma. 

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«Almodôvar é o paraíso do alentejo!», elogia a enfermeira Inês Camões 

Natural de Almodôvar, a enfermeira é filha da terra. Estudou no Algarve, mas escolheu regressar por amor às origens.

Com mais de uma dezena de ninhos de cegonha, a dar as boas-vindas a quem chega, Almodôvar (quilómetro 662 da Estrada Nacional 2) surpreende o viajante. A história da vila está eternizada de forma original: três estátuas urbanas, feitas de peças de ferro-velho, homenageiam profissões e costumes da terra.

Uma estátua de um sapateiro em pose de trabalho, sentado numa cadeira, cosendo um sapato, traz à lembrança aquele que foi um dos meios mais antigos de subsistência em Almodôvar. Chegaram a coexistir 200 sapateiros. «Hoje já só há um ou dois no ativo», conta Inês Camões, que trabalha no centro de saúde. 

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​O monumento, que fica numa das rotundas da vila de Almodôvar, é da autoria do escultor Aureliano Marques de Aguiar 

Na entrada sul da vila alentejana encontra-se outra estátua, de um mineiro.

«Por aqui, respeitamos muito o trabalho do mineiro. Não é qualquer pessoa que consegue andar debaixo de terra», afirma a enfermeira almodovarense, cujo marido trabalha na mina de Neves-Corvo, uma exploração subterrânea de cobre, chumbo e zinco, em Castro Verde.

A atividade mineira no concelho de Almodôvar, assim como nos concelhos circundantes, continua, até aos dias de hoje, a ter papel fulcral na dinamização socioeconómica da vila e da região. Nas ruas de Almodôvar ouve-se o silêncio. O tocar do sino da Igreja Matriz de Santo Ildefonso tem, um só propósito: levar a apreciar os encantos da vila, sem pressas. «Aqui faz-se tudo, mas mais de devagar!», revela Inês.

Almodôvar, que, no passado ganhou nome de “Vila Negra”, é mais do que planície a perder de vista. Os apaixonados pela arte das palavras encontram um museu que une de forma ímpar os mundos da arqueologia e da linguística: o Museu da Escrita do Sudoeste (MESA). «Este é um museu enigmático, dedicado à escrita mais antiga da Península Ibérica. Encontram-se aqui estelas epigrafadas com uma escrita de 2.500 anos, dos séculos VII-V a. C.», descreve o arqueólogo Rui Cortes, anunciando que «no verão, o museu vai abrir com nova museografia. Convido todos a estar connosco». 

A despedida de Almodôvar merece uma pausa para degustação. Ao almoço ou ao jantar, o cozido de grão cai sempre bem. Melhor ainda com caldo e folhas de hortelã no prato fundo de barro. «É muito procurado por pessoas daqui e turistas», afiança Teresa Parrinha, 58 anos, cozinheira e proprietária do restaurante O Moinho.

Também a doçaria é rica. O mel de Almodôvar é um dos ingredientes do bolo chibo. Às mãos de Francisco Sousa, filho da terra e pasteleiro há 45 anos, é confecionado às dezenas, todos os dias.

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Pasteleiro experiente, Francisco Sousa confeciona diariamente o bolo chibo 

«Conta-se por aqui que a senhora que fazia e vendia este bolo tinha um filho que gostava de falar e inventar muita coisa. Por esse motivo, os outros meninos deram-lhe a alcunha de “chibinho”, acabando por ser dado nome idêntico ao bolo», evoca Francisco, proprietário da pastelaria Sarita, a casa de comércio mais antiga de Almodôvar.

O folhado de gila também é muito procurado. «Os folhados dão muito mais trabalho a fazer!», diz Francisco.

Ao quilómetro 640 da Estrada Nacional 2, Castro Verde convida a manter o ritmo: passos vagarosos, olhos e ouvidos despertos. A vila é uma varanda aberta para a planície.

