O ambiente na farmácia Rainha está calmo. As janelas permitem uma panorâmica de quase 180 graus sobre a principal rua de comércio de Carrazeda de Ansiães, no distrito de Bragança. Chuvisca e é possível constatar a pressa de quem passa para chegar a casa e às mesas postas do almoço.
Será esse também, dentro de alguns minutos, o destino de Hugo Lopes, Carine Mendes e Ana Izidoro, técnicos que fazem parte da equipa que aqui trabalha. Serão rendidos por Marta Cruz, mas, por agora, aceitam partilhar um pouco da sua experiência com a população local ostomizada.
Quando, a 1 de Abril de 2017, os produtos de ostomia passaram a ser comparticipados a 100 por cento nas farmácias, desde que prescritos de forma electrónica pelo médico, foi uma vertigem.
Conforme explicam, em Carrazeda, o serviço era assegurado pelo centro de saúde. Quando passou para as farmácias, «fizemos formação na área e como a nossa directora-técnica, a Dra. Isabel Luz, além da experiência pessoal que tem, é também ela formadora, tivemos um acompanhamento excelente», diz Hugo. Ou seja, tecnicamente: preparadíssimos. «A nossa preocupação era outra: o estigma das pessoas e conquistar a sua confiança».

Os utentes estavam receosos, contam. Mudar implicava partilhar com mais gente algo privado, além de que não sabiam como é que as coisas se iriam processar. Mais: para cúmulo, verificaram-se rupturas de stock, o que também não ajudou. «Explicámos tudo direitinho e voltámos a explicar a vezes que foram necessárias até as pessoas ficarem mais tranquilas», comenta Karine, acrescentando que «temos o sistema todo muito bem organizado, com a ficha dos doentes informatizada. Dá-nos logo o perfil de consumo de cada um e os códigos dos produtos que usam. E quando surge alguma questão, tentamos resolver tudo no imediato».

As maiores dificuldades prendem-se com a própria prescrição, concordam os três. «Ou é a portaria que não vem indicada, ou as referências que não estão correctas…». Por vezes, para evitar que o utente volte ao centro de saúde, «agilizamos as coisas», confessa Hugo. «Para nós, é só o custo de um telefonema para o médico, mas para o utente… O utente não tem culpa e custa-nos, porque são pessoas que já estão numa situação fragilizada».
Hoje reina a normalidade na farmácia Rainha e os utentes dizem-se muito satisfeitos com a mudança. «Esforçamo-nos para corresponder e acompanhar as necessidades de todos. Estamos sempre a recomendar o que julgamos ser melhor, mas é muito difícil mudar alguns hábitos. Vamos devagarinho».
Lá fora há uma aberta no céu e o dia fica menos cinzento. Ana, até aqui mais calada, comenta: «Sabe? Há exemplos que nos encorajam. Casos de pessoas que não sabíamos pelo que passavam, de gente que tem uma força que nem imaginávamos. Estamos sempre a aprender!». Estamos pois.