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4 abril 2024
Texto de Teresa Oliveira (WL Partners) Texto de Teresa Oliveira (WL Partners) Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro Vídeo de Duarte Almeida Vídeo de Duarte Almeida

A terapêutica das viagens

​​​​​​​Depois de ficar paraplégica, as viagens tornaram-se imprescindíveis para Sofia Martins.​

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Quando Sofia Martins viu a fotografia de uma amiga na Grande Muralha da China, pensou: «Eu nunca irei ali». Anos depois, era ela própria quem chegava às fortificações mais conhecidas do mundo. «De repente, ali estava eu, na Muralha da China. E não foi assim tão complicado, foi tudo acessível para chegar». Não conseguiu passear muito no topo porque havia degraus, obstáculos que não tornaram a visita menos marcante. «Estive ali, é espetacular, foi um privilégio». Poucos dias depois da conversa com a Revista Saúda, embarcou numa volta ao mundo.


Poucos dias após a gravação da reportagem, Sofia iniciou uma volta ao mundo

Paraplégica desde os 23 anos, as viagens foram uma componente importante na recuperação e são mais do que o passatempo preferido. Começou a viajar com os pais em pequena. «Enquanto os meus amigos iam para o Algarve, nós íamos de carro pela Europa», recorda. Há 30 ou 40 anos, viajar implicava passar por muitos imprevistos. «As moedas não eram iguais, não havia Internet e lembro-me perfeitamente de dormir em estações de serviço, dentro do carro com os meus pais». As aventuras vividas geraram o gosto por viajar, somadas à recordação de ver os pais partir para «grandes viagens» e imaginar como seria com ela quando crescesse.


Abu Dhabi

A sua recuperação, em Espanha, depois de um acidente a 600 km de casa, fez crescer a alma de viajante. Esteve internada num hospital espanhol durante um ano, junto de «um grupo enorme de pessoas das mesmas idades», conta. Podiam sair aos fins de semana e iam para as terras uns dos outros. Como Espanha «não é um país assim tão pequeno», Sofia viajou muito. «Os espanhóis estão sempre em festa, portanto a viagem era festiva», recorda, consciente da importância que esta caraterística teve para «encarar o mundo de forma diferente». Depois de um acidente que deixa sequelas incapacitantes, uma das receitas para a recuperação «é conseguir pôr as pessoas o mais próximo possível da realidade que vão ter quando saírem do hospital».


No regresso, todos os incómodos se transformam num sentimento de vitória

As viagens que já fez, e faz, continuam a ter essa componente terapêutica. «Cada viagem tem obstáculos, momentos de desconforto» e «não é sempre tudo bom, nem corre sempre tudo bem», diz. Em contrapartida, além das experiências que se vive, têm também o outro grande impacto de à chegada existir uma «sensação de superação e de vitória», com efeitos que se prolongam no tempo. «Ajuda no dia a dia, a não ter receio de sair de casa sozinha, como faço todos os dias». Aliás, acrescenta, «viajar e fazer desporto são duas coisas que ajudam muito». Ainda sobre o tempo que passou a recuperar em Espanha, diz ter tido muita sorte por ter feito a reabilitação naquele hospital. E recorda o médico encarregado do seu caso, «uma pessoa fenomenal que toda a gente adorava». Este médico ia contra as regras e permitia aos jovens em reabilitação sair à noite ao fim de semana, em Toledo. Sofia e os amigos iam beber uns copos, à discoteca, a bares, divertir-se como outros jovens da mesma idade. Outra experiência muito importante «na nossa reintegração na sociedade», considera, «por​que não vamos viver num hospital para sempre, e sair do hospital e encarar a realidade cá fora não é fácil». Se não o é agora, era ainda mais difícil há 30 anos. Sofia contou com um grande suporte familiar e dos amigos, «mas quem não tem?», pergunta. Valoriza essas experiências e o facto de ter sofrido o acidente em Espanha e de os «espanhóis encararem as coisas um bocadinho de maneira mais leve. Acho que aí também tive sorte», palavra que pontua várias vezes o seu discurso.


Seul

Apesar de já ter viajado sozinha quando era mais nova, agora viaja com o marido. Já passeou pelos "quatro cantos da Terra", escolhendo destinos mais acessíveis e em que consiga ser mais independente, nomeadamente porque é o marido que leva a maior parte da bagagem. Apesar de esta ser a regra, a verdade é que se houver algum destino a que queira muito ir, mesmo menos acessível, vai na mesma. «Até porque não há nenhum lugar no mundo que seja totalmente acessível», avisa, dando o exemplo de Berlim, onde a avaria de uma plataforma levou a que fosse ajudada a descer as escadas. Escolhe com muito cuidado o hotel, para garantir que cumpre as regras de acessibilidade, e prefere o centro das cidades, perto de uma estação de metro ou comboio, por causa das bagagens. Queixa-se de ainda existir muita falta de informação sobre a acessibilidade em sites de restaurantes, de hotéis, de museus, ferramentas que a ajudariam no planeamento da viagem. No caso de Portugal, refere a necessidade de formação da sociedade para compreender e lidar com pessoas com mobilidade reduzida, apesar dos grandes progressos de consciencialização, nomeadamente nos últimos anos e através das redes sociais.


O transporte mais desafiante é o avião, sabe que vai passar momentos de desconforto

Sofia conta com a ajuda imprescindível de uma roda que vai à frente da cadeira, que a «torna um "todo-o-terreno" e muito mais segura», permitindo explorar, maioritariamente a pé, os locais para onde vão. O mais complicado da viagem é o avião, porque raramente existem casas de banho adaptadas. Decidiu que não voa mais de oito horas seguidas, apesar de conhecer outras pessoas com mobilidade reduzida que o fazem. Enquanto está no ar, «não como e não bebo», explica, para logo depois desmistificar: «se tivermos de fazer um exame médico e estar não sei quantas horas sem comer ou beber, também o fazemos; é a mesma coisa». Para quem se esteja a iniciar neste mundo, aconselha a escolha de locais mais próximos. «Não é preciso ir para o outro lado do mundo para viajar, nem é preciso ir para o estrangeiro, temos um país espetacular», defende. Nomeadamente, se as pessoas quiserem começar a viajar sozinhas, sugere uma ida perto de casa, pois «facilmente alguém vai ajudar e vamo-nos preparando para ir para mais longe. Estar aqui ou noutra cidade do mundo é a mesma coisa, é só irmo-nos adaptando», acrescenta.


Atualmente, viaja com o marido e partilha experiências e sugestões no blogue e nas redes sociais "JustGo"​

Para ajudar nesta agradável tarefa que é viajar, Sofia criou um blogue e contas nas redes sociais com o nome “JustGo”. «Quem me dera que há 30 anos existissem redes sociais e Internet, quem me dera ter tido um blogue como o meu», diz, para ir procurar a informação que lhe fez tanta falta. Agora é só esperar que o mundo continue a fazer a sua evolução para que viajar em cadeira de rodas, ou sem ela, seja exatamente a mesma coisa.​

 

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