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O largo da Basílica Real é um dos locais turísticos da vila alentejana de Castro Verde

A observação de aves, ou birdwatching, é uma atividade em ascensão na região. Aqui habitam espécies protegidas, com destaque para o sisão e a abetarda, símbolo de Castro Verde. O Centro de Educação Ambiental do Vale Gonçalinho e as freguesias de S. Marcos da Atabueira e Entradas valem a pena a paragem.

Ecossistema «humanizado de alto valor natural», o concelho de Castro Verde foi classificado como Reserva da Biosfera, pela UNESCO, em junho de 2017.

Por aqui, há uma menina bonita a encantar homens e moços novos: a viola campaniça. Da família das violas de arame, e acompanhando as modas campaniças, esta viola estava presente em bailes e romarias, como a Feira de Castro.

José Abreu, 66 anos, natural de Cuba, perdeu-se de amores há 25 anos. Músico e tocador, é um dos rostos que perpetua o toque e a divulgação do instrumento na vila e além-fronteiras. «Ensinamos o toque e a construir a viola, não só a alunos que queiram inscrever-se, mas a adultos com disponibilidade», aponta o músico. 

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Natural de Cuba, José Abreu mudou-se para Castro Verde para dar aulas. Perdeu-se de amores pela viola campaniça, até aos dias de hoje

É no Centro de Artes e da Viola Campaniça de Castro Verde que tudo acontece. «Para além de aulas de canto, vozes, toque e construção da viola, disponíveis para todos, realizamos workshops e atividades pontuais. Este é um espaço aberto, ansioso pela visita de todos», afirma David Marques, vereador na autarquia.

O pulsar da vila funde-se com o cante alentejano. Reconhecido como Património Cultural Imaterial da Humanidade, pela UNESCO, desde 27 de novembro de 2014, às vozes mais envelhecidas juntam-se vozes novas, de jovens de Castro Verde, a abraçar esta forma de cantar. 

Em Castro Verde, o repasto à mesa faz-se também de sopas de pão ou ensopado de borrego. Um dos doces regionais, que vai bem com café ou chá, são as popias.

Vila acolhedora, Aljustrel apresenta-se ao quilómetro 619 da Estrada Nacional 2. Construída no meio de um vale, a vida ali fervilha debaixo da terra, devido à atividade mineira em funcionamento. As minas de Aljustrel situam-se na faixa piritosa ibérica, entre o sul do Baixo Alentejo e a Andaluzia (Espanha), uma das zonas de minérios metálicos mais ricas a nível mundial.

«Todos os dias, as casas tremem», conta, em tom de curiosidade, Mercedes Guerreiro, técnica superior na área de projetos turísticos, na Câmara de Aljustrel.
A exploração das m​inas de Aljustrel (jazigos de São João e Algares) iniciou-se nos períodos pré-romano e romano, com a exploração de cobre, prata e ouro. «Neste momento, a explo- ração é mais de concentrado de cobre», explica a responsável.

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Na vila alentejana de Aljustrel existe uma mina em funcionamento. 

Pela primeira vez, quem visitar esta vila alentejana poderá viver uma experiência única: entrar numa galeria mineira e conhecer o trabalho de um mineiro.
«São cerca de 400 metros, um percurso de uma riqueza muito grande do ponto de vista geológico. Pretendemos abrir este semestre», anuncia Mercedes Guerreiro.

O complexo do Parque Mineiro de Aljustrel é «um museu a céu aberto», elogia. Os malacates Vipasca e Viana, o Chapéu de Ferro, os bairros mineiros, são pontos de visita imperdíveis.

Na vila encontra-se o maior percurso urbano mineiro do país. Durante cerca de 12 km, é possível percorrer a sede do concelho em passadiços ou por caminhos rurais, «com vistas maravilhosas. Recomendo que venham na primavera», sugere Mercedes Guerreiro.

 


Mas Aljustrel não é só mina. É herança e também surpresa, em cada canto. Em redor da vila, estima-se que existam 15 moinhos de vento. A freguesia de Ervidel exibe as suas chaminés e adegas, já a vida de Messejana encanta com as suas casas típicas, pintadas de azul